Num desenvolvimento algo previsível, os atuais campeões de equipas do Raw, New Day, fizeram história ao conseguir ter o reinado mais longo da história da WWE na sua divisão. Embora tenha sido previsível, não quer dizer que não tenha sido merecido. É mais um dos exemplos da lição que mais pessoas precisam de aprender nesta indústria – nem sempre o que é previsível é mau e nem sempre o que é imprevisível é bom.

Tive várias reservas relativamente ao reinado do grupo como campeões ao longo dos últimos, algumas delas voltarão a ser reforçadas nesta edição, no entanto é absolutamente inegável o esforço, o trabalho, a criatividade e a química destes três senhores que, em dois anos, transformaram uma ideia ridícula e antiquada num estrondoso sucesso. Aliás, no maior sucesso das carreiras dos três.

Opinião Feminina #316 - The Biggest Victory

De todos, Kofi Kingston é o lutador que está na WWE há mais tempo e este passou grande parte dessa carreira estagnado no midcard, vencendo título após título, sem nunca deixar uma impressão duradoura ou gerar sucesso suficiente que justificasse um investimento maior. Fazer parte deste grupo, não só rejuvenesceu a carreira de Kingston, como a validou – este agora vai ter algo para contar. Este não precisará de se resumir apenas às acrobacias que faz anualmente no Royal Rumble. Anos depois de se reformar, caso a relação com a WWE continue amigável, Kingston e os restantes membros poderão voltar e fazer reuniões em ocasiões especiais. Um dia, os três poderão vir a entrar no WWE Hall of Fame como grupo. Tal nunca estaria nos planos para Kofi Kingston se este não tivesse tido esta oportunidade e este sucesso.

Kofi Kingston pode dizer que, finalmente, deixou a sua marca na indústria e fez algo que os fãs irão, indubitavelmente, recordar. Este pode nunca vir a ser o campeão principal da WWE ou lutar no combate principal da WrestleMania, mas esta é uma honra que já ninguém lhe pode tirar (a ele e aos outros dois) e é uma bela honra, mais do que a maioria que passa pela indústria se pode gabar.

Colocando em perspetiva os maiores sucessos da história da WWE, em termos de popularidade, como é óbvio, o grupo nem sequer chega a arranhar os calcanhares dos gigantes – Hulk Hogan, Steve Austin, The Rock e companhia. É uma consequência da mentalidade da época em que vivemos. Sem dúvida que a WWE está mais aberta a trabalhar com diferentes tipos de talentos e dar-lhes certas oportunidades, chegando a abrir mão do processo típico de lhes tirar a identidade que criaram e atribuir-lhes uma nova, mas tal acontece só até certo nível. A partir daí, são todos meticulosamente mantidos ao mesmo nível, firmemente abaixo do necessário para se transformarem em estrelas grandes o suficiente para transcenderem a indústria.

A experiências que tiveram no passado com  as saídas de Hulk Hogan, Steve Austin, The Rock, Brock Lesnar, não só da companhia, mas em alguns casos da indústria, reforçou a vontade da WWE de ter completo e total controlo sob as suas estrelas, tentando evitar ao máximo uma situação em a companhia fique à mercê das mesmas ou tenha de ver um dos talentos que ajudaram a crescer abandonar a companhia quando ainda acreditam que podem lucrar com ela. É por isso que digo que todas as grandes estrelas de cada época da WWE serão progressivamente mais pequenas que as estrelas da geração anterior.

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Apesar de ser a maior estrela da última geração da indústria, o que John Cena conseguiu alcançar em termos de popularidade não igualou ou ultrapassou os gigantes que Hogan, Rock e Austin foram. E, neste momento, não acredito, de todo, que a WWE vá conseguir ter uma estrela que chegue onde John Cena conseguiu chegar. Podem preferir acreditar que acidentes, acasos e milagres podem mudar muita coisa, mas CM Punk e Daniel Bryan foram dois exemplos de acasos que ajudaram a sua chegada ao topo (como é óbvio, a sorte não foi o fator decisivo, mas ajudou) e nenhum deles colocou verdadeiramente o lugar de Cena em risco.

Os fãs e a companhia precisam de estar em sintonia relativamente à estrela principal e, mesmo quando estiverem, acho que a companhia irá controlar a situação de forma asfixiante, de modo a não deixar que a estrela se torne maior que a companhia. Não nos podemos esquecer que mais do que se ter tornado na principal vilã das suas histórias, a WWE quer ser acima de tudo a sua estrela principal. Não é por acaso que, apesar da imensa popularidade que têm e de todas as provas de sucesso que deram, na forma da venda de merchandise, o grupo foi embaraçado na WrestleMania deste ano e usado para valorizar Steve Austin, Shawn Michaels e Mick Foley.

