Colapsos. O momento em que uma pessoa atinge o seu limite. A história do Wrestling está repleto de momentos destes, foi estes são frequentemente usados para desenvolver uma história ou a personagem de alguém em particular.

Na passada Raw, no que se acredita ter sido uma acção para promover a WWE Network e encorajar subscrições, Alicia Fox e Damien Sandow atingiram os seus respectivos limites.

Alicia Fox perdeu as estribeiras depois de um combate, chegando a despedir-se na WWE App, enquanto Damien Sandow fez uma promo no pré-show da Raw.

Em teoria, estes colapsos parecem ser uma excelente ideia. Dois talentos raramente usados passam a ter novo propósito, enquanto as outras plataformas da WWE são destacadas.

Se é algo que a WWE precisa desesperadamente é de revigorar o seu midcard e usá-lo de forma a suportar os problemas do resto do card. Aliás, tal como frequentemente tem sido discutido neste espaço, este é um problema unicamente gerado pela WWE e pela sua quantidade absurda de programação.

A necessidade de estar constantemente a gravar combates para gastar tempo em todos os programas que transmitem ao longo do ano torna bastante mais complicado manter e desenvolver um conjunto de histórias. Pela forma como são gerados, estes programas acabaram por parecer ser todos iguais, com combates repetidos e, muitas das vezes, sem qualquer impacto.

Lutadores trocam vitórias e derrotas, sem qualquer investimento ou razão aparente, isolando cada vez mais as poucas estrelas de main-event que existem e tornando os fãs indiferentes ao que acontece fora do próprio main-event.

No midcard, não há nada que não tenha sido visto mais do que uma vez e, muitas das vezes, mais do que uma vez nessa própria semana. A forma de pensar da WWE é a mesma, de caso para caso, portanto a reciclagem de ideias e conclusões para combates é a mesma.

Tudo isto resulta. A WWE consegue encher tempo suficiente para cumprir com a sua imensa programação. No entanto, sacrifica a credibilidade dos talentos para o conseguir. Todos os talentos, à excepção de main-eventers, ficam assim colocados numa posição ingrata, de onde raramente saem sem a vontade da WWE para que tal aconteça.

Isto impede que o produto da WWE possa ser apreciado em pleno, mesmo quando o main-event vive os seus melhores dias. Impede a WWE de consistentemente produzir eventos especiais interessantes e qualidade satisfatória. O main-event não consegue disfarçar, com tanta frequência, os problemas do resto do card.

Opinião Feminina #182 – The Misuse of Reality

Uma das vítimas de toda esta situação é Damien Sandow. Embora já tenha estado na WWE antigamente, foi a personagem de “The Intellectual Savior of the (Unwashed) Masses” que tornou Damien Sandow mais conhecido. E a personagem resultava na perfeição. Este tinha os maneirismos bem estudados e conseguia ser convincente. Damien Sandow tinha, ao contrário de muitos, uma personagem divertida e interessante de ver interagir com outros lutadores.

E tal parecia destinado a correr bem, até vencer a Mala de Money in the Bank que, no caso de Sandow, Bryan e Dolph Ziggler, foi mais um motivo de sofrimento dos fãs, do que razão para terem esperança.

Infelizmente, tornou-se um hábito dos fãs ver os vencedores da Mala de Money in the Bank a serem tratados como incapazes de vencer os Tìtulos, ao invés de potenciais campeões. Desta forma, quando finalmente o vencem, são vistos como sortudos que conseguiram atingir o impossível, ao invés de pessoas que ultrapassaram vários obstáculos para conseguir chegar onde chegaram.

Damien Sandow, ao contrário dos que referi, não se tornou campeão através da Mala de Money in the Bank, mas tal como nesses dois casos, muitos rumores corriam sobre a sua possível derrota no combate.

E que belo combate que Damien Sandow teve com John Cena. Era extremamente complicado envolver os fãs num combate entre John Cena e alguém sem qualquer credibilidade do midcard, mas ambos foram bem sucedidos nessa tarefa.

Nessa noite, Damien Sandow não perdeu absolutamente nada, pois tinha provado a todos do que era capaz. O problema foi depois. A qualidade do seu combate com John Cena tinha capacidade para o lançar, mesmo sem a Mala, mas nunca foi essa a intenção da WWE.

O objectivo nunca esteve relacionado com Sandow, mas sim com a necessidade de tornar John Cena campeão. Portanto, embora o combate tenha sido um destaque de qualidade na carreira de Sandow, este marcou também o momento em que a sua carreira começou a ficar em cada vez pior situação.

