Samoa Joe e AJ Styles são os atuais protagonistas de uma das histórias mais coerentes, intensas e interessantes do panorama da WWE e em jogo está o título principal do SmackDown. Há vários aspetos desta situação que são surpreendentes e outros tantos que são tradicionais. Antes de mais, não é estranho que uma história do SmackDown seja considerada a mais coerente que a companhia está a produzir, a dada altura. Tradicionalmente, o SmackDown sempre teve outro tipo de liberdade e as suas histórias normalmente destacam-se quando comparadas à confusão e desorganização do Raw.
Também é possível que, talvez, o SmackDown não seja assim tão bom, simplesmente parece assim porque tem o Raw como comparação e, nos últimos tempos, o Raw tem tido uma apresentação ainda mais desnorteada que o normal. Como exemplo, temos a mítica edição do Raw que irá ficar conhecida como o Raw em que nada fez sentido. Não acho, sinceramente, o SmackDown tenha sido consistentemente bom ao longo dos últimos anos, demasiadas falhas foram cometidas para darmos ao programa o crédito que mereceu noutros tempos. No entanto, a rivalidade de Samoa Joe e AJ Styles tem brilhado e, apesar de nem tudo o que é transmitido bater certo, facto é que o SmackDown consegue promover um evento sem se perder demasiado nas entrelinhas. Neste momento, o Raw está demasiado indeciso entre promover o Evolution e o evento na Austrália para sequer perceber que tem o Hell in a Cell à porta.
No SmackDown, concordemos ou não com a direção das histórias, ao menos não se perde o fio à meada e nota-se um tipo de concentração e cuidado diferente do que no programa de segunda.
Mas lá está, isto não é surpresa. O que é surpresa e, para mim, ainda me faz alguma confusão em ouvir, é que Samoa Joe e AJ Styles estão a lutar pelo título da WWE, numa das histórias principais da companhia. AJ Styles e Samoa Joe, dois talentos sinónimos com a TNA. É certo que a TNA já não existe (existe sim, o Impact Wrestling) e muita água passou por debaixo da ponte, mudando tudo o que estava no seu caminho. Facto é que há dez anos, era absolutamente impensável para mim ver AJ Styles e Samoa Joe, com os nomes e apresentação que tinham foram da WWE, num programa de tanto destaque e qualidade. A WWE era, e ainda é, a companhia que mudava tudo, desde roupa, forma de falar, forma de lutar, nomes… Enfim, tudo! A WWE mudava tudo relativamente às suas novas contratações, talvez porque não queria promover os seus antigos empregadores, ou porque queria ter direitos de autor sobre tudo o que envolvia os seus lutadores, ou apenas porque acreditava que assim estava a melhorá-los. A verdade é que mudava tudo.
E apesar da companhia ter abrangido a sua política de contratações nos últimos anos – há quatro anos, lutadores com carreira no circuito independente eram rejeitados porque podiam vir com maus hábitos que seria mais complicado de destreinar do que simplesmente treinar um atleta de raiz para ser lutador e agora, basicamente quase todos têm porta aberta para entrar e experimentar – a verdade é que nunca esteve garantido que AJ e Samoa Joe alguma vez chegariam a este ponto.
Triple H avisou, de imediato, Samoa Joe, aquando a sua contratação, que Vince não iria querer promovê-lo ao plantel principal, devido à sua idade e a outros factores. AJ também foi avisado que talvez mudassem a sua apresentação e o seu nome, ao que ele respondeu “tudo bem, mas eu tenho uma tatuagem enorme a dizer AJ no corpo.”
E, no entanto, apesar de tudo, aqui estão eles. AJ entrou pela porta grande, em pleno Royal Rumble, com toda a pompa e circunstância. É um facto que os seus primeiros meses foram um pouco tremidos, a nível criativo, e que se receou que ele seria apenas mais um a afundar no midcard da WWE, mas logo após a WrestleMania tudo mudou e, desde então, AJ Styles tem passado mais tempo como campeão do que sem um título. Também é verdade que AJ tem sido a estrela do SmackDown, ou seja, o capitão da equipa suplente. Os seus combates nem sequer são considerados como hipótese a combate principal e ele está longe de ser o foco da companhia. A sua, muito antecipada, rivalidade com Shinsuke Nakamura também deixou muito a desejar, se bem que a culpa tenha sido maioritariamente da WWE pela abordagem criativa que escolheu para a retratar.
