Smoke and Mirrors #224 – Coerência em tempos de crise

Continuamos a caminho da Wrestlemania, e o caminho amornou após uma semana onde não as principais histórias não avançaram praticamente nada, sendo exemplo disso a promo do Undertaker na Raw. Aliás, esse segmento comprovou que o estado de estagnação do produto não se deve aos jovens, nem à falta de talento ou carisma deles. Se a equipa criativa apresenta uma personagem como o Taker de modo banal, parece-me óbvio que se torna difícil que diferenciem ou potenciem os outros wrestlers.

Assim é uma estrada turbulenta a que a WWE escolheu para esta Wrestlemania. Porém, e no meio de tanta confusão apenas uma divisão apresenta uma construção positiva e coerente: A divisão feminina. Podem até dizer que o booking da divisão feminina não é de elite, mas perante tanta indecisão criativa, a história entre as três ex-Divas do NXT é claramente aquela que está a ter a construção mais segura para o principal evento do ano.

E isso transmite segurança aos fãs, ou seja pelo menos nesta rivalidade sabemos que temos uma direcção e que WWE irá prosseguir com a mesma no futuro, dando continuidade a esta história nos meses seguintes à Wrestlemania. Não quero com isto dizer que temos assistido a combates ao nível da divisão no NXT, mas estaria a ser injusto se não dissesse que a situação da mesma é bem melhor do a que tínhamos há um ano atrás.

Claro que não é uma “revolução” como foi proclamada, mas em todo o caso o reinado da Charlotte trouxe mais aspectos positivos do que negativos à divisão feminina do main-roster. Sendo que tem sido surpreendente a forma como as suas adversárias na Wrestlemania foram protegidas pela WWE desde do momento da sua estreia antes do Summerslam.

Sendo que a mais protegida foi sem dúvida a campeã, até porque todos os fãs sabiam que ela seria a próxima campeã no momento em que se estreou no main-roster. Até porque desde do seu tempo no NXT que se sabia que era uma aposta muito forte da WWE, sobretudo pelo seu legado familiar. Não que não seja talentosa, mas tal como referi em anteriores edições, não podemos ignorar a influência do seu pai na aposta da companhia nela como campeã.

Mas se numa primeira fase esse facto atrapalhou o seu reinado, a verdade é que ela acabou por usar o mesmo a seu favor criando heat enquanto heel. Ou seja, ela é o típico caso de alguém que é construída com uma personagem que supostamente deveria ser popular, mas que acaba por não ser recebida como seria expectável forçando a transformação da mesma numa vilã.

E desde desse momento que ela se têm apresentado de forma bem mais agradável enquanto campeã, sendo notório que ela é uma melhor heel do que face. E acredito que ainda poderia ser melhor caso não tivesse o seu pai atrás de si, ou seja, ao contrário do que a WWE acredita sou da opinião que o Flair mais do que ajudar a sua filha acaba por complicar o seu desenvolvimento e afirmação enquanto performer.

Até porque sempre que ela apresentou-se a solo e sem grande influência do seu pai as suas prestações têm sido bastante positivas e revelam o seu potencial como vilã. É verdade que não é nenhum génio nas promos, mas enquanto heel consegue ter boas expressões faciais, elas bastariam para que consolidasse a sua personalidade enquanto wrestler, sem precisar de qualquer auxílio.

Ela é uma boa wrestler e esse facto têm ajudado a que o seu reinado não seja tão aborrecido e alvo de maiores criticas. Além disso, também tem ajudado bastante sabermos que estão a construir de modo coerente as suas duas rivais para o combate da Wrestlemania. Ou seja, quanto mais a Charlotte se safa e tenta as tramar mais os fãs apoiam a Sasha e a Becky, construindo de modo coerente e interessante o confronto de Dallas.

E se a presença da Sasha no caminho de Charlotte era relativamente previsível, o mesmo não posso dizer da Becky Lynch que aquando da formação das PCB era apontada como o elo mais fraco do trio, aquela que poderia ter uma oportunidade num PPV menor mas nunca numa Wrestlemania. E não estarei a mentir se disser que é verdadeiramente surpreendente a forma como os fãs acabaram por apoiar a irlandesa, e é graças a esse apoio que lhe será concedida a oportunidade dia 3 de Abril.

Com isto não quero dizer que ela não possui talento para ser campeã ou afirmar-se, mas a verdade é que quem via a sua apresentação inicial no roster principal via-a apenas como a melhor amiga da Charlotte, uma espécie de “sidekick”. Dai ter sido surpreendido como o modo como a WWE a tornou independente e com uma personalidade de “guerreira” quando a sua melhor amiga traiu-a.

E foi essa construção coerente de alguém que procura atingir o seu sonho e vingar-se da Charlotte que permitiu que mesmo perdendo combates contra ela se mantivesse credível como contender. E sinceramente ela foi aquela cujo o booking mais me surpreendeu porque sempre pensei que ela acabasse por se perder, sobretudo porque seria fácil não a proteger, não sendo ela alguém com o carisma da Sasha ou a influencia da Charlotte.

Mas felizmente até agora a WWE demonstrou não querer desistir dela, e isso só pode ser algo muito positivo porque mesmo que não conquiste o título na Mania eles poderão reservar-lhe esse momento algures no futuro. E isso é justo para uma wrestler de enorme talento, e com uma vontade constante de aprender mais e tornar-se melhor performer e actriz. E essa humildade transparece para os fãs, e espero que não desistam dela depois do combate na Wrestlemania, porque com o apoio dos fãs o futuro pode ser bastante positivo para a “Lass Kicker”.

Falta-me falar do terceiro elemento desta rivalidade, Sasha Banks que foi introduzida na rivalidade no Royal Rumble ao atacar tanto a Becky como a Charlotte, como forma de afirmação pessoal e demonstração que é a principal ameaça ao reinado da campeã. E de facto era óbvio para todos que a WWE estava a protegê-la de derrotas individuais para lhe dar esta oportunidade, e por isso mesmo ela não surge nesta história como o underdog.

Bem pelo contrário, a BOSS teve até agora um booking condicente com a sua alcunha, sendo possivelmente aquela que melhor adaptação ao roster principal e a que apresenta melhor potencial de sucesso junto dos fãs. Aliás, ela tem a capacidade de ficar over mesmo que faça um papel de vilã, e tudo graças ao seu enorme talento enquanto wrestler, carisma e capacidade de interpretar a sua gimmick na perfeição.

E nesse aspecto concordo com quem diz que ela pode ser uma das caras da divisão nos próximos anos, porque com a personagem que possui ela não precisa de ser vilã ou heroína, porque ela permite que ele alterne entre essas duas posturas mediante a sua oponente. E o mais incrível é que o consegue fazer sem que pareça ridícula ou forçada essa mudança de atitude, e isso é algo que só está ao alcance das melhores, da elite, e ela faz parte desse grupo restrito.

Aliás, qualquer uma das três faz parte desse grupo de wrestlers feminino capaz de proporcionar combates de nível elevado com o booking certo. Claro que não espero que de um momento para o outro tenhamos um combate entre elas com a mesma qualidade técnica e de história de um NXT, mas espero que nos apresentem um dos melhores combates femininos dos últimos anos na Wrestlemania.

E se o booking coerente se mantiver parece-me certo que Dallas assistirá ao fim do reinado da Charlotte, uma vez que é essa a história que a WWE está a contar neste momento. Contudo, parece-me difícil apostar numa vencedora para esse combate neste momento, até porque por mais que a Sasha seja a favorita a WWE pode perfeitamente querer surpreender tudo e todos com uma vitória da Becky.

Assim sendo espero que as próximas semanas continuem a construção positiva que as anteriores revelaram nesta rivalidade. Porque se assim for a WWE pode conseguir, mesmo que inadvertidamente, criar boas expectativas para um combate pelo título feminino no seu principal evento anual, e isso só por si é uma conquista que tem como principais obreiras estes três talentos.