Desde então, Sandow tem andado envolvido em segmentos extremamente frustrantes de assistir com Big Show, Dolph Ziggler e Hugh Jackman. Quando o que a WWE consegue fazer para promover a aparição de uma estrela de grande relevo na Raw, é usar dois dos seus melhores talentos daquela forma, então a frustração dos talentos não é só compreensível, como também partilhada pelos fãs.

É por isso que a promo que Damien Sandow fez recentemente impressionou alguns fãs. Porque é algo que todos os fãs têm testemunhado. Damien Sandow, com autorização da WWE, usou uma boa dose de realidade para chocar os fãs e, no melhor caso, gerar alguma controvérsia.

Agora colocam-se as questões: terá resultado? Terá valido a pena? Irá resultar em algo de maior destaque?

Não querendo ser demasiado pessimista, mas não teria grandes esperanças que esta promo resultasse em algo positivo para Sandow.

A realidade é uma ferramenta bastante perigosa e a WWE deveria ter mais cuidado em usá-la. Se existe algo que a Attitude Era ensinou à WWE, é que não deve tornar os fãs indiferentes a certos aspectos da indústria.

Opinião Feminina #182 – The Misuse of Reality

Depois de tantos anos a ver pessoas a levarem com cadeiras pela cabeça, ou a sangrarem abundantemente durante os combates, demorou imenso tempo – e bastantes críticas – até que a WWE conseguisse reverter o processo e habituar os fãs a voltarem a apreciar estas manobras perigosas.

Usar a realidade com frequência, embora não seja tão perigoso para a saúde dos fãs, requer exactamente o mesmo cuidado.

A última vez que os fãs viram alguém a falar das suas frustrações em televisão, apenas para depois ver o seu microfone criado, foi com CM Punk, numa das melhores histórias que a WWE produziu na Era moderna.

Tal, não só é algo bastante complicado de ultrapassar, como ainda está bastante presente na memória dos fãs.

Desde então, tanto Dolph Ziggler, como agora Damien Sandow, fizeram promos de grande qualidade, e com belas doses de realidade, mas na WWE App e em pré-shows. Isto gera uma desvalorização desta ferramenta.

A realidade não pode ser usada com tanta leviandade, porque depois voltar a reverter o processo, tal como se viu noutros casos, será bastante complicado.

A WWE apresenta um produto que sobrevive à base de histórias e rivalidades planeadas entre várias personagens. Quanto melhor forem essas histórias e essas personagens, mais fácil será para os fãs esquecer que o que estão a ver é, na realidade, planeado.

Usar noções que os fãs conhecem como realidade pode ser considerado batota, porque a WWE não está a usar as excelentes capacidades para vender uma história, está sim a partir do pressuposto que os fãs sabem que o produto que apresentam é engendrado.

Quando é bem feito, com algumas referências inteligentes envolvidas, os resultados podem ser tremendos. Quando é feito apenas porque sim, num programa que quase ninguém vê, e sem quaisquer resultados notórios (como investimento na personagem ou estabelecimento da direcção clara da história), a WWE apenas consegue criar um novo problema para si mesma.

O objectivo da indústria é contar a história que os fãs irão pagar mais para ver desenvolver e terminar. Não interessa se tem um fundo real, apenas interessa que os fãs acreditem e se invistam no que lhes é apresentado. Condicionar os fãs a desprezar e esperar maus resultados quando uma manobra tão desesperada como a realidade é usada apenas tem consequências negativas.

No caso de CM Punk em 2011, o uso da realidade funcionou porque não foi uma manobra desesperada de tentar chamar a atenção dos fãs, que na semana seguinte já não significava nada. Muito pelo contrário. Foi uma história de grande dimensão que chegou a ter destaque por parte da imprensa pela forma como tinha chocado os fãs.

Naquela noite, em Junho de 2011, a WWE conseguiu colocar todos os seus fãs a questionar se o que tinha sido apresentado era real ou não e até que ponto é que a WWE tinha tido controlo da situação. A WWE criou dúvidas na cabeça dos fãs, quando tinha passado os últimos anos a habituá-los a uma versão mais segura e entediante do produto.

Foi um momento único que continua presente na memória dos fãs, tornando desnecessária qualquer tentativa do replicar, especialmente se for numa situação de pouco destaque. Porque agora, todos estão à espera que aconteça e, quando acontecer, a primeira coisa que todos vão pensar é que foi engendrado pela WWE, tal como tinha sido no caso de CM Punk.

Ou seja, a WWE acaba por não convencer um número significativo de pessoas que compense a saturação desta manobra de promoção.

