Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Com toda esta situação da pandemia, também o mundo do wrestling foi tremendamente afectado. Não só empresas fecharam, como muitas outras, apesar de continuarem activas, tiveram forçosamente que atravessar um hiato sem poderem fazer qualquer evento. Um desses casos foi o da NJPW. Contudo, no último mês, assistimos ao seu regresso aos shows, primeiro com o torneio da New Japan Cup, depois com eventos importantes como o Dominion e o Sengoku Lord in Nagoya. Este artigo dedicar-se-à, assim, a analisar como foi este regresso do “king of sports”, percorrendo as alterações que esta promotora nipónica teve que fazer aos seus planos e cards para os próximos tempos. Para essas alterações estão a contribuir duas situações.

Desde logo, tendo a NJPW já nos habituado a um booking a longo prazo, seria de esperar que também já tivessem coisas programadas para os meses em que tiveram de atravessar um hiato, coisas planeadas que, ou foram adiadas, ou mesma canceladas, pois muitas destas histórias necessitariam de um bom tempo para serem bookadas da melhor forma possível. Lembro que a NJPW costuma terminar as principais histórias no seu maior evento do ano, o Wrestle Kingdom, bem como tem diversos torneios ao longo do ano, o que são condicionalismos que sem aqueles três meses em que não pôde ser contada qualquer história, não permitiram, quase de certeza, executar certos planos para o imediato.

Por outro lado, e talvez a principal razão, é que esta NJPW é uma NJPW ainda a “meio-gás”. Como os voos ainda não foram regularizados, somente os lutadores que se encontram no Japão (japoneses e estrangeiros, desde que tenham residência efectiva em território nipónico) têm podido participar no shows, pelo que nomes como Jay White, Bad Luck Fale, entre outros lutadores designados “gaijins” que, não residindo em território nipónico, não puderam ainda regressar à NJPW e participar nos eventos e serem parte efetiva do booking. Penso que esta última ordem de razão é determinante para o booking a que vimos assistindo desde a New Japan Cup, pelo que podemos especular quanto ao destaque que o recém-coroado Double champion, EVIL, tem recebido desde o regresso do “king of sports”.

Brain Buster #68 - Regresso do "King of Sports"

Vejamos, nada no booking do EVIL nos últimos 6 meses a 1 ano nos fez acreditar que algo assim poderia acontecer na sua carreira de forma tão abrupta e repentina. Este lutador sempre foi bookado como o principal “sidekick” do Tetsuya Naito na facção LIJ, e nunca houve qualquer momento de tensão entre o braço-direito e o seu líder, bem como entre EVIL e o resto do grupo. Por todas estas ideias, não seria de estranhar que o seu recente booking se ficasse a dever à ausência de muitos lutadores do Bullet Club, nomeadamente KENTA e, principalmente, o líder Jay White, para quem acredito que a NJPW tivesse planos importantes e que, com toda esta situação do coronavírus tiveram de ser adiados ou alterados.

Mas também temos de ser sérios e honestos em relação ao booking da NJPW e introduzir uma ideia neste debate. Na última década, temos apenas uma mão cheia de lutadores que atingiram o topo desta empresa, isto é, o IWGP Heavyweight title, e todos chegaram lá por uma razão e com um propósito, por isso, que conhecimentos temos nós ou não do que está a ser decidido dentro da NJPW? Porque haveríamos de acreditar que tudo mudou agora com EVIL e, porque razão havemos de ficar com o pé atrás em relação à promotora que nos últimos anos nos tem dado os melhores combates da última década?

A minha ideia é que realmente os planos tiveram de ser alterados nos últimos meses por toda a situação mundial que vivemos, mas, não obstante, a NJPW nunca faz algo no seu booking (principalmente no que ao main-event diz respeito) que não tenha uma razão de ser. Por isso, não vou acreditar que desta vez será diferente, e não vou acreditar que o recente campeão será um mero campeão de transição para manter interesse no produto enquanto a NJPW não pode contar com outros nomes. Vamos dar tempo ao tempo e ver o que a NJPW tira desta situação.

Por outro lado, a NJPW foi tão afectada pelo Covid-19 relativamente ao seu roster que assistimos a algo que não esperávamos ver, algumas pelo menos não tão cedo. Olhando para o Bullet Club, a stable que outrora começou a juntar estrangeiros que não gostavam da forma como os japoneses os viam e tratavam, encontra-se reduzido aos seus membros japoneses. Quem diria, não é? Noutra situação, vimos cada vez mais interacções entre Juniores e Heavyweights, principalmente do seu campeão Hiromu Takahashi que, não só chegou longe na New Japan Cup, eliminado nomes como Tomohiro Ishii, bem como foi o primeiro candidato ao IWGP Heavyweight e Intercontinental champion EVIL, o que, não deixando de fazer o maior dos sentidos quanto à história que se está a contar no main-event, denota alguma falta de roster.