Por isso, apesar de já contar com um reinado de mais de 300 dias de duração, a experiência não tem sido algo que vá ser muito relembrada e mencionada nos próximos anos. Pelo menos, com tudo o que tem acontecido até agora. Todavia, nesta fase da sua carreira, tal é melhor do que aquilo que ele alguma vez podia ter sonhado. Emprego estável, não falha edições do SmackDown ou sequer pay-per-views, é o destaque principal do programa em que está inserido… Nesta altura da sua carreira, não se podia pedir muito mais à WWE para fazer com AJ Styles e ele em nada está a ser prejudicado. Afinal de contas, já é uma estrela feita na companhia e sempre que há dúvidas relativamente às suas capacidades, Styles reafirma a sua qualidade com prestações fantásticas dentro de ringue, sempre que é preciso fazê-lo.
Styles é aquilo que a WWE não consegue ser – consistente.
Enquanto AJ Styles entrou pela porta grande, Samoa Joe foi avisado logo à partida que provavelmente nunca chegaria ao plantel principal. Portanto, tudo o que tem conseguido até agora – desde o destaque que teve no Raw no ano passado, às lutas com Roman Reigns, aos combates pelo título Universal, às trocas de palavras com Brock Lesnar e Paul Heyman – são grandes, grandes bónus. Tal como AJ Styles, Samoa Joe não tem a idade ou a necessidade de ser a estrela principal da companhia, portanto ser um bom apoio da equipa suplente da WWE é o melhor que este poderia ter conseguido.
Devido a lesões, 2018 não tem sido um ano muito simpático para Joe, mas este tem compensado com a sua prestação ao microfone. Seja a desafiar Roman Reigns ou a intimidar AJ Styles ao mencionar a sua família, Joe tem conseguido defender o destaque que lhe é dado através do seu trabalho ao microfone que, tem sido, muito possivelmente, o melhor que já vimos dele.
Juntos, os dois têm protagonizado uma rivalidade intensa, dramática e interessante que, apesar de todas as questões pessoais envolvidas, não vai culminar dentro da jaula, apesar do evento se chamar Hell in a Cell. E é aqui que a WWE volta a mostrar as suas falhas. Quando o evento surgiu pela primeira vez como uma presença anual, levantou-se a questão da banalização da jaula como estipulação. Afinal, se a estipulação for usada para resolver qualquer picardia, então perde a sua importância e imponência, ao mesmo tempo que banaliza a violência que é tradicionalmente usada em combates deste género.
E, desde que o pay-per-view surgiu pela primeira vez com esta temática, muitos combates foram realizados onde a estipulação não fazia a menor falta. Não só a história não justificava o uso da jaula, como assistimos a muitos combates onde a jaula estava lá apenas para decorar, porque de resto, os lutadores fizeram combates perfeitamente normais.
Este ano, Samoa Joe, AJ Styles e, até certo ponto, Becky Lynch e Charlotte, sofrem do problema inverso. Ambas as duplas protagonizam histórias intensas e emotivas que justificariam o uso da estipulação, no entanto, nenhum dos combates será disputado dessa forma. Preocupa-me como é que a equipa criativa da WWE irá manter o interesse nesta rivalidade através do combate de hoje e no terceiro combate que ambos irão ter no evento na Austrália dentro de semanas.
Porque, vendo bem as coisas, depois do primeiro combate dos dois no SummerSlam ter terminado em desqualificação, depois de Samoa Joe ter provocado Styles ao interpelar a família deste, a resposta da WWE foi colocá-los novamente num combate normal, sem estipulação. Mesmo que não fosse um combate Hell in a Cell, o segundo combate dos dois exige uma estipulação, devido à brutalidade com que lutaram da primeira vez e da forma como acabou. O que garante aos fãs que o combate de hoje não irá terminar exatamente da mesma forma, em desqualificação? Seja porque Styles perdeu novamente as estribeiras, seja porque Joe decidiu fazer batota e foi apanhado?
