Hoje, no Survivor Series, Daniel Bryan – o novo campeão da WWE – irá enfrentar, pela primeira vez na sua carreira, Brock Lesnar, atual campeão Universal, num combate há muito desejado por Bryan e alguns dos seus fãs. O combate surge quatro anos depois de quase ter acontecido no SummerSlam, quando Bryan era campeão da WWE, meses depois das suas vitórias na WrestleMania XXX. Na altura, quem o substituiu no combate foi John Cena que perdeu de forma tão decisiva e chocante que reavivou a popularidade de Brock Lesnar, tornando-o novamente numa das estrela mais apoiadas da companhia e no monstro de credibilidade infalível que todos temiam.
Entretanto, as circunstâncias em que o combate vai acontecer hoje são bastante diferentes. Daniel Bryan já não é a estrela que se encontra no topo do mundo, acabado de sair de uma WrestleMania como campeão, e Brock Lesnar é visto de forma um pouco mais apática e resignada do que há quatros anos atrás.
Na realidade, podemos dizer que nada disto estava nos planos. Muito mudou no último mês, após Roman Reigns ter anunciado que se iria afastar por tempo indefinido por motivos de saúde. Ou, por outro lado, nada mudou e voltámos simplesmente ao estado natural da WWE – Brock Lesnar como campeão Universal ausente. Afinal, não podemos propriamente dizer que ter Brock Lesnar como campeão é uma novidade. É provável que tal não fosse o caso, se Reigns ainda lutasse – talvez hoje, em vez de Daniel Bryan vs Brock Lesnar, estivéssemos prestes a assistir a AJ Styles vs Roman Reigns. Mas não estamos.
E apesar de ser uma das fãs que há muito quer ver Brock Lesnar vs Daniel Bryan, não consigo deixar de sentir alguma apatia e resignação.
Há muitos anos que discutimos a forma como Brock Lesnar é usado. Desde que voltou à WWE em 2012, que Brock Lesnar não tem sido usado de forma muito inteligente. Enquanto no primeiro ano, Lesnar era apenas aquele peso pesado que a WWE não sabia muito bem usar, desde que os planos da ascensão de Roman Reigns foram delineados, que Lesnar se tornou no Evereste que Reigns teria de escalar. Isto significa que, até os fãs estarem prontos para dar a Reigns o momento de celebração que este merecia, Lesnar iria continuar como campeão.
Devido à relação complexa que Reigns tinha com os fãs, ele tornou-se campeão algumas vezes, mas nunca recebendo a adulação e a alegria que se desejava para criar o momento épico da criação da nova cara da WWE. E, graças a isso, a carreira de Reigns é mais marcada por derrotas do que por vitórias. A pior de todas talvez tenha sido a que ele sofreu este ano na WrestleMania.
E agora vocês perguntam – mas porque é que este artigo se foca tanto em Roman Reigns? É impossível não falar de Roman Reigns quando o assunto é Brock Lesnar. Devido à falta de circunstâncias para dar definitivamente o título a Reigns e derrotar conclusivamente Lesnar, este último tornou-se no status quo. No Crown Jewel, Brock Lesnar recuperou o título Universal, depois do ter perdido apenas no Summerslam! Quando o perdeu, no Summerslam, o seu reinado já contava com mais de quinhentos dias. Quinhentos dias de um campeão ausente, de histórias paradas e repetitivas.
A diferença é que agora não sabemos quando é que Reigns vai voltar, se voltar de todo. Portanto, embora não o queira aceitar, a WWE vai precisar de alternativas, porque mais anos de ver a situação criativa do título Universal parada e repetitiva porque insistem em colocar o título em Lesnar é uma situação absolutamente insustentável.
Braun Strowman, Seth Rollins e Drew McIntyre são alguns nomes que várias ocasiões, ao longo destes últimos anos, podiam e deviam ter vencido o título e feito alguma diferença. Aliás, pelo andar da carruagem, Braun Strowman está prestes a tornar-se no novo Roman Reigns – aquele que tem todas as oportunidades, mas nunca ganha o bouquet. Strowman já esteve tantas vezes envolvido no combate pelo título e já foi derrotado tantas vezes que, neste momento, não há muita credibilidade que justifique mais um combate entre os dois.
Strowman já teve vários momentos perfeitos para vencer o título nos últimos anos e a WWE viu todos esses momentos chegar e passar por ela sem nunca fazer nada a seu respeito. Como não é infalível, Strowman está agora a começar a sofrer as consequências. Para além das derrotas para Lesnar e da palhaçada que foi a sua mala de Money in the Bank, temos ainda de ter em conta o facto da WWE ter tentado tornar Braun Strowman num vilão, quando os fãs claramente o preferiam em detrimento de Reigns.