Opinião Feminina #182 – The Misuse of Reality

No caso de Alicia Fox, a mentalidade é a mesma, apenas com consequências menos negativas. Tal como discuti na semana passada, a Divisão de Divas não possui atenção ou investimento suficiente dos fãs que leve a WWE a ter de ponderar com mais cuidado as consequências negativas das suas decisões.

Ou seja, a Divisão feminina não tem nada a perder. Já há muitos anos que se encontra na pior situação possível e a situação apenas irá melhorar quando um número suficiente de Divas trabalhar nesse sentido.

Não é a primeira vez que uma Diva tem um colapso, deste género, e da última vez que me lembro de tal acontecer, resultou em Beth Phoenix e Natalya a valorizarem Kelly Kelly como campeã em 2011. Ao contrário do caso anterior, não acho que tal esteja presente na memória dos fãs o suficiente para os desanimar em relação às recentes acções de Alicia Fox.

Fox era das Divas mais esquecidas e ignoradas da Divisão, portanto esta surpresa não pode ser vista como um ponto negativo. É um facto que esta precisa de muito mais que isto para chamar a atenção dos fãs, mas tal é uma batalha diária que todas as Divas têm e irá depender única e exclusivamente dos desenvolvimentos das próximas semanas. Não ajuda Fox que as suas constantes mudanças de personagem se tenham tornado uma piada entre os fãs.

No pior cenário possível, Alicia Fox volta a ser irrelevante, como era antigamente, e Paige continua a vencer Divas menos importantes da Divisão até AJ Lee regressar ou a WWE decidir avançar com uma rivalidade das Total Divas contra Paige.

Ou seja, reverte-se à situação original. Tal como já disse, a Divisão feminina não tem nada a perder, ao contrário dos midcarders que perdem um pouco mais de credibilidade todas as semanas. Infelizmente, a grande maioria deles não foram escolhidos a dedo e protegidos desde o início. Numa manobra bastante típica da WWE, são lançados à sua sorte e usados apenas para queimar tempo até ao main-event. É uma posição ingrata. Desejo uma excelente semana a todos e até à próxima edição!

Opinião Feminina #182 – The Misuse of Reality

26 Comentários

  1. JoãoRkNO ®11 anos

    Excelente trabalho Salgado . Digo-te muito sinceramente , o Sandow é daqueles que mais me custa a ver fazer as figuras tristes que a WWE nos tem brindado . A Alicia está no mesmo problema que todas as outras Divas , e aquela atitude pode significar um ponto de mudança . Sempre gostei das qualidades in-ring dela , como heel se for bem trabalhada também se porta bem , vejamos o pós Fatal Four Way PPV quando ela se tornou Divas Champ . Enfim , aos poucos vou achando que a WWE está a atravessar um período de excedentes , isto é , tem lutadores a mais e investimento a menos .

  2. MicaelDuarte11 anos

    Bom artigo, Salgado.

    Não tenho quaisquer dúvidas que isto vai acabar por dar em nada, embora gostasse muito de ver uma nova aposta no Sandow e na Fox, principalmente no Mr. Sandow.

  3. John_3:1611 anos

    Gostei bastante do que li Salgado, de facto o sandow tem potencial para chegar mais alto, e sim desde que perdeu a mala o ano passado no combate contra o cena que a coisa piorou pras suas bandas, so não entendo é porquê que a mala teve de ser cobrada logo ali, pois é a unificação dos titulos estragou mesmo tudo, se essa união não tivesse acontecido o sandow podia ter guardado o contrato por mais tempo e não do cobrar a pressa, sim porque foi tudo a pressa, acho que o sandow tem qualidade pra estar a lutar por um WHC assim como muitos outros lutadores a quem esse titulo faria tanta falta agora, quanto a fox também é um caso que a wwe tem de analisar pois vale a pena.

    • Obrigado 🙂

      Infelizmente, Sandow não passou de um peão insignificante nos planos que a WWE tinha para a unificação dos Títulos.

  4. Excelente. Também acho que esta promo

    • Sandow For Champion11 anos

      Concordo com o que dizes em ralaçao a Alicia.
      Quanto ao Sandow nao consigo opinar,pois tanto pd ser o inicio de uma nova fase assim como pouco desconfiavamos em relaçao ao Barret(msm tendo sido este ultimo mais protegido) ou apenas uma manipulaçao aos fas qd td nao passa de uma tentativa de tornar um jobber ligeiramente mais credivel(como a inclusao do hornswoggle aos 3MB)

    • Obrigado 🙂

      Sinceramente, não foi essa a ideia com que fiquei. Acontece com o roster inteiro, à excepção de dois ou três.