Gostei da forma como combate dos dois terminou no Summerslam, tendo em conta a história que estavam a contar, fazia sentido e teve impacto, no entanto preferia que não tivesse sido mais um combate do SmackDown a terminar em desqualificação ou em batota. Já tínhamos assistido a uma desqualificação no combate de equipas da divisão do SmackDown e logo a seguir a Styles vs Joe, vimos The Miz a derrotar Daniel Bryan através de batota. Não se pode ter tantos combates a terminar de forma semelhante na mesma noite, mesmo que cada caso o justifique.
Deixou-me desiludida a WWE não ter subido a parada no segundo combate dos dois, quando ambos estão a protagonizar uma rivalidade tão intensa e pessoal. E quando a WWE anuncia o terceiro combate, antes mesmo do segundo se realizar, a dúvida e a incerteza se a rivalidade termina por aqui ou não desaparece. Não estou a dizer que a rivalidade não tenha pernas para andar e que não mereça continuar se for bem desenvolvida, mas quando se anunciam mais combates da rivalidade, ao longo de um período de semanas, a tensão e a dúvida acaba por desaparecer, independentemente do resultado. Irá depender da equipa criativa do SmackDown como subir a parada e manter a rivalidade interessante mais umas semanas, sempre tendo em conta que o segundo combate não é uma evolução do primeiro.
Relativamente a quem deveria ficar com o título, estou dividida. Por um lado, Samoa Joe tem feito um trabalho sólido e se não for recompensado com o título, depois de todos os jogos psicológicos que tem feito, a sua credibilidade irá sofrer consideravelmente. Eventualmente, as palavras deixam de fazer efeito e este perde a sua aura se simplesmente não conseguir vencer o prémio máximo e, embora o título Universal fosse demasiado para ele, dadas as circunstâncias, agora Joe já está na equipa suplente.
Por outro lado, apesar do seu reinado não ter estado repleto de grandes histórias e rivalidades, AJ Styles já conta com um reinado de mais de 300 dias. Quanto mais tempo AJ durar como campeão, mais os fãs irão notar e mais as expetativas irão aumentar para o momento em que finalmente perder o título. A parada aumenta cada vez mais de mês para mês.
Portanto, a questão que se coloca é simples – o reinado termina já e dá-se uma oportunidade a Samoa Joe ou arrisca-se? Imaginemos que AJ Styles consegue aguentar como campeão até à WrestleMania. Estamos a falar de mais 500 dias de reinado. Com a qualidade de AJ em ringue, com este tipo de recorde em jogo, temos aqui uma oportunidade fantástica de criar uma excelente história e promover outro talento, de preferência alguém mais novo e com maior longevidade na companhia.
Tive exatamente as mesmas dúvidas quando CM Punk teve o seu reinado como campeão. No início, qualquer altura é boa para o campeão perder o título, mas à medida que o tempo passa, o reinado torna-se quase num segundo título e a parada aumenta ainda mais. Quanto mais tempo AJ durar como campeão, mais especial será a sua derrota e mais credibilidade irá ganhar aquele que o derrotar.
São muitas questões, muitas dúvidas, muitas possibilidades. Certezas só temos uma – estamos a falar da WWE. Todos vimos como acabou o reinado de CM Punk. A WWE lucrou imenso com as decisões que tomou, mas criativamente ficámos todos a perder e, se o reinado de AJ continuar, não temos garantia nenhuma que iremos ter uma conclusão criativamente satisfatória. De qualquer das formas, independentemente de como tudo terminar hoje ou daqui a umas semanas, AJ Styles e Samoa Joe já venceram, de todas as maneiras que podiam vencer e mais alguma. Obrigada e até daqui a duas semanas.
2 Comentários
Excelente artigo, como já é habito. Nada a acrescentar.
Muito bom artigo, mas independentemente de ver aquela briga pessoal de quem seria o cara a derrotar AJ, eu quero muito que o Joe vença.