Em 2014 já falámos de golpes, de workers e da importância do improviso. Todos eles tópicos fundamentais para o jovem (aspirante a) lutador, sem dúvida. No entanto, depois de ter publicado estes 3 artigos, senti que a mensagem ainda não estava completa.
Mas então o que está a faltar aqui? A resposta é óbvia para quem leu o título deste artigo: está a faltar criatividade. Este ponto foi abordado subtilmente nos posts anteriormente referidos (mais que não fosse porque sempre mencionei a importância de ser diferente) mas nunca foi o protagonista. Hoje é então o dia de nos debruçarmos a 100% sobre isto.
Porquê ser diferente?
Tenho uma pequena obsessão em me diferenciar da concorrência, talvez devido à minha formação em Marketing. Quero sempre saber o que está à minha volta e como me posso posicionar para ser memorável. Nunca quis ser “mais um”, mas sim ser capaz de trazer algo diferente a uma ideia, um projecto ou um evento. No Wrestling, queria que quando o Bammer estivesse no ringue, as pessoas percebessem que esse lutador trazia algo de diferente ao espectáculo.
Consideremos a catchphrase da minha escola: “Se formos apenas mais uma escola, seremos uma escola a mais”. Isto para mim é o básico do que o Marketing deve ser. Se resumisse 4 anos de licenciatura numa frase, provavelmente seria este raciocínio. Portanto, pensa como um marketeer e não sejas apenas mais um seja no que for que faças.
O lema da ESCS pode-se aplicar ao Wrestling… e a tudo!
Falando em diferente…
O artigo de hoje também vai ser diferente. No passado, recorri a testemunhos de pessoas que senti que tinham algo a acrescentar à aula. Já contámos com o relato do Rúben Branco e do Hugo Santos sobre o Primeiro Combate e já pedi ajuda ao Afonso Malheiro e ao João “Pégaso” Sena para falar um pouco sobre booking. Esta semana trago um novo convidado, conhecido no circuito como David “Cougar” Batista.
David “Cougar” Batista, o convidado de hoje!
Trabalhar com o Cougar é fantástico (podes ver um Bammer Vs Cougar aqui) e aquilo que sempre me espantou nele foi a enorme criatividade que trazia a tudo o que fazia. Seja na forma como interagia com o público, a sua personagem, os seus golpes ou simplesmente a forma como montava os combates, qualquer lutador tem muito a aprender de uma mente como a do Cougar. Por esse motivo, para este artigo não vamos contar apenas com um testemunho dele, mas com a sua participação activa em vários pontos deste post.
Mas eu não sou criativo…
O primeiro pensamento que temos de tirar do caminho é a ideia de que “eu não sei criar nada original”.
Alguns de vocês poderão estar com receio de não serem criativos. Se calhar na escola sempre te disseram que eras mais analítico do que criativo (a suposta guerra dos 2 hemisférios do cérebro, direito e esquerdo). Se calhar os teus amigos dizem que és previsível ou que “nunca fazes nada de diferente”. Ou simplesmente não consegues ver como podes ser diferente e ter algo único a oferecer no Wrestling (apesar de saberes que todos têm o seu lugar, certo?)
Todos temos esse receio. Os produtores de música temem não conseguir produzir uma música com a qualidade da anterior. Os bloggers têm medo de não conseguir escrever 2 frases que façam sentido. Os pintores às vezes olham para uma tela em branco e não sabem o que pintar. Cada pessoa terá obstáculos diferentes. Mas o que importa entender é que a criação não existe num vácuo.
Os artistas que admiramos não são pessoas que foram um dia “tocadas” por uma musa qualquer; não há deusas que miraculosamente inspirem alguém a escrever um livro que mude vidas num par de dias, por exemplo. Um músico também não pode estar num café à espera que a musa lhe bata à porta para ir para o estúdio gravar algo com qualidade numa tarde. Os artistas têm de trabalhar diariamente como todos os outros, tal como o exemplo de Jerry Seinfeld que referi logo no primeiro post de 2014. E pelo caminho, pelo trabalho constante, surgem os tais momentos em que embalam e que chamam de “rasgos de inspiração”.
Um dos segredos? Os artistas roubam. Todos são influenciados por alguém que veio antes deles- pegam em ideias anteriores e dão-lhes a sua própria perspectiva. Partem de uma base familiar e dão-lhes o seu toque. É importante entender aqui que roubar não é imitar/copiar- estás a pegar em material antigo e a utilizá-lo como base para produzir algo teu, não para criar uma cópia descarada. Claro que se não te desviares muito da obra original, vai ser evidente a cópia- como podes ver em baixo.
