A tua evolução não pára. Sentes-te cada vez mais confortável no ringue, as manobras já não apresentam ameaça para ti e os aquecimentos são agora muito mais suportáveis. Começas a perguntar-te quando é que terás o teu primeiro combate, seja ele num treino ou num evento ao vivo. Afinal de contas, é para isso que estamos todos nisto, certo?

De facto estar num ringue é algo mágico e com o primeiro combate vem sempre uma panóplia de emoções. Neste artigo espero esclarecer questões e, como sempre, dar alguns conselhos!

Um combate…. mas num treino ou num espectáculo?

Pessoalmente, não vejo grande diferença entre um combate num treino à porta fechada e um combate num espectáculo, pelo que tudo o que vou referir se pode aplicar a qualquer um dos contextos. Alguns dos melhores combates que tive na vida foram à porta fechada, porque sempre quis dar o litro nesse momento e nunca achei que fosse necessária uma distinção- aliás, para ser sincero sempre me irritou ver alunos a “abrandar” por não estarem pessoas nas bancadas.

É frequente ouvir coisas como “não apliquei mais força no murro”, “não fiz aquele mergulho” ou “não apliquei aquele suplex” por “estarmos apenas numa situação de aula”. Esse raciocínio sempre fez pouco sentido para mim: se uma das palavras-chave do Wrestling é a segurança, então deves praticá-la em todos os momentos. Os teus movimentos não devem ser mais agressivos só por estarem pessoas a ver pois deves procurar ser seguro e realista em qualquer situação. Para além disso, se não dás o litro nem testas tudo o que tens a testar em combates de treino, porque é que tudo haverá de miraculosamente resultar com 200 pessoas a ver? Nunca obtive uma boa resposta a esta questão, mas ainda assim vejo muita gente que relaxa, sorri e diz “lá no ringue logo se vê” (antes de voltar para o balneário agarrado ao braço ou à perna porque correu mal).

Por esses motivos, nos meus combates de treino sempre fiz a rotina habitual- fosse a Diving Headbutt, a Powerbomb, o Brainbuster os chops ou o Superplex. Não acredito no “calor do momento” no que toca ao Wrestling, portanto nunca foi minha política deixar algo entregue ao acaso. Tudo o que alguma vez fiz ao vivo teve treino prévio… e frequente repetição. Afinal de contas, se existe algo assim tão arriscado que queiramos experimentar, então que aconteça à porta fechada e não num espectáculo com pessoas a ver e jornalistas a marcar presença.

Convém não esquecer que estamos apenas a um simples acidente do Wrestling em Portugal ficar com má fama- basta o português errado testemunhar o acidente e divulgá-lo (a imprensa fará o resto).

Basicamente, esta lei costuma funcionar bem: se não estás disposto a experimentar algo num treino, então faz um favor a ti mesmo e ao teu adversário e não o experimentes “ao vivo”.

A tua estreia não vai ser o Wrestlemania

Sejamos realistas: a tua estreia no ringue muito provavelmente não será igual à do Big Show/The Giant no Halloween Havoc 1995. O que te vão pedir, seja num combate de treino ou num espectáculo, será um combate de 5 a 10 minutos em que mostres ao balneário, à equipa criativa, ao público (se existir) e a ti próprio que estás à altura de receber mais pedidos do género.

Como causar boa impressão? Fácil:

Regra #1: Não inventes

À semelhança do que foi referido logo ao início, o melhor é sempre jogar pelo seguro. Nos primeiros tempos, em princípio, serás pareado com alguém que conheces bem ou que tem muito mais experiência do que tu- só tens de ir no lugar do passageiro, olhar pela janela e apreciar a viagem. Esta não é a altura para sacares “coelhos da cartola” e fazeres manobras que nunca experimentaste, nem fugir ao que previamente ficou combinado com o teu colega.

O primeiro combate é suposto ser algo simples, portanto não compliques. Claro que é esperado que estejas nervoso, claro que toda a gente sabe que és capaz de mais e que queres impressionar mas, por agora, limita-te a fazer o que te é pedido do início ao fim.

Bammer: “O Primeiro Combate”

Na universidade, os meus professores de Marketing já o diziam…

Regra #2: Não compliques

Muitos de nós esperámos muito tempo por este dia- com essa espera, foram frequentes os sonhos e fantasias sobre como seria o primeiro combate. Como ias ganhar, o que ias fazer, quem ias ser. Isso nem sempre vai corresponder à realidade, mas se pensares bem, não faz mal- é o primeiro de centenas ou milhares de combates, pelo que terás tempo para criar esse combate perfeito que tens na tua cabeça depois de teres todo o treino e experiência para tal. Não procures alcançar o nirvana de imediato- se pensares bem, já viste que piada teria se fizesses o combate perfeito logo na primeira tentativa?