É irónico e, ao mesmo tempo, vergonhoso que um grupo que tenha conseguido fazer tanto com tão pouco e faça agora parte da história por ter o reinado mais longo com os títulos de equipas não tenha feito nada de digno em qualquer uma das WrestleMania em que lutaram durante este reinado. Na WrestleMania 31 lutaram no pré-show e na WrestleMania 32 foi a palhaçada que se viu. Tudo isto para dizer que, apesar de não serem gigantes em termos de popularidade quando se coloca tudo em perspetiva, o grupo deixou a sua marca e acredito que serão relembrados com carinho no futuro. Acredito que se reúnam em ocasiões especiais, voltem em aniversários e que os fãs os recebam de braços abertos. Acredito também que venham a fazer do Hall of Fame um dia.

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Individualmente, não sei se algum deles conseguiria chegar a tais níveis de popularidade e sucesso. Kofi Kingston não chegaria de certeza, pois já tinha sido rotulado como um eterno lutador de midcard e era preciso os fãs esquecerem bastante para o conseguirem apoiar nesse sentido. Desde os seus tempos no NXT que digo que Big E é extremamente engraçado e carismático, o que fazia da sua típica apresentação de brutamontes silencioso um desperdício dos seus talentos, e fico extremamente feliz pelo grupo lhe ter dado a oportunidade de mostrar isso. Não sei se, sozinho, a WWE lhe daria semelhante oportunidade e não consigo dizer com confiança que este teria tido tanto sucesso caso isso tivesse acontecido.

Xavier Woods não era muito conhecido quando chegou ao plantel principal da WWE. Este não tinha chamado à atenção no NXT e, apesar de ter lutado no circuito independente antes da WWE, também não era dos mais populares e conhecidos. A sua apresentação no plantel principal não foi a melhor e parecia ser apenas mais um para fazer número. De todos, acho que o único que teria oportunidade para fazer alguma coisa seria Big E, por causa do seu tamanho, mas nada me garante que essa oportunidade se teria transformado neste nível de sucesso.

Ou seja, o sucesso do grupo fez-lhes a carreira. Independentemente do que fizerem ao longo dos próximos cinco ou dez anos, eles vão ter sempre este feito, este sucesso, este grupo como prova de missão cumprida. E não estou a falar do reinado ter atingido uma longevidade histórica. Pessoalmente, não acho que o reinado em si tenha sido algo de especial. A esmagadora maioria dos combates em que os títulos foram defendidos eram rápidos, sem grande história e, por vezes, sem muita lógica, com o grupo repetidamente a fazer batota para vencer, apesar da sua popularidade. Alguns foram acima da média e saltam na memória agora, mas não sei que tipo de durabilidade têm e se dentro de anos serão relembrados. Quando os combates eram particularmente bons, nem sempre eram os três que brilhavam mais – Cesaro destaca-se sempre em cada combate que luta.

O reinado nunca teve um momento ou um combate definitivamente marcante que as pessoas possam apontar e referenciar daqui a uns anos. A história do grupo é composta de dezenas de momentos engraçados, mas que se confundem entre si.

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Não foi a qualidade dos combates ou o reinado histórico que deram sucesso ao grupo. O grande feito do grupo foi, não só ter sobrevivido, mas ter singrado numa época em que a WWE atravessa uma péssima crise criativa. Nunca a companhia teve tanto talento de qualidade sob contrato, e logo nesta altura é que se apresenta tão estéril a nível criativo. E pior do que estar sem boas ideias ou sem direção, a companhia encontra-se em completo desencontro das necessidades da sua audiência. A companhia não só não compreende a sua audiência, como desistiu de tentar manipulá-la para se dedicar a fúteis braços de ferro.

Estamos numa altura em que, apesar de haver uma abundância de talento absolutamente absurda, existem muito poucas ideias de qualidade e demasiada exposição. Aparecer em televisão regularmente transformou-se de um benefício do qual os talentos tiravam partido para um problema que precisam de conseguir ultrapassar. Quanto mais tempo as estrelas estão em televisão, quanto mais tempo de antena têm, mais expostas estão e menos especiais são. Até um Brock Lesnar, que aparece muito esporadicamente em televisão, perdeu muito do que o tornava especial e tal não se deve apenas à forma como é apresentado pela WWE.

Como se não bastasse a demasiada exposição a que os talentos estão sujeitos, como já disse, existe muito pouca criatividade. A WWE depende de fórmulas gastas que já perderam o sentido há muito tempo, se é que alguma vez o tiveram. Apesar da qualidade dos combates ter um enorme potencial, são muito poucas as histórias que aparecem bem contadas e que proporcionam aos fãs a oportunidade de se investirem emocionalmente.

E quando falamos da vertente a que o grupo está mais ligado – o humor – então o problema ainda agrava, porque muitas vezes o humor que a WWE exibe costuma ser tacanho. Como é óbvio, gostos não se discutem e cada pessoa tem o seu. Pessoalmente, não partilho o sentido de humor que a WWE normalmente exibe e que passa por pessoas a vomitar, a serem mergulhadas em piscinas das mais variadas misturas, por aí adiante.