Mesmo assim, o olho menos “treinado” nunca vai reparar nesses roubos, certo? Especialmente se os modificares o suficiente. Roubar não será difícil se fores um verdadeiro fã de Wrestling… e quanto mais te esforçares em personalizar, mais serás percepcionado como alguém original.
Outro ponto importante é a questão da limitação– em vez de acharmos que “tudo é possível”, às vezes é melhor trabalhar com restrições. Este foi, aliás, o caso do Cougar:
Ter 1.62m de altura e 50kg de peso criaram-me múltiplos obstáculos no meu caminho para me tornar um Wrestler. Para o Cougar ser minimamente credível como lutador, tive que ser criativo: não só a nível de golpes, estilo de luta (felizmente anos de ginástica ajudaram aqui) e personagem, mas principalmente no que toca à construção de um combate- afinal, em Portugal não havia nenhum highflyer.
A importância de perceberes quem és no grupo
Esta conclusão foi importantíssima para o Cougar. Provavelmente sem dar conta, ao perceber os obstáculos que enfrentava criou o seu próprio estilo – highflyer – e tinha agora definido a base por onde iria trabalhar, com um objectivo: ser um lutador igualmente credível apesar da altura e peso não jogarem a seu favor. Será que ser highflyer era o desejo dele?
Apesar de adorar o estilo voador, na realidade o meu grande sonho era ser uma suplex machine como o Taz, Steiner ou Angle.
Esta é uma lição extremamente valiosa: temos de nos ver primeiro ao espelho e só depois entender em que lutadores devemos inspirar (ou roubar).
Às vezes o resultado pode ser diferente daquilo que sonhas, mas ainda assim poderá ser mais sensato segui-lo. Dificilmente o Cougar conseguiria ser lembrado pelos seus suplexes num balneário recheado de lutadores com mais 20, 30 ou 50 kg que ele, mas foi assim que encontrou uma oportunidade de ser relevante de outra forma.
Ao olhares para o grupo e para ti próprio, estarás a limitar-te, o que é óptimo. Estarás a traçar limites do que podes e não podes ser consoante o que todos os outros fazem, encontrando assim uma maneira de sobressair.
Criatividade nas personagens
Provavelmente já leste isto antes: a tua personagem terá que ser baseada no que acreditas e no que és. Tem de ser um traço vincado teu, ou o pacote completo do que representas, multiplicado por 10. Tens de pegar em algo e exagerá-lo, torná-lo extravagante- que é, no fundo, uma das grandes fórmulas do Wrestling.
Chegar lá não é propriamente fácil- e sendo este o aspecto do Wrestling que menos trabalhei, faz ainda mais sentido colocar aqui a voz do Cougar:
A criação do Cougar heel foi interessante. “Cougar” é “Puma” em inglês- o que poderia usar para transmitir isso? Prints de animal. Eu odeio ver as mulheres de leggings com padrões tigresa. Se eu odeio, mais alguém há-de odiar, por isso comecei a usá-las. O que ficaria ainda mais ridículo num homem, para além de leggings tigresa? Botas peludas. Mais uma vez reforço a parte animal e ao mesmo tempo a certeza de que alguém iria gozar comigo por usar isso.
Alice “the Malice” era a minha manager/colega de tag team e sendo ela mais alta e com mais corpo que eu, porque não usar algo que lembrasse ao mesmo tempo uma coleira e um escravo submisso de sado-maso? De certeza que os machos que acham que vestem as calcas lá em casa reagiriam a isso.
Juntando tudo isso à minha própria personalidade, chata e irritante quando quero algo feito e levando-a ao exagero, cheguei ao Cougar Heel.
Cougar em modo Heel, antes de mais um combate
O vencedor do primeiro torneio Tarzan Taborda do WP deixa ainda um conselho:
Peguem em traços da vossa personalidade e tentem encaixá-los na criação da vossa personagem, mas lembrem-se: não estão sozinhos. Peçam opiniões a quem está nisto há mais tempo.
O Cougar nunca foi uma pessoa egoísta e sempre contribuiu com ideias para os seus colegas do WP. Duas personagens que o Cougar ajudou a criar foram o Ricardo Costa (o Costa) e o Rúben Branco. Como surgiram?
O Ricardo Costa mora na cidade do Porto. Estereotipo nortenho? Um Azeiteiro. Heel perfeito. As pessoas olham para os Azeiteiros, para as suas camisas berrantes que não combinam com as suas calças de fato de treino com as meias por cima e para o seu cabelo (que parece lambido por uma vaca) e automaticamente querem gozar com eles e chamá-los de bimbos. Os Azeiteiros são algo convencidos, por isso acham que todos têm inveja deles e que gostam deles. O que rima com gosta? Costa! Afinal é do Costa que toda a gente gosta.