Regra #3: Preocupa-te em terminá-lo

O primeiro combate é um conjunto de emoções e de nervos, em que muitos procuram que tudo corra sem falhas. Ao primeiro imprevisto, muitos querem desistir e tentar de novo. No Wrestling, como todos sabemos, só existe um take para fazer um bom combate, pelo que vais ter de fazer o melhor possível com aquela oportunidade- portanto, se falhaste um murro, se o dropkick não foi alto o suficiente ou esqueceste-te do que vinha a seguir, não faz mal, a vida continua (se calhar até ninguém reparou).

Faz um esforço e segue o plano estipulado até ao fim e descansa que o próximo correrá melhor. É muito importante gerir as expectativas em todos os momentos, como mencionei no meu primeiro artigo.

Regra #4: Não desanimes

Quando voltares ao balneário, é possível que nem tudo tenha corrido como esperavas. Se calhar o público não reagiu daquela maneira que desejavas, se calhar o teu colega ficou desiludido com a tua prestação ou se calhar acabaste de te ver no vídeo e nem acreditas que aquele és tu. Tudo isto faz parte do processo e já sabes que é aqui que não podes desistir porque este é um momento fulcral onde tens de te manter focado no teu objectivo e não andar para trás.

Regra #5: Joga para a equipa

Na interminável busca pelo teu lugar no Wrestling é importante que entendas que a tua estreia dificlmente será o acontecimento mais importante daquele evento. Por esse motivo, deves ajustar a tua prestação ao que é esperado de ti naquele espectáculo e entregar o melhor segmento possível tendo isso em conta.

Regra #6: Festeja esta tua conquista

Seja para 3 colegas teus sentados nos bancos ou para 100 pessoas num pavilhão, celebra esta pequena vitória. Tiveste finalmente a oportunidade de pôr à prova tudo o que aprendeste e realizar algo que, estou certo, sempre desejaste que acontecesse. Certamente não foi tudo aquilo que esperavas mas tens de estar orgulhoso de ti- se já tiveste o teu primeiro combate numa boa academia de Wrestling ou num evento ao vivo, algo estarás a fazer bem para merecer a confiança de quem te colocou nessa posição. Portanto, continua o bom trabalho!

Um bom exemplo

Para fechar, hoje tenho algo diferente para vocês. Primeiro, um pouco de contexto: num espectáculo do WP foi introduzida uma personagem nova, a personagem de Rúben Branco. O Rúben era há já bastante tempo um aluno promissor, que tinha desempenhado outros papéis em espectáculos anteriores, mas neste teve (finalmente) a oportunidade de brilhar.

O Rúben estava muito bem entregue – o seu colega de serviço seria Hugo Santos, um dos mais talentosos wrestlers nacionais e também ele professor da academia do WP. O Rúben sempre se sentiu confortável em cortar promos (ao ponto de ser hoje, aos meus olhos, o melhor Wrestler português nesse departamento) portanto para além de ter direito ao seu combate, teria uma promo a acompanhar.

O resultado podem ver aqui, por volta do minuto 15 e foi, para mim, o melhor combate possível para introduzir uma nova personagem e é algo que utilizo como “um bom exemplo” do que se pode fazer na estreia. O Rúben continuou (e continua) a progredir e é actualmente um professor na academia.

Sobre este dia, pedi comentários a ambos os intervenientes e eis o que disseram:

Rúben Branco

O dia da minha estreia é sem dúvida um dos dias mais importantes de todo o meu caminho dentro do Wrestling. Não só tinha o peso de aparecer em frente ao público que me reconhecia como árbitro ou como cara frequente nos combates de alunos (desta vez com fato e gravata, que não é o mais confortável para um combate), mas ainda tinha de cortar uma promo e ter um combate com o Hugo Santos, um lutador já bastante reconhecido pelo público e meu amigo pessoal.

Lembro-me que passei muito tempo a escrever a minha promo e apagá-la, voltar a escrever e voltar a apagar (acabando por não usar nada da mesma). Quando finalmente chegou o dia do combate, passei cerca de uma hora a pensar em pequenos pormenores, como o local onde estaria em determinada parte da música (ver por exemplo o final da entrada meio apressada).

Quando finalmente foi altura de ir para o combate senti um misto de emoções… se por um lado estava feliz e satisfeito por finalmente conseguir um lugar no WP, por outro estava com medo de falhar e de decepcionar tanto o Santos, como todos os outros que acreditavam em mim.

Promo feita, público reage bem às indicações que fui dando, entra o Santos e aí sim, senti-me um pouco mais ‘acompanhado’ dentro do ringue. Todo o combate corre bem, sem falhas. Público satisfeito… mas eu fiquei com a sensação que podia ter feito mais, podia ter feito melhor.

