Eu sei que prometi que continuava o artigo da semana passada, mas quando publiquei a noticia sobre o Scott Hall, decidi adiar a continuação por uma semana, para poder abordar outro assunto.

Todos nós já ouvimos milhentas histórias sobre tragédia no wrestling, pelas mais variadas razões e até a indústria do wrestling desaparecer, vamos continuar a ouvir. O Wrestling é assim, tem tanto de bom, como de mau, principalmente numa profissão que tanto exige, a nível físico, mas grande parte a nível psicológico.

Pensamentos #103 – Wrestling with Shadows

É um facto que grande parte dos lutadores mundiais tem uma agenda preenchida, uns mais, outros menos, mas o facto é que poucos são aqueles que conseguem viver do wrestling e ao mesmo tempo ter uma vida familiar saudável e acima de tudo, estável. Assim a seco, só mesmo os wrestlers Japoneses conseguem viver da profissão de wrestler, sem ter de andar constantemente em viagem pelo mundo imensas vezes por ano. Isto significa que, globalmente, o wrestling é feito de vida na estrada, sem a família, sem os amigos, sem condições favoráveis de vida social e com uma grande dificuldade em ser feliz.

O dinheiro não paga tudo, por muito grande que seja o salário seja, nenhum wrestler no mundo consegue andar constantemente na estrada, sem sentir saudades de casa. E isso leva a isolamento, a solidão, que consequentemente leva a depressões, a esgotamentos e a outros estados psicológicos que nenhum de nós é capaz de descrever através de palavras, pois nunca estivemos nessa mesma situação. A vida de circo, a vida de Sex, Drugs and Rock and Roll parece muito divertida vista de fora, mas viver essa mesma vida, a um ritmo elevado, 300 dias por ano, é tão ou mais difícil de aguentar do que trabalhar todos os dias no mesmo sitio, com salário baixo. E é nesses momentos de solidão que muitos lutadores perdem a cabeça e começam a caminhar por caminhos obscuros, caminhos ruinosos, ruas negras. Drogas, álcool, comprimidos e outras vícios ficam na ordem do dia de quem não tem uma pessoa amiga com quem desabafar, com quem libertar as suas mágoas. Coisas que nada mais fazem a não ser encurtar a carreira de quem as consome. Mais um dia de consumo, menos um dia de carreira. É assim que funciona. É assim que um dia acaba.

Dificilmente existem lutadores que tenham uma longa carreira sem consumirem qualquer tipo de substâncias proibidas. Claro que existem muitas excepções. Atletas que resistem a todas essas (más) tentações, que conseguem que o seu caminho rumo ao sonho seja totalmente recto, sem curvas perigosas e que preferem concentrar-se na sua carreira e tentar afastar a solidão e as saudades de outras formas, menos ou nada prejudiciais á sua vida e á sua carreira.

O Wrestling é pródigo em tragédias derivadas da vida de circo que os lutadores levam. Acidentes de automóvel, brigas de bar, suicídios, homicídios, entre muitas outras coisas que todos os anos acontecem. E existe um lutador que consegue reunir tudo isto numa carreira de muitos anos. Um lutador que já passou por tudo, que experimentou tudo, que já esteve mais lá do que cá. Esse lutador é Scott Hall. Hall ou Razor Ramon como ficou conhecido mundialmente, é o lutador que mais vezes se viu envolvido em situações nada recomendáveis e algumas mesmo criminosas. É o lutador que mais vezes viu o lado negro do wrestling e que mais problemas teve com os seus vícios. El Chico bebeu milhares de litros de álcool, consumiu quilos de drogas, injectou e engoliu gramas e gramas de esteroides, foi detido um impressionante número de 17 vezes, matou um homem a tiro depois de um arrufo, tentou suicidar-se um numero incalculável de vezes, falou a shows, foi despedido, agrediu pessoas, foi agredido, bateu em policias e perdeu uma fortuna em multas e despesas de tribunais e fianças. Mas por incrível que pareça, o destino não quis nada com Scott, que até aos dias de hoje conseguiu resistir a tudo, actualmente sóbrio, mas com todos os seus demónios ainda forçosamente activos.

Mas o exemplo mais infame de uma tragédia envolvendo um lutador, é naturalmente o duplo homicídio, seguindo de suicido, de Chris Benoit. Benoit foi, durante grande parte da sua carreira, um consumidor compulsivo de esteróides e uma pessoa que quase toda a vida foi viciado em cafeína. O exemplo de Benoit é o clássico de uma pessoa que foi acumulando durante anos anos, acumulando desilusões, tristezas, mortes de pessoas amigas, o facto do seu filho sofrer de uma doença conhecida como X Frágil, o seu casamento não ser estável e o facto de nunca ter sido aquela grande estrela que sempre quis. Benoit sempre se inspirou em Dynamite Kid, outro lutador que passou a sua vida no limite e hoje encontra-se numa cadeira de rodas. Juntando tudo isto a danos cerebrais irreparáveis resultantes de anos de abuso ligados a lesões de manobras de wrestling directamente relacionadas com a cabeça, levaram Benoit a um estado mental de depressão profunda, estado de demência e infelicidade interior. Benoit, quando morreu, tinha um cérebro de um idoso com Alzheimer e o seu coração tinha pouco mais que um ano de vida. Se Benoit não tivesse feito o que fez, pouco tempo depois, o seu coração rebentaria, pois encontrava-se com um tamanho 10 vezes maior do que o normal. Uma mistura de elementos que levou Chris Benoit, aquele atleta intenso, que amava a indústria como ninguém, educado e tímido, que raramente falava sobre a sua vida, um pai de família, a uma fase em que a vida deixou de fazer sentido. E quando chegou essa fase, Benoit achou que o melhor seria partir e levar consigo aquilo que mais amava, a sua família.