No mesmo sentido, tenho a dizer que não me admirava nada que a NJPW, gostando de ter um booking certo, seguro, sólido e consistente, fizesse uma aposta maior nos seus lutadores japoneses, exactamente pela incerteza que esta situação mundial causará. Imaginemos uma situação em que nomes como Jay White ou Tama Tonga voltam ao Japão e podem participar no booking e nos shows e, poucas semanas depois há uma nova vaga de Covid-19 e eles são obrigados a voltar aos seus respectivos países impossibilitando a NJPW de prosseguir com as suas histórias e rivalidades? A NJPW raramente altera os seus planos, pensa tudo antecipadamente e ao pormenor e tenho a certeza que, dentro de si, ninguém quer mudar isso, mesmo com todas estas adversidades.

Brain Buster #68 - Regresso do "King of Sports"

Mas voltando outra vez à situação do campeão EVIL, tenho ouvido e lido algumas críticas aos seus combates, mas antes de lá chegar, preciso de clarificar algumas premissas. Desde logo, dizer que mesmo não sendo fã do EVIL, gosto bastante dele. Na minha opinião, embora estando abaixo de lutadores que, pela sua qualidade in-ring mereciam mais esta importante, como Tomohiro Ishii (deixem-me sonhar), EVIL tem um estilo algo próprio e diferente dos restantes lutadores da NJPW. Apesar de ele também seguir a linha do Strong Style, acaba por privilegiar muito mais combates com história do início ao fim, que acabam, por essa razão, por ser mais lentos ou calmos.

É isso que tem acontecido nos seus combates recentemente, daí que sintamos a diferença dos main-events da NJPW em que temos EVIL vs. Okada ou EVIL vs. Naito para aqueles em que tínhamos Okada vs. Omega, Okada vs. Naito, etc. O que quero dizer com isto é que o seu estilo não é pior do que os restantes lutadores do roster, é sim diferente e, apesar de apreciado por um menor número de fãs, as críticas que têm sido feitas são, na minha opinião, muito injustas e acabam por retirar valor ao trabalho e esforço que este lutador põe nos seus combates, não só nos correspondentes a este forte push, bem como em toda a sua carreira na NJPW.

Outra crítica que se tem feito aos seus combates é que têm tido muitas interferências. De facto, especialmente na NJPW, essa é das últimas coisas que queremos ver, mas vejamos o histórico da NJPW quando recorre a tácticas do género. No G1 Clímax de 2018, Tama Tonga e Bad Luck Fale viram os seus combates com inúmeras interferências, causando até algo que na NJPW é raro ver, como as desqualificações, tudo com o objectivo de tornar o Bullet Club OG a stable mais detestada do roster. Então, não fará também sentido, usar tácticas destas nesta altura em que se pretende que o EVIL seja odiado o mais possível. Ele já o seria por ter traído Naito e se juntado ao Bullet Club, mas ainda mais com estas interferências, esse objectivo ainda é mais conseguido.

Isto permite criar histórias e interacções mais interessantes. Na NJPW, quando alguém usa este tipo de tácticas muitas vezes sente-se verdadeiramente o desdenho do público, bem como da própria direcção e comentadores. Na WWE, alguém usar estas manobras é “pão nosso de cada dia” e não há quaisquer consequências, ao passo que na NJPW, é algo usado mesmo em último recurso e é dos poucos momentos em que a direcção toma posição sobre as histórias, rivalidades e combates, o que traz muito maior credibilidade à situação e torna uma história que na WWE é feita todas as semanas, numa história interessante de ver o que a gerência da NJPW vai fazer.

Quanto a aspectos extra-wrestling e fora do ringue, parece-me que quase nada pode não funcionar. O aspecto do EVIL mudou e, embora não gostando muito da sua nova gear, combina com a sua nova personagem, bem como as mudanças que fez ao seu cabelo. Mas, mais importante que isso, são as mudanças na sua atitude que me têm agradado bastante. É o sorriso que EVIL tem mostrado que faz a diferença, que revela uma nova confiança e um enorme desprezo pelos seus ex-companheiros e pelo público. Conta ainda com Dick Togo como manager (ou como lhe queiram chamar), das pessoas que mais respeito no pro-wrestling, e capaz de tirar do público enormes reações para o lutador com quem trabalha. O único entrave é que ele vai ter a mesma função que o Gedo tem relativamente ao Jay White. Se a NJPW tiver ideias de usar ambas estas duplas da mesma forma, os combates, quer do EVIL, quer do Jay White, serão muito parecidos, o que não se quer que aconteça. Contudo, é uma questão que penso que ficará solucionada quando os restantes membros do Bullet Club regressarem, pois acredito que as mudanças na NJPW e no Bullet Club ainda não acabaram.

