Como se costuma dizer, o dinheiro faz girar mundo. Ou, neste caso, faz com que Shawn Michaels, reformado há cerca de oito anos, volte aos ringues para mais um combate. A indústria está repleta de promessas vazias. Basicamente, nada pode ser levado a sério, pois podem não passar de estratégias marketing. Enquanto houver dinheiro para se fazer, então a companhia e os envolvidos não irão ficar por apenas um combate, por apenas uma rivalidade, por apenas uma despedida. Shawn Michaels foi dos últimos em quem muitos fãs acreditaram quando disse que a sua carreira tinha acabado.

Talvez porque este tem um certo charme e carisma que faz com que qualquer fã queira gostar e acreditar nele, ou talvez porque Michaels nunca teve qualquer dificuldade em desaparecer das luzes da ribalta. Por isso, a sua promessa de não voltar a lutar nunca pareceu muito difícil de cumprir. Este aparecia em ocasiões especiais, sempre com um ar de relutância e resignação, como se mais uma vez o quisessem trazer de volta para as luzes da ribalta e ele, mais uma vez, fizesse a vontade à companhia – apenas até certo ponto, porque também não sabia dizer que não, apenas para desaparecer outra vez.

Nestes oito anos, Michaels nunca mostrou sentir a necessidade de manter o holofote em si e também nunca mostrou ter saudades dos seus tempos de ringue. Este parecia genuinamente satisfeito com a sua carreira e em paz com a decisão de se reformar quando se reformou. E nada do que aconteceu nas últimas semanas contraria isso, simplesmente entrou um factor novo em jogo: dinheiro. E não é um dinheiro qualquer que Vince lhe poderia dar para o convencer a fazer mais um combate. Nada disso. Estamos a falar de quantidades significativas de dinheiro que justificariam voltar aos ringues para um combate de equipas, sem qualquer consequências, importância ou relevância, num evento na Arábia Saudita.

Só para colocar em perspetiva, estima-se que o primeiro evento realizado na Arábia Saudita, o Greatest Royal Rumble, gerou entre 40 a 50 milhões de dólares de lucro à WWE. Por outras palavras, não estamos a falar de trocados.

Opinião Feminina #339 – What year is it?

Por um lado, até me sinto mais aliviada por ter sido este o motivo que fez Shawn Michaels sair da reforma. Não estamos a falar de uma rivalidade a sério, ou até de ilusões e fantasias construídas na cabeça de Michaels. Nada disso, estamos apenas a falar de dinheiro. Existe uma honestidade reconfortante em toda a hipocrisia que está associada a este desenrolar de acontecimentos. Podemos certamente confiar que Michaels, ao contrário de Undertaker que sempre quis reformar-se antes de se embaraçar dentro dos ringues, sem conseguir fazer um combate, só irá lutar quando a recompensa for mesmo, mesmo, mesmo muito significativa.

Seria bastante pior, penso eu, se a WWE convencesse Michaels a voltar da reforma para combates na WrestleMania e rivalidades com Undertaker, Triple H e Kane, sem a motivação da Arábia Saudita e da nostalgia que o príncipe obviamente sente. Podemos ao menos consolar-nos que se calhar não seria isto que a WWE faria com o regresso de Shawn Michaels aos ringues, se não tivesse as preferências e a carteira do príncipe para agradar. Todavia, esse é um grande se e, apesar de tudo, ainda estamos a falar da mesma companhia que todos os anos coloca as estrelas de ontem no palco principal.

Enfim, pequenas consolações num mar de desilusões.

Portanto, o dinheiro fala e o mundo gira. Há cerca de uma semana, Undertaker e Triple H enfrentaram-se no combate principal no Super Show-Down, em Melbourne, Austrália. Admito que prefiro vê-los em eventos deste género, que são pouco mais do que house shows, onde o objetivo é vender bilhetes, do que em eventos principais como Royal Rumble, WrestleMania, SummerSlam, entre outros. Porque uma coisa é fazer parte do foco principal da programação, ter o título principal e ter tudo a girar em torno deles – o que de certa forma acontece na mesma, à exceção do título – outra é ter uma rivalidade que serve de atração nestes eventos secundários que em nada influencia as histórias principais.

Opinião Feminina #339 – What year is it?

O combate em si foi exatamente o que se esperava. Longo demais, como qualquer combate de Triple H, e deprimente demais, como qualquer combate recente de Undertaker. Nunca, em tempo algum, deveria isto ter demorado meia hora e sido o combate principal. Eles tentaram disfarçar, através de distrações e o uso de artimanhas, mas a verdade é que foi tão claro como a água que nada daquilo deveria estar a acontecer em 2018. Não só não há justificação sã para tal – será que agradar às vontades e gostos pessoais do príncipe da  Arábia Saudita deve mesmo ser uma prioridade? – como a maioria dos participantes não tem condição física para tal.