  5. filipe11 anos

    o problema maior disto tudo é nao haver planteis separados entre raw/smackdown… ou seja é complicado como esta criar feuds qdo todos ja lutaram com quase todos do plantel… por exemplo contra quem Sandow poderia feudar neste momento que nao tenha lutado ja? mesma coisa com daniel bryan? como campeao com quem iria feudar no main event que nao tenha lutado ja?

  6. Artigo excelente Sagado. Não sou muito fã do sandow, muito sinceramente, mas gosto da sua personagem. Não aprecio a sua “performance in ring”. Quanto à Alicia Fox, sempre a achei muito interessante e boa wrestler, agora com este estilo de luta mais agressivo torna-a mais imprevisível e adoro isso. Espero que este “push” da sua personagem seja benéfico para nós espectadores. No geral artigo muito bom, detalhes muito inteligentes e interessantes. Parabéns!

  7. Bom Trabalho, Salgado. Eu sinceramente tenho muita pena do que estão fazendo com o Sandow, como você disse, no caso da Alicia Fox, ela não tem nada a perder pelos motivos que você mesmo referiu. A WWE tem um Roster com tanto talento basta ver no Royal Rumble, qualquer um que fosse eliminado você ficava sentido, pois tinha grande talento, pena que não quer saber.

    • Obrigado 🙂

      Exacto, há muito tempo que a WWE não tinha um roster tão talentoso e isto inclui também o território de desenvolvimento.

  8. Alexandre Romano11 anos

    Excelente artigo Salgado. Concordo contigo em relação ao Sandow ele é um as do micro e um excelente lutador e a WWE desaproveita-o assim em relação a Alicia ela é uma Diva e também é mal aproveitada.

  9. Zé Tomé Dias11 anos

    Bom artigo.

    O Sandow e a Alicia são lutadores que tiveram uns tempos de glória, mas que estão em baixo. Ainda me custa ver o Sandow em baixo. Veremos se isto é um ponto de mudança

  10. Isto do Sandow nao vai dar em rigorosamente nada. O The Miz tambem vinha todos os shows fazer uns comentarios junto às mesas e do nada a wwe simplesmente ignorou isso. Com o Sandow será certamente a mesma coisa. A wwe nem se dá ao trabalho de culminar estas historias fingindo simplesmente que estas nunca aconteceram e nao sei o que é pior pois ainda torna os superstars mais insignificantes do que aquilo que já se esforço por nos transmitir.

    Eu consigo compreender esta atitude na medida em que a wwe teme que ao dar boas rivalidades e historias ao midcard estas possam ultrapassar ou obter maior reacçao do publico que as do proprio main-event e por este mesmo motivo esforça-se por nos transmitir de forma contundente a diferença de qualidade e de protagonismo entre os lutadores de top e aqueles que estao no midcard. É absolutamente incorrecto e ilogico pois a partido se os lutadores estao no main-event é porque tem condiçoes para oferecer grandes coisas mas pelos vistos a wwe nao confia nas suas capacidades totalmente ou teme que os talentos que por uma razao ou outro teima em nao apostar em definitivo superem aqueles que tanto protege e destaca.

  11. rodrigomcb9911 anos

    Excelente artigo Salgado!

  12. Belo artigo.

    Realmente, usar a realidade em “promos” tão regularmente começa a ter o efeito contrário ao pretendido… Ainda assim, o Damien Sandow esteve impecável, como sempre, e será um crime não aproveitar o que este homem tem para oferecer. A “gimmick” do “Intelectual Savior Of The Masses” já não existe, o que é uma pena. Tanta coisa boa que podia ter saído dali…

    • Obrigado 🙂

      Já é.. É um crime que eles andam a cometer há muito tempo. Pois podia.

  13. Muito obrigado 🙂

    A mim também me custa imenso. Ele e o Dolph Ziggler são os lutadores de que tenho mais pena.

    De acordo na última parte.

  14. Também, mas o maior problema é a falta de preocupação que existe em construir um card coeso e de qualidade. O problema é que a WWE só trabalha para o main-event.

  15. Obrigado 🙂

  16. Também acho que não. Exacto, a falta de investimento e preocupação é imensa.

    Mencionaste um aspecto bastante interessante. Existem várias histórias de situações em que a WWE castigou ou tentou punir talentos de midcard por terem maior recepção dos fãs que o main-event da noite, o que me parece ser um absurdo, pois tal deveria obrigar os lutadores de main-event e a própria companhia a melhorarem o topo do card. É importante que a fasquia esteja o mais elevada possível, pois é assim que se obtém o melhor produto possível.