Brain Buster #68 - Regresso do "King of Sports"

Tudo me parece, assim, bem pensado e, mais do que isso, acho que todos os esforços para isto resultar estão lá. Mais uma vez, desconfiar do booking da NJPW é muito prematuro. Se pensarmos bem no que estão a criar e nas possibilidades para o futuro de determinada história ou rivalidade veremos sempre que há uma razão para aquilo acontecer, que há um “porquê”, pois as coisas não são pensadas num vácuo ou num vazio, têm sempre um pano de fundo onde todas as ideias irão coincidir e bater certo.

Mas como não só do main-event vive a NJPW, também irei tomar algumas palavras para analisar o que se anda a passar no resto do card. Irei continuar este artigo com a Openweight division. O NEVER champion, Shingo Takagi, está a ter um reinado mais estável, consistente e sólido que aquele título teve nos últimos dois anos, mas numa divisão em que raramente os Jr. Heavyweights aparecem, as últimas duas defesas do Shingo foram contra dois deles, SHO e El Desperado, o que, mais uma vez, denota falta de roster. Todavia, isto não é uma crítica, muito longe disso até. A NJPW, mesmo em situação adversa conseguiu que esta divisão se mantivesse importante e até gostava de ver mais juniores à volta deste título. Se é uma divisão em que não há limitações de peso, este título tem todas as condições para ser a ponte entre a divisão dos Heavyweights e dos Juniores, que nos permitirá ver combates que raramente veríamos se ele não existisse. Já expressei aqui no Brain Buster o gosto por este título e para que seja mais credibilizado do que o que é, e acho que com este reinado do Shingo Takagi, a NJPW vai num bom caminho.

Já quanto aos títulos de Trios estão numa situação curiosa. Os campeões eram EVIL, Shingo Takagi e BUSHI. Como EVIL saiu dos LIJ não sei em que posição ficam estes títulos, se vamos ter combate para determinar novos campeões, ou se eles vão mesmo ser retirados do activo. Sinceramente, a NJPW nunca lhes deu qualquer importância e, ao contrário da DDT ou da Dragon Gate, nunca ninguém sentiu vontade de os vencer. Penso que a própria NJPW tem noção disso e que não os sabe bookar, acredito até que nem se importem com isso. Por esta razão, e pela falta de roster que há neste momento, a minha opção, se fizesse parte da NJPW, era mesmo reformar estes títulos.

Como o IWGP United States Champion, Jon Moxley, se encontra nos EUA, este título não tem aparecido nos shows e também não sei que opção a NJPW tomará aqui. Sim, poderia esperar até que os voos estejam regularizados para poder contar com Jon Moxley, mas a meu ver, antes mesmo disso, boa opção seria que o Jon Moxley defendesse o seu título nos EUA em alguma promotora. Contudo, as relações entre a AEW e a NJPW ainda não se encontraram e as empresas que continuam activas nos EUA não são aquelas em que a AEW iria deixar o Moxley fazer aparições. É outra situação para acompanhar atentamente nos próximos tempos.

Já relativamente à divisão de singles dos Jr. Heavyweights, agora que o Hiromu se afastará do main-event, deverá defender o seu título contra Taiji Ishimori depois do que se passou no passado sábado. O combate entre os dois na final do BOSJ de 2018 foi algo incrível e tenho grande expectativa para o novo match que ambos terão muito proximamente. Mas, mais do que isto, queria deixar a ideia de que já não há dúvidas que Hiromu será bookado daqui em diante como a grande cara da divisão, sucedendo, desta forma, a KUSHIDA e a Will Ospreay, que assumiram essa posição nos últimos anos.

Brain Buster #68 - Regresso do "King of Sports"

Com isto, resta-nos as divisões de equipas. Se a divisão de tag team dos Juniores ainda não entrou em acção desde a pandemia, a divisão de tag team dos Heavyweights teve uma das rivalidades mais interessantes do último mês da NJPW. Efectivamente, as interacções entre os Golden Ace (Kota Ibushi e Hiroshi Tanahashi) e os novos campeões (Zack Sabre Jr. e no Taichi) foram excelentes. Não só foi uma verdadeira rivalidade entre faces vs. heels, como o seu combate no Dominion foi, na minha opinião, o melhor do evento. É este nível de interesse que esta divisão sempre deveria ter, o que, infelizmente, não é de todo verdadeiro.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

8 Comentários

  1. Sandrojr4 anos

    Ótimo artigo, a njpw está voltando muito bem depois dessa pandemia

  2. Leleco4 anos

    Bom artigo, o maior problema de muita gente é não ter paciência para esperar o resultado, como foi dito o Booking da NJPW é de longo prazo, por isso tem que esperar alguns meses para avaliar o resultado.

  3. RAFAEL4 anos

    Obrigado pelo texto. Concordo com tudo o que foi dito e me senti representado quanto ao “deixe-me sonhar” no que se refere ao Ishii com IWGP Heavy Champ. Rsrs

  4. Ótimo artigo. Só acho ruim as divisões de Tag e Junior ser um várzea