Na semana passada celebrámos as vitórias de Finn Bálor no Raw, dois anos depois da sua contratação pela WWE. Apenas os mais sonhadores podiam esperar aquilo que aconteceu – Finn Bálor venceu Roman Reigns de forma limpa e qualificou-se para o combate pelo título no SummerSlam. A surpresa contribuiu bastante para a alegria pela vitória. Agora que as celebrações acalmaram e a realidade assentou, está na altura de algumas palavras de caução.
Apesar da WWE mostrar um óbvio interesse e investimento em Bálor, algo que não é muito comum no que toca a talentos com estatura semelhante, tal não significa que os fãs podem suspirar de alívio. O interesse da WWE é motivo de celebração, mostra que, pelo menos, a companhia está a abrir horizontes e expandir as suas limitações imaginárias e retrógradas para as suas estrelas principais, mas não significa que devemos suspirar de alívio.
Finn Bálor, embora tenha uma presença notória e imenso talento, não é um talento muito compatível com a visão que a WWE tem para a sua programação. Há décadas que a programação da WWE apresenta as mesmas tendências e formato. São atributos que sobreviveram a mudanças de campeões, mudanças de talentos e superficiais mudanças estéticas. Estou a falar, claro, da existência e destaque de uma figura de autoridade, dos nem sempre necessários longos discursos que nem todas as estrelas são capazes de fazer, entre vários outros aspetos.
O RAW pode ter sofrido várias mudanças estéticas ao longo dos últimos vinte anos, mas não se reinventou uma única vez desde então. E, como vimos mais recentemente com Roman Reigns, nem todas as estrelas são melhor aproveitadas quando forçadas a preencher uma posição que não os beneficia.
Olhemos para Roman Reigns, visto que este é um dos casos mais recentes e polémicos. Este tem tudo para ser uma enorme estrela na WWE, mas tal tem sido um fracasso até agora porque a companhia insistiu em dar-lhe o papel de herói invencível que precisa de fazer longos discursos. Foi o papel em que John Cena brilhou, mas como já vimos, Roman Reigns não é John Cena.
Então, assistimos a dois anos da WWE a insistir que Roman Reigns tinha que preencher este vazio à força, sem fazer quaisquer adaptações ou sequer considerar em criar um novo papel ou mudar um bocadinho