Tudo isto torna mais um reinado de Brock Lesnar algo complicado de apoiar. O que, por si só, é complicado. Lesnar é uma personagem fácil de apoiar – tem uma presença inegável e, nos dias em que de facto tem de trabalhar, é capaz de ter combates fantásticos. Infelizmente, há anos que Brock Lesnar é uma caricatura dele mesmo, fazendo apenas o mínimo com o máximo desdenho possível, tornando-o numa figura repetitiva e, acima de tudo, aborrecida. Brock Lesnar é o exacto antónimo de aborrecido, mas foi exatamente nisso que a WWE o transformou. E agora, sem Roman Reigns e um plano no horizonte de o colocar no topo, quem irá parar Brock Lesnar? Quem irá obrigar a WWE a sair da rotina e a seguir em frente, finalmente? Não que, no futuro, Lesnar não possa voltar a ser campeão, mas está mais do que na hora da WWE seguir em frente e começar a usá-lo em rivalidades com diferentes estrelas e com diferentes histórias, em vez de continuar a usá-lo como cabide para guardar o título Universal.
Essas são as perguntas que mais me assustam. Assusta-me ainda mais a possibilidade da WWE se recusar seguir em frente e continuar presa numa altura em que tem de esperar que Reigns regresse para que o mundo possa voltar a girar. Com tudo isto, a WWE conseguiu dessensibilizar os fãs a Brock Lesnar e aos múltiplos F5 que este consegue aplicar num adversário.
Não sei quem vai obrigar a WWE a sair desta prisão criativa em que se trancou, mas não acredito que seja Daniel Bryan. Desde que voltou da reforma que Bryan foi colocado de volta no lugar que sempre envisionaram para ele – apenas mais um no plantel. O seu booking arrefeceu Bryan consideravelmente e, apesar deste continuar a ser popular e uma figura querida junto dos fãs, ele está longe de ser o gigante, em termos de popularidade, que em tempos foi.
Qual a necessidade de arrefecer uma das suas estrelas mais populares? Não sei, mas já desisti de fazer esse tipo de perguntas.
Uma mudança de tom para Bryan, como a que vimos na última terça-feira, parece-me uma brilhante ideia, mas assustam-me as circunstâncias em que aconteceram. Se Bryan voltou para ficar e planeia continuar a lutar na WWE durante os próximos anos, Bryan precisa de se reinventar. Mesmo com um booking brilhante – e que já sabemos que não acontece frequentemente na WWE, aliás é o equivalente a ver uma estrela cadente – seria complicado este manter-se no topo e popular só com base no seu regresso de reforma e com tudo o que fez em 2014.
Bryan, tal como a WWE, precisava de seguir em frente e se desprender do passado. Mudar de tom, para além de ser diferente e ter inúmeras possibilidades – afinal, Bryan é dos poucos lutadores da sua estatura que conseguiria executar este tipo de mudança sem o recurso a terceiros como guarda-costas ou típicos “músculos”, devido a todo o conhecimento que tem – parece ser exatamente o que este precisa. Imaginem Bryan a dobrar e desdobrar alguém em manobras de submissão e recusar-se a parar? Como vilão, Bryan pode mostrar um lado mais agressivo e violento que, por sua vez, lhe pode dar ainda mais credibilidade como atleta, pois terá de lutar num estilo diferente.
E isto tudo parece tão interessante e empolgante para o futuro, mas depois analiso as circunstâncias em que aconteceu e fico com dúvidas.
Sinto que aconteceu muito subitamente, sem qualquer explicação. Sinto que AJ Styles podia ter perdido o título, depois de um reinado tão longo, em melhores circunstâncias. Sinto que foi feito a despachar e, normalmente, esse nunca é um sinal de que a companhia está investida no que está a fazer e tem bons planos em mente.
Desde então surgiram rumores – verdadeiros ou não, iremos descobrir em breve – que a WWE tirou o título a AJ Styles porque não queria que ele perdesse pela segunda vez consecutiva para Brock Lesnar. Se for verdade, então é das desculpas mais esfarrapadas que alguma vez ouvi, mas faz sentido visto que estamos a falar da WWE. É exatamente o tipo de racícionio que a companhia é capaz de fazer.