Scott Hall e Chris Benoit são os grandes exemplos de como a indústria do Wrestling consegue ser brilhante e macabra, ao mesmo tempo. São exemplos de que uma carreira mal vivida leva a um estado físico e psicológico sem retorno, que tanto se reflecte na sua vida privada, como na vida profissional. Um lutador que não se encontre nas suas capacidades físicas e mentais, que não tenha um nível estável na sua vida, pode colocar em risco a si próprio e principalmente, pode colocar em risco quem com ele trabalha, quem com ele entra no ringue. Sting já passou pela experiência de ter de trabalhar com alguém intoxicado e resolveu a questão da forma mais simples: Agarrou em Jeff Hardy, KO técnico e foi-se embora. Agora imaginem que Sting ou outra pessoa, decidia levar o combate para a frente e tentar fazer o que estava combinado. O que aconteceria? Poderia haver mais uma tragédia para entrar nas inúmeras que acontecem todos os anos. Isto é o que acontece quando um wrestler sobe ao ringue sem estar no seu estado normal. Sofrem os fãs, sofre o espectáculo e sofre o lutador.

Álcool e drogas são vistos como um escape ao que o wrestling retira aos lutadores. É um escape mau, péssimo, mortal. É como dar um murro na cara da própria carreira e dizer “Eu não quero mais saber de ti, desaparece”. A vida de wrestler é difícil. É talvez das carreiras mais exigentes e difíceis do mundo. Tem muitas coisas boas, mas tem também muitas coisas más. Muito más mesmo. Segundo algumas médias que recolhi na Internet, poucos wrestlers conseguem superar os 70 anos de idade e poucos são aqueles que até ao fim da sua vida conseguem levar uma vida normal, sem problemas de saúde como ataques cardíacos ou lesões permanentes.

Para entrar num ringue, existem dois caminhos: A Luz ou as Trevas. Escolher é decisivo, errar é mortal.

See you next week, here on WPT

6 Comentários

  1. Excelente artigo! Já vi estes documentários e de uma certa forma fico indignado com atitudes de alguns deles mas ao mesmo tempo não consigo deixar de pensar que o motivo muitas vezes transcende o wrestling…Basta ver o exemplo de loui spicoli, um jobber que era talentoso mas nunca foi posto a prova…acabou por…Sad but True!

  2. John_3:1611 anos

    De facto é triste de se ver e ler estas coisas, mas eles é que sofrem com isso e não nós.

  3. Ótimo artigo, esses 2 lutadores que vc mencionou, foram grandes atletas.Scott não consigo muito entender ele, o Benoit por ser mt calado acredito que ele sofria muito, até que ele chegou em um ponto e explodiu, muito triste pelo talento que ele tinha 🙁

  4. Um bom artigo,não sabia que o Scott tinha tudo isso em sua ficha,e o Benoit em que tristeza.Bem cabe também a empresa tentar regular os seus calendários malucos.

  5. Zé Tomé Dias11 anos

    Ótimo artigo, bem falado.

    Não sabia que o scott hall tinha passado por tanto na sua carreira (só sabia que enfrentou um divórcio ou coisa assim), mas seja como for, é um milagre ainda se manter estável. A última vez que o vi foi no HOF deste ano, e parecia normal.

    Nunca vi Benoit a lutar enquanto foi vivo, mas soube que teve dificuldades na sua vida.

    Para estes dois lutadores, desejo força para o hall e paz ao benoit

  6. SILV3R F0X11 anos

    Bom artigo…talvez agora as pessoas pensem 2 vezes antes de falar.
    Chris Benoit pode não ter escolhido o bom caminho na sua vida pessoal…mas enquanto wrestler, até hoje não vi ninguem que se dedicasse tanto no ringue como ele.Agora…não digo que o que ele fez nao passou das marcas, ou que não é algo fora do normal, mas se pararem um bocado para pensar o que ele enfrentou na sua carreira toda(o facto de ter de estar a se medicar sempre, o facto de efectuar truques perigosos[olhem o caso do diving headbutt], das lesões, e o que penso profundamente que o afectou mais, a morte do seu melhor amigo Eddie Guerrero[morreu de ataque cardiaco, mas há quem diga que os asteroides e outros medicamentos “ajudaram], que desde que entrou, sempre o apoiou e sempre tiveram sonhos semelhantes.na minha opinião, a WWE só não o quer introduzir no HOF, porque sabem que se começarem a desenterrar o passado, virão que eles mesmos terão alguma culpa por causa das medicações dadas aos seus wrestlers. Peace 🙂