Embora o próprio Bammer diga que é um combate que serve de óptimo exemplo para uma estreia, penso que poderia ter sido melhor, por muitos factores. Mas penso que isso é um factor chave- nunca ficarmos 100% satisfeitos com o que fazemos, pois só assim poderemos continuar a melhorar. Falo por mim, pois foi isso que fez com que passasse de alguém que era apenas um aluno que fazia de árbitro, para um treinador com lugar fixo no roster do Wrestling Portugal.

Bammer: “O Primeiro Combate”

Hugo Santos

Lembro-me bastante bem desse combate… e por vários motivos!

Desde o início que vi o Branco treinar e crescer na academia do WP e sabia que a estreia ia ser um momento bastante importante para ele… não só demorou bastante para ter esta oportunidade como também o via trabalhar na sua personagem a toda a hora!

Para começar, na promo o Branco entrou a matar e causou reacção imediata no público… e eu tive de a seguir, o que não foi fácil mas acabou por puxar ainda mais por mim.

O interessante é que foi dos pouquíssimos combates em que pouco ou nada “falámos” acerca do que se ia passar… no dia anterior falei-lhe acerca da personagem dele, o que achava que ele devia transmitir “neste e naquele momento” do combate e o Rúben preencheu os vazios. Costumo dizer (ou concordar com alguém que disse) que quando ouves alguém falar no ringue mas não vês a boca mexer, é porque estão a fazer um bom trabalho… and he did!

Ao atravessar a cortina no final, senti-me bem por ter conseguido tornar o Branco relevante com apenas um momento… mas mérito também para ele, que soube tornar melhor tudo o que fiz naquele ringue!

Genuinamente, foi dos combates que mais satisfação me deu dentro do WP porque teve todos os pequenos detalhes de um combate que conta uma boa história… e isso é uma arte em si. É favor ver ambas a execução e a venda do Roaring Elbow… e a cara do David Francisco na crowd, como bónus!


Como se pode ler nos testemunhos acima, o primeiro combate é uma experiência marcante, que garantidamente te lembrarás durante muitos e bons anos. Por esse motivo, aproveita essa experiência ao máximo e depois, já sabes: festeja-a!

Bammer: “O Primeiro Combate”

Mesmo que percas o primeiro combate, festeja esta grande vitória!

Até para a semana pessoal. Como sempre, fico à espera dos vossos comentários, tweets e mensagens. Gostariam de ter mais testemunhos em futuros artigos? Se sim, não se esqueçam de referir isso mesmo também!

25 Comentários

  1. Coisa11 anos

    Adorei esta edição!!!

    Sempre quis saber como é um primeiro combate…

    Os teus artigos deixam-me a pensar, vários são os wrestlers que andam por aí, enquanto que nós miudos imaginamos logo ter grandes combates na wwe, estes teus artigos despertam grandes realidades!

    perguntas:

    1- Quanto dinheiro normalmente um wrestler profissional em Portugal recebe?

    2- Onde posso ver o Wrestling Portugal? (na internet, é claro)

    3- O que achas do Tarzan Taborda?

    4- Algum wrestler portugues esteve perto de assinar com uma boa empresa?

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Obrigado por leres e ainda bem que gostaste 🙂

      Relativamente às tuas questões:
      1- Vai depender do evento, mais do que da qualidade do wrestler. Geralmente as despesas (alojamento, comida, deslocação) estão pagas e o resto dependerá da bilheteira e dos custos para que o show aconteça… mas dificilmente chega a 3 dígitos por combate se não for um grande evento.

      2- Tens os vídeos aqui http://wrestlingportugal.com/shows/ ou no canal do Youtube http://www.youtube.com/user/WrestlingPortugal

      3- Não vivi essa era. Tive a oportunidade de treinar no seu quintal (foi assim que tudo começou para mim) pelo que estou grato por isso e mesmo com a idade que tinha, a força dele era incrível. É tudo o que posso dizer.

      4- Que eu saiba não, mas neste momento não há muitas “boas empresas” em actividade, pelo que é mais difícil…

  2. Andre_ZiggyNation11 anos

    Mais um grande artigo..consegue prender da primeira à última palavra. Os testemunhos do Hugo e do Rúben só o enriqueceram mais ainda.

    Já agora, vais escrever alguma coisa sobre promos por aqui?É um assunto que gostava muito.

    Bom trabalho mais uma vez.

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Thanks, fico contente! 🙂

      Promos está no horizonte, sem dúvida. Essa será outra situação que contará com a participação de alguns dos meus amigos, para um artigo mais rico!