Há alguém aqui não queira chamar nomes ou quiçá oferecer um “banano” ao Passos Coelho? Bem, têm o Rúben Branco para isso! Branco representa o politico que está sempre em maioria nas eleições e que com o seu lema “Votem Branco!” obtém obviamente sempre uma reacção do público (até porque a pessoa em questão pegou na minha ideia e elevou-a a níveis que até a mim me surpreenderam).
E será que basta escolher algo de forma aleatória? Claro que não. Mas aqui fica o que o Cougar tem a dizer sobre isso.
Se estão em Portugal convém pensarem em algo que os Portugueses reconheçam ou que faca parte da cultura Portuguesa. Se em Portugal nunca existiram Cowboys, tu não vais ser o primeiro cowboy português porque ninguém vai acreditar em ti. Se queres ser um Italiano mas não falas italiano, ou vais aprender ou então simplesmente não o sejas.
Criatividade nos golpes e combates
Se leste e reflectiste sobre o artigo dedicado aos golpes, já tens um bom avanço para te diferenciares nesse aspecto. E, como voltei a frisar hoje, os golpes são palavras- portanto tens de entender quando/como/onde os colocar para contar a história que pretendes no ringue.
Visto que grande parte da teoria já está no meu artigo anterior, resta saber: o que tem o Cougar a dizer sobre golpes?
Toda a gente no mundo do Wrestling conhece a WWE, logo se fizeres um Pedigree num combate és automaticamente associado ao Triple H e isso não se quer. Terão de ver muito Wrestling para encontrar alternativas, coisas de antigamente que feitas agora se tornam originais outra vez, por exemplo. Antes do Dean Ambrose usar o seu golpe final, já eu o tinha encontrado há anos e sugerido ao Ricardo Costa. E mesmo que achem que determinado golpe é giro mas não é para vocês, apontem à mesma porque pode haver um colega a quem assenta que nem uma luva.
Mais uma vez, importa aqui salientar que não é necessário reinventar a roda. O Fim-de-Sena, finisher de João “Pégaso” Sena, é um Franchiser, manobra popularizada por Shane Douglas, mas com um salto para o tornar mais explosivo. A minha Bammerbomb, por exemplo, foi inspirada na Running Lygerbomb de Jushin “Thunder” Lyger, mas sem a corrida que a antecedia.
Esta diferenciação e este desejo de sair da zona de conforto deve também estar patente na forma como montas os combates. É muito fácil pensar nas mesmas sequência e nos mesmos momentos, mas como referi no último artigo quando falei da lição do Christian, corres o risco de ficar repetitivo depressa se não fores criativo.
Como podes garantir que trazes algo novo a um espectáculo sempre que sobes ao palco?
Criar combates… quantas vezes já não aconteceu a minha namorada estar a falar comigo e dar comigo com um olhar vago e ausente, pois lá estava o Cougar a ter um combate contra o João “Pégaso” Sena na sua mente. Não tentando arranjar problemas com as namoradas a ninguém, imaginem combates.
Cougar a dar espectáculo em Queluz contra o seu maior rival, Pégaso
Criem situações hipotéticas com X adversários diferentes, tentem imaginar o que querem transmitir nesse combate, que fins ficariam giros ou transmitiriam o objetivo proposto. Assim, quando surgirem eventos em que tenham de lutar com alguém que já imaginaram nessas situações, já têm na mente o que gostariam de fazer. Por exemplo, o combate que tive com o Bernardo Barreiros na WSW nas Caldas da Rainha já tinha eu pensado meses antes numa noite em que me perguntei “o que faria eu Heel contra um Bernardo Face?”
Últimos conselhos
Para rematar, o Cougar atribui como um dos seus segredos a sua grande memória. Como, ele próprio diz, “o Bammer ainda hoje me pergunta capítulos da própria vida dele porque me lembro melhor que ele” (e eu posso confirmar isso a 100%). Ter uma boa memória é sem dúvida uma excelente ajuda para ter ideias para finais de combates, spots, golpes e personagens.
Cougar define-se como “uma pessoa conturbada, que acorda a meio da noite com um combate na mente ou o golpe perfeito para o Ricky Santos” e a verdade é que muitos outros lutadores passam frequentemente pelo mesmo.
As dicas finais:
Vejam Wrestling, vejam muito Wrestling! O artigo #10 do Bammer fala exactamente disso. Não se limitem a ver WWE ou TNA, vejam Wrestling dos anos 80, vejam WCW, vejam ECW, vejam Lucha Libre, vejam Japão. Em resumo, vejam um pouco de tudo.