E se não têm condição física para ter um combate, então limitem-se a fazer as suas manobras mais populares e despachem o assunto em 10 minutos, a meio do evento. Limitem-se a ser aquilo que, de certa forma já são, atrações! Porque, com a qualidade do plantel atual, é um insulto guardar um combate destes para o fim. É ainda um insulto maior insistir em fazer combates de meia hora, só porque a certa altura, todos se convenceram que era isso que era preciso para um combate ser bom. Aliás, esse é dos maiores problemas de Triple H – em tantos anos de carreira, ainda não percebeu que um combate não precisa de demorar meia hora ou quarenta minutos para ser bom e nem todos os combates que duram este tempo todo são bons.

Quando, dos quatro, o lutador que está reformado há oito anos, é o que brilha mais, então temos um problema. E no que toca a Undertaker, esse problema já dura há quase tantos anos quanto aqueles em que Michaels passou fora dos ringues.

Opinião Feminina #339 – What year is it?

É verdade que, desde 2010, já assistimos a alguns momentos envolvendo Undertaker que foram, de certa forma, especiais ou únicos. O combate com CM Punk na WrestleMania 29, o combate com Triple H na WrestleMania 28, o fim da Streak foi, por si só, um momento aterrador de assistir, mas penso que conseguiria viver sem tudo isso e que teríamos todos sido mais felizes se Undertaker se tivesse reformado com Shawn Michaels em 2010.

O próprio combate com Triple H, na WrestleMania 28, foi muito, muito semelhante ao que eles tentaram fazer em Melbourne, apenas com circunstâncias diferentes. Tecnicamente, o combate em si não foi brilhante e notou-se claramente as dificuldades que Undertaker sentiu durante o combate, mas com Shawn Michaels e Triple H a tornarem o combate mais dramático do que físico, o mesmo conseguiu singrar e sobreviver com certo respeito e dignidade nas memórias dos fãs. Na altura, a promoção também foi infinitamente melhor, o que levou a todos os fãs a renderem-se à emoção do combate e a acreditarem que a Streak ia mesmo acabar quando Michaels e Triple H fizeram o Sweet chin music e o Pedigree seguidos a Undertaker.

Esta diferença de circunstâncias é o que permite que aquele combate, que embora não seja tecnicamente melhor do que o que vimos em Melbourne, seja tido em melhor conta. O drama era maior, era a primeira vez que estes dois nos prometiam que nunca mais iriam voltar a lutar e a promoção também tinha sido melhor.

E, tendo tudo isto em conta, acho que continuo a preferir que Undertaker se tivesse reformado em 2010 também. Nestes oito anos, Undertaker não fez muito ou quase nada que justificasse os seus constantes combates. Sinto que nesta altura, a sua própria carreira perdeu o rumo. Ele já não tem nada porque lutar, mas por razões que me ultrapassam – não acredito que Undertaker não tenha amealhado o suficiente para se aguentar sem fazer combates de treta todos os anos – ele continua. A Streak já morreu e foi enterrada várias vezes, Undertaker já saiu de personagem em várias ocasiões públicas, ele já conseguiu tudo o que alguma vez podia conseguir vencer, portanto, porquê continuar?

Porquê continuar a aparecer semi-regularmente, fazer discursos que não fazem sentido, não porque são o seu estilo, mas porque não fazem mesmo sentido nenhum, e lutar em combates embaraçosos que não avançam histórias, não ajudam ninguém, nem sequer são bons. Se formos ver com atenção, o declínio de Undertaker começou muito antes do fim da Streak, mas tem sido cada vez mais acentuado nos últimos anos. Undertaker tem uma família, parece ter uma vida emocional estável, não é como muitos antigos lutadores que se agarram cada vez mais aos holofotes porque, fora deles, sentem que não têm mais nada.

Portanto, onde está a necessidade de continuar? Sinceramente, não sei, mas já perdi há muito, muito tempo, o interesse de continuar a ver.

Opinião Feminina #339 – What year is it?

Apesar de tudo isto, o segundo evento que a WWE irá realizar na Arábia Saudita está a ganhar contornos interessantes e não por causa de Undertaker ou do regresso aos ringues de Shawn Michaels. Chegou, recentemente, às notícias o desaparecimento de um jornalista crítico do regime do príncipe Mohammed bin Salman. Correm também alegações que ele foi assassinado, às ordens do príncipe, o que está a gerar alguma inquietação relativamente à colaboração da WWE com a Arábia Saudita.

A WWE já fez saber que está atenta à a situação e Kane, que agora é um político quando não está vestido de demónio, já lançou um comunicado que não vai especular sobre o paradeiro do jornalista, mas que ele está nas suas preces. O que é uma expressão muito comum. Manter nas suas preces é uma forma americana de dizer que lamentamos a tragédia, de forma politicamente correta, mas que isso em nada vai fazer mudar o que fazemos ou como pensamos.  Alguns senadores americanos já pediram à WWE para abrandar a promoção do evento, pelo menos até saber mais detalhes, enquanto fãs e outros pedem o cancelamento do evento em si.

Por sua vez, a WWE está à espera para ver o que acontece. A sua colaboração com a Arábia Saudita na realização destes eventos que pouco mais são do que propaganda paga desde o início que foi contestada e criticada como sendo pouco ética, devido às violações dos direitos humanos perpetuadas pela Arábia Saudita. Mas, lá está, o dinheiro faz o mundo girar e o príncipe quer ver as estrelas de outrora a lutarem na sua casa. Esta estratégia da WWE pode correr muito bem, como pode correr muito mal.