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Em defesa de Vince McMahon, o humor empregue pelo grupo também não é propriamente brilhante e infalível. Mas se era ao seu humor a que o grupo se iria resumir, então este não teria tido tanto sucesso. Ou seja, numa altura em que, criativamente, a companhia está numa miséria e possui mais horas de televisão para preencher do que nunca, surgiram eles com uma apresentação fatela, antiquada e algo estereotipada. Nunca percebi porque as pessoas pediam satisfações aos fãs, como se a WWE tivesse provado alguma coisa, quando apontavam que os fãs só gostavam do grupo quando se tornaram vilões. Os fãs não estavam “do contra”, ao contrário do que é dado a entender. O que o grupo era quando se estreou e aquilo que o grupo mais tarde se tornaram são coisas estupidamente diferentes. Não há qualquer comparação possível.

E é aí que reside o mérito destes três senhores. Eles receberam uma miséria da companhia, em termos criativos. Receberam uma apresentação que nunca iria funcionar naquele formato. Era forçada, genérica e não passava de um estereótipo. Nem se qualifica como migalhas, o que eles receberam, porque migalhas ainda são capazes de alimentar alguns pombos, mas eles não iam conseguir fazer nada com o que lhes foi dado.

O que aconteceu foi que três pessoas que sabiam perfeitamente que não tinham nada de jeito em mãos, entraram em sintonia e, tirando completo proveito do seu carisma, sentido de humor e talento, lutaram para transformar o grupo em algo com se identificam. E no momento em que eles se identificaram com aquilo que estavam a fazer, os fãs identificaram-se com eles. Começaram a entrar nas piadas, começaram a fazer cânticos, a comprar t-shirts e, em menos de nada, o grupo tornou-se num dos aspetos mais populares da WWE.

Eles sabiam que não tinham grande futuro, individualmente. Eles sabiam que o que tinham em mãos não era bom. Por isso, meteram tudo em jogo e lutaram pela visão em que acreditavam. Afinal, o que é que tinham a perder? Numa companhia que gosta de controlar tudo até à ínfima vírgula e pausa no discurso, isto foi absolutamente fantástico. Foi uma vitória que, tal como tantas outras, prova que, no mundo do espetáculo, não se consegue substituir o que é orgânico. Não se consegue manufaturar paixão, humor e dedicação. Uma companhia que não é conhecida por ser a mais criativa ou por criar o melhor humor tem, como os seus campeões de equipas, um trio de pessoas que constantemente faz as pessoas rir, cantar, dançar e, acima de tudo, divertir-se.

O sucesso deles foi tão grande e tão merecido que transcendeu a divisão de equipas. Não só foram criativos, numa altura complicada, como se mantiveram no topo, numa altura em que a exposição é demasiada. Eles são mais especiais e importantes que os títulos. Não foram os títulos que os ajudaram a ser populares e também não foi o reinado – foram eles mesmos. É, sem dúvida, uma pena que, criativamente, a WWE não consiga fazer jus ao enorme talento que tem. Se o grupo foi assim tão popular sem lhe ter sido dado nada, então como teria sido se tivesse sido ajudado? Como teria sido tudo, se a companhia tivesse as coisas em ordem?

Talvez tivesse conseguido aquilo que não quer – criar estrelas que transcendem a companhia. É irritante como a WWE se recusa a ajudar as suas estrelas a fazer isso, mas depois anda a perseguir as estrelas dos outros.

No último Raw, Kofi Kingston, Big E e Xavier Woods foram, pela primeira vez nas suas carreiras e provavelmente a última, as verdadeiras estrelas da noite ao, não só lutarem no combate principal, como venceram as estrelas principais (que ainda aparecem regularmente) da companhia. Foi uma celebração – não do reinado, que não é nada por aí além e já passou da data de validade – das suas carreiras e de terem provado que talento, paixão e naturalidade vencem sempre no fim. Mais do que tudo, essa foi a vitória mais importante. E agora, para o provar, estão na história.

Um bem-haja aos três!

Até para a semana!

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7 Comentários

  1. Excelente artigo! Concordo em tudo

  2. O teu melhor artigo em muito tempo. NEW DAY ROCKS!

    • kingman237 anos

      concordo plenamente primeiro artigo no espaço de meses que leio até ao fim!!

  3. Vitor Oliveira7 anos

    Grande artigo. Parabéns ao New Day mereceram esse recorde, espero que percam o title para o The Club

  4. Excelente artigo!

  5. 434 Days7 anos

    Grande artigo. O trabalho destes três merecia está recompensa. New Day Rocks!

  6. KILL OWENS KILL7 anos

    Que artigo! Fez jus aos 3 senhores que acabaram de entrar pra história.