Arranjem um Caderno e apontem tudo! Repararam num combate que tem um fim que não se vê todos os dias? Apontem! Um golpe de que gostem? Apontem! Uma boa sequência de movimentos? Apontem! Surgiu-vos uma promo na cabeça? Um combate? Apontem! Estão a ver TV e na vossa mente doente ficam a achar que o José Castelo Branco dava um heel dos diabos? Apontem!!!
E por esta semana é isto malta. Dúvidas, questões, feedback, já sabem como fazer, seja através de mensagens, tweets ou comentários. Podem também dizer olá ao Cougar pelo Facebook. Até para a semana!
12 Comentários
Gostei muito do artigo, mais um para a excelente “coleção”.
Agora, podias fazer um artigo sobre quais são os segredos do wrestling (por exemplo, os murros não tocarem na cara e fazer barulho com os pés, nos piledrivers os gajos que os estão a levar não tocarem com a cabeça no chão…) ?
Obrigado por leres e, claro, pela sugestão! 🙂
As questões fazem todo o sentido, mas não sei se poderei fazer um artigo muito rico nesse aspecto. Quando ingressas numa academia, há “segredos” ou técnicas específicas que só te são comunicadas mais tarde, quando provas que vais ser um bom “embaixador” da arte. Por esse motivo, há coisas que decidi que relevaria mas há outras que só mesmo pessoalmente na academia, depois de “provas dadas”.
Gostei bastante do artigo 🙂
É interessante saber o que ás vezes vai pela cabeça dos Wrestlers e principalmente, no que toca ás personagens. Por exemplo, na minha opinião, à certas personagens que é difícil tornar “Heel”, como o Rey Mysterio, Cena, o Jeff Hardy (apesar de reconhecer que deu um Heel soberbo, e aí dou créditos a TNA, mas até ao momento não o imaginava como Heel) e o Cougar, também seria uma personagem difícil (semelhante a Rey), mas esteve muito bem no processo e , na minha opinião, isso é fantástico e demonstra muita qualidade.
PS: Shooting Star Press do Cougar na 4ª imagem é fantástico!
Still better than Billy’s 😛
Ainda bem que gostaste! 🙂
Sim, de facto o Cougar graças à sua enorme criatividade e versatilidade conseguia arrancar sempre uma enorme reacção e sabia representar muito bem o seu papel, fosse ele face ou heel naquele dia. Havia algumas ideias de que ele só poderia ser face pelo seu enorme arsenal aéreo e capacidade de sacar aplausos, mas ele mostrou conseguir ser “o whole package”!
Ótimo artigo bammer , vou seguir as tuas dicas de ver um pouco de tudo pois só vejo TNA e WWE mas vou eperimentar outros pode ser que goste ! Nunca me passou pela cabeça que o Castelo Branco dava um heel haha até que ficava bem xD
p.s. Excelente combate entre ti e o Cougar adorei 😀
Awesome, obrigado! Foi um combate bem divertido de fazer 🙂
Excelente artigo! Eu acompanho sempre mesmo apenas a WWE, mas sempre tento assistir outros combates de outras empresas de wrestling como a Dragon Gate, CMLL e outras e as vezes acabo por ver wrestlers fazendo coisas mais impressionantes do que os que lutam na WWE, sei que eles podem não ser melhores mas conseguem os superar nem que seja por alguns segundos com um move que eu nunca tenha visto por exemplo, não treino wrestling mas se um dia eu tiver oportunidade de treinar talvez isso possa me servir para alguma coisa.
Obrigado por leres! Sim, é realmente bom ver todos os estilos e federações, aprende-se sempre qualquer coisa nova e fica-se com a mente um pouco mais aberta também 🙂
Excelente artigo!
Estava a ver seu combate com o Cougar, e, meu Deus, que combate!
Hehe, thanks! 🙂
hei bammer eu sou brasileiro e acompanho wrestling ha algum tempo, eu tava vendo o filme ‘o wrestler’ e vi uma cena onde falavam de steroides, e fiquei curioso se isso rola ainda nos bastidores ou se pelo menos e proibido. ja que vc e lutador profissional poderia me dar uma dica se e ruim ou nao usar isto pra ganhar um corpo melhor e ganhar mais credito entre os promotores!!!
É totalmente desaconselhado e desnecessário no Wrestling actual, mas ainda anda por aí… no circuito independente não é frequente, mas em alta competição é fácil verificar que há corpos que simplesmente não podem ser naturais!