  3. Roberto Barros11 anos

    Belo artigo Bruno, esse espaço só enriquece o site, mostrando um pouco da realidade, se fosse de Portugal com certeza praticaria, não com a intenção de me profissionalizar, no sentido de fazer disso minha vida, mas com certeza gostaria de praticar.

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Se tiveres oportunidade, força nisso! É gratificante, mesmo.

  4. franciscoxb11 anos

    Bruno
    Eu gostaria de daki uns anos quando acabar os estudos ir seguir carreira como wrestler,só que há um problema eu uso óculos e tenho miopia e estigmatismo cerca de 3 e pouco de miupia e 3 e pouco de estigmatismo,será que seria possível seguir carreira ou o meu sonho de infância estaria terminado?

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Boa questão, há alguns artigos atrás perguntaram-me algo semelhante e o conselho que dei foi mesmo perguntar a um oftalmologista. Acredito que com o progresso na ciência isso seja cada vez mais possível de resolver (especialmente com as operações a laser a ficarem mais baratas) mas não sou mesmo a pessoa indicada para responder!

  5. SavagePunk11 anos

    Se eu quisesse começar uma carreira no wrestling em portugal, existe algum sitio nao muito caro para treinar?

    Muito bom artigo !

  6. Anónimo11 anos

    Oi. Bom trabalho 🙂
    Tinha algumas perguntas para fazer se não for incomodo:
    1- Com que idade se deve começar a treinar Wrestling?

    2- Custa muito entrar na WPT? (Não estou a falar de dinheiro, mas de esforço mesmo)

    3- Quais são os exercícios que se fazem durante um treino?

    4- Só há shows da WPT em Lisboa?

    Obrigado e mais uma vez, bom trabalho 😀

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Obrigado pelas palavras, vamos às questões:
      1- Não acredito em idades mínimas (tem a ver com a maturidade de cada um) mas diria que 14/15 anos é uma boa idade para se começar.
      2- Não sei se por WPT te referes ao WP. Se sim, custa porque os padrões de exigência são elevados e o plantel que participa em shows tem muita qualidade. Por outro lado, por terem essa qualidade consegues mais rapidamente evoluir e chegar a um bom nível.
      3- Todo o tipo de exercícios, desde manobras, preparação física, adaptação ao ringue, promos, situações de combate ou mesmo de espectáculo…
      4- Se por WPT te referes ao WP, sim historicamente sempre aconteceram em Lisboa e arredores.

  7. Talles11 anos

    Muito bom artigo,meu sonho é ser um Wrestling,mas n sei camo canseguirei n conheço muitas academias no Brasil

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Tenho conhecimento de algumas, mas não sei detalhes. Talvez possas fazer essa questão aos nossos amigos do Portal da Luta Livre.

  8. Conspo11 anos

    Bom artigo como sempre Bammer.Gostei disso das “testemunhas”.
    Mais uma pergunta para ti: Até que ponto os combates são planeados? Apenas o final ou os moves a usar etc?

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Obrigado por leres 🙂
      Já respondi a essa questão num artigo anterior, mas sucintamente: a preparação prévia é muito variável (um combate de TV de 3 minutos pode ter mais momentos planeados do que um combate num house show que dure 20). Já tive combates em que não sabia absolutamente nada do princípio ao fim (e decidiu-se a meio o que ia acontecer) e já tive combates de 20 minutos em que uma boa parte já tinha sido preparada ou discutida (uns 30%). Depende mesmo do que se quer realizar e da história a contar.
      Na WWE há maior preparação porque têm tempos rígidos para cumprir, intervalos, ângulos de câmera etc.

  9. Dan11 anos

    Olá, ÓTIMO post, como sempre. Bammer, gostaria de saber a sua opinião sobre as federações de wrestling de “Extreme Hardcore” e também o que achas de “Backyard Wrestling”. Obrigado desde ja!

    • Bruno "Bammer" Brito11 anos

      Obrigado por leres 🙂
      Bom, aquele tipo de Backyard Wrestling que basicamente consiste em 2 pessoas com cabeça a tentar emular aquilo que vê na televisão, com atenção à segurança e a tentarem ser no fundo “auto-didactas” não tenho nada contra. Já aquelas coisas típicas do YouTube em que se atiram de telhados para cima de mesas ou lutam em trampolins etc não considero Wrestling, são apenas pessoas a “brincar ao Jackass”. Tenho o mesmo desprezo relativamente ao hardcore do género da CZW, visto que não seguem um dos princípios máximos do Wrestling, que é a segurança.

  10. excelente artigo,como sempre!

  11. fabio junior10 anos

    ha escolas de wrestling em portugal isso ja percebi mas é so em lisboa?