Esta história pode não dar em nada, substancialmente, o evento avança como planeado, a WWE faz rios de dinheiro e ainda se pode congratular e ir para as capas dos jornais e revistas pedir elogios pela criação do primeiro evento unicamente feminino, onde a sua estrela principal é Ronda Rousey. Não acredito que seja por acaso que o evento Crown Jewel e o evento Evolution tenham apenas dias de diferença. E aí, a WWE vence o dia como a rainha dos moralismos e igualdade, ao mesmo tempo que banca milhões. No entanto, também pode correr muito mal. Dependendo de como se desenvolver a história do jornalista desaparecido, a WWE pode ser criticada em praça pública por se afiliar à Arábia Saudita e até perder patrocinadores.

Da minha parte, não preciso de ver o que vai acontecer para perceber para onde aponta, realmente, a bússola moral da WWE. Estamos a falar de uma companhia que, tal como tantas outras, preocupa-se mais em limpar a sua imagem e promovê-la do que em fazer aquilo que proclama ser o mais acertado. Estamos a falar de uma companhia cujos dirigentes principais são simpatizantes e apoiantes da admnistração de Trump e que fizeram donativos para a sua campanha.

Não acho que o Crown Jewel vá ser cancelado, nem acredito que mude alguma coisa se for. Porque para o Crown Jewel ser cancelado, a opinião pública tem de ser bastante dura com a WWE, o que não seria nada que eles não merecessem, mas a verdade é que o Wrestling sempre teve o benefício de passar despercebido. É uma das poucas vantagens de não ser levado a sério. E mesmo que seja cancelado, o que é que isso muda? Eles tinham intenção de o realizar na mesma e o Greatest Royal Rumble aconteceu, não foi uma ilusão ou uma fantasia. Repito, já há muito tempo que os valores morais da WWE são conhecidos. E neste, tal como em tantos outros casos, o dinheiro falou mais alto. Vamos lembrar-nos disso quando a companhia estiver a bater palmas a si mesma por ter realizado o Evolution. Obrigada e até daqui a duas semanas!

Opinião Feminina #339 – What year is it?

5 Comentários

  1. Excelente Artigo Salgado. Eu não tenho nada a dizer a respeito do artigo, visto que a minha opinião no meu, também não diverge muito da tua. Contudo, acredito que a WWE vai ser forçada a mudar alguma coisa no Crown Jewel, nem que seja só a sua localização, não sei porquê, acho que desta vez a pressão sob a companhia é demasiada, para poder ser ignorada e vai fazer com que a WWE tenha de alterar alguma coisa.

    P.S – Já agora, gostaria de deixar uma ideia que eu já tenho há algum tempo. Que tal fazermos um artigo em conjunto, uma espécie de junção de opiniões sobre um tema qualquer? Relacionado com a WWE obviamente. Se vires o comentário, podes-me enviar a resposta por Facebook ou por onde te der mais jeito.

    • Adorava ler algo feito por vocês em conjunto 🙂 para mim são os melhores escritores do site neste momento. Sem querer tirar o mérito ao resto da malta. Continuem o bom trabalho

  2. Ótimo artigo Salgado !! Faço minhas as suas palavras, e espero realmente que a WWE perceba onde está pecando e pare de recorrer as lendas, pois fazendo isso estão a manchar a imagem que já tiveram um dia.

  3. Duzonraven6 anos

    Com tantos novos talentos surgindo na wwe (basta ver o nxt) é triste que ela continue recorrendo a lendas para tentar dinheiro. Claro que Undertaker, HHH, HBK, Kane, Kurt Angle, Big Show foram sensacionais em suas carreiras e merecem o devido respeito, mas já não faz sentido ficar vendo eles se arrastarem por dinheiro. É um tanto deprimente e acredito que até “desmistifica” a imagem dos que acompanharam suas carreiras no auge!

  4. Muito bom artigo!

    Em termos de utilização de lendas tenho uma opinião um pouco diferente de ti, penso que estes combates não tem problema acontecer em eventos destes, ou seja, em live events glorificados, porque eles só servem mesmo para vender bilhetes nada mais.
    Agora quando vemos wrestlers como o Goldberg e o Triple H a lutar por títulos principais na WWE nesta altura acho muito grave porque se a WWE já tem uma dificuldade imensa em criar main eventers sólidos, a postar em wrestlers pré-reformados é que nunca vão conseguir.

    Penso que as lendas deviam só ser usadas em casos como este tipo de live events e para ajudar a subir de posto um wrestler que por vezes sentimos que falta aquele pequeno salto para chegar ao main event, e ter um manager que seja uma lenda pode ajudar bastante ou que tenha uma rivalidade com uma lenda e saia por cima, pode ser esse salto necessário, dou o exemplo do Jericho, o Jericho é um senhor que apesar de já não ter nada a provar ajuda na subida de estatuto de wrestlers e sem falar que ainda dá uns grandes combates com a idade que tem.