Porque não há mais alternativas! Para impedir Styles de perder pela segunda vez consecutiva para Brock Lesnar, a única coisa que se pode fazer é tirar o título a Styles! Styles não podia, não sei, ganhar? Ou seria demasiado absurdo? Seria demasiado absurdo o campeão da WWE vencer o campeão Universal, numa rara ocasião, de forma a compensar por todos os anos em que é tratado abaixo de lixo?
Há tantas formas de contar uma história, há tantas formas de contar esta história, e no entanto a WWE continua a prender-se nos detalhes menos importantes. Seria mesmo impossível contar uma história envolvendo AJ Styles e Brock Lesnar, onde Styles vence, mas Lesnar não perde credibilidade? Porque não os dois terem um combate tão fantástico – o combate que todos sabemos que ambos são capazes de ter juntos – que no fim, o resultado torna-se um pouco irrelevante? Será que Lesnar não conseguiria ter uma prestação impressionante e dominante na mesma, mesmo que perdesse?
Este é o problema da WWE. Brock Lesnar já não é Brock Lesnar, é uma caricatura dele mesmo. Um cabide para o título Universal. Não interessa se ele vence ou não se as histórias continuam empatadas da mesma maneira. Se estivéssemos a lidar com uma personagem a sério, que evolve e não uma que fica estática no tempo à espera do momento perfeito que nunca vai chegar para perder o título, este tipo de histórias seria possível de contar.
Bryan não precisava de vencer o título desta maneira e podia ter uma promoção mais cuidada. Imaginem Styles a ter a prestação da sua vida contra Lesnar, com a besta no chão, finalmente a meros segundos de ter a maior vitória da sua carreira, e Daniel Bryan aparece e estraga tudo? Imaginem Styles no SmackDown, acabado de vencer Brock Lesnar, o maior feito da sua carreira, depois de ter validado o seu título, o programa que representa, quando é brutalmente atacado por Daniel Bryan, uma das figuras mais queridas da companhia? Ora aqui temos um cenário onde AJ vence e outro onde AJ perde!
As possibilidades de contar esta história sem que nenhum dos três fique a perder são infinitas, mas como de costume, a WWE seguiu o caminho mais impulsivo, mais infantil e mais prejudicial para todos os envolvidos.
Daniel Bryan como vilão é uma boa ideia. A execução a que assistimos deixa-me com medo do futuro. A WWE perde-se nos detalhes de quem vence e quem perde, mas nunca conseguiu perceber que a forma como a história é contada consegue eclipsar a importância desses detalhes. AJ Styles, Daniel Bryan e Brock Lesnar tinham o potencial de criar uma bela história e, pelo caminho, criar uns belos combates. Agora, é mais difícil de acreditar que esse potencial será realizado.
Agora resta-nos apenas esperar que Brock Lesnar traga vontade de trabalhar, porque o combate de hoje, independentemente do resultado, tem o potencial de ser o melhor do ano. E já que não podemos ter tudo – uso racional de Brock Lesnar, aproveitamento de Daniel Bryan e AJ Styles – ao menos que tenhamos isto: o combate com que todos andamos a sonhar há anos.
Obrigada a todos pela atenção e até daqui a duas semanas!
7 Comentários
Concordo plenamente com tudo aqui dito! Excelente apreciação crítica!
Excelente! Fantástico!
Estou cheio de Brock Lesnar, ou pelo menos da sua atual situação. Por que ninguém pode vence-lo? O que a WWE pretende com isso afinal? Nenhuma estrela foi criada com essa forma com que Brock Lesnar vêm sendo apresentado nesses últimos anos, incluindo o próprio Roman Reigns, que saiu muito mais descredibilizado com sua derrota na WrestleMania do que credibilizado com sua vitoria no SummerSlam!
Será que algum dia, a WWE vai permitir que algum superstar atual possa derrota-lo, de forma limpa e conclusiva? Será que após todos esses anos, uma estrela, pelo menos uma estrela, será criada com tudo isso?
bryan perde muita credibilidade com o físico…. eu não entendo como a wwe não arrumou o sheip dele ainda,até eu que sou eu tenho um shape com muito m,ais credibilidade com o dele, e eu só sou um mane que vai para academia, já ele tem acesso a todos suplementos, médicos treinadores…. é inexplicavel
Ele precisaria comer carne, o que ele não faz por decisão própria.
Discordo. Vi o Edge há anos com um físico bem mais ou menos e sempre achei crível pra mim.
O Cm Punk tinha um corpo muito pior que o dele.
Artigo excelente. É exatamente isso que penso. Muito provavelmente foi mais uma grande história desperdiçada por impulso da WWE. Que pelo menos tenham um grande combate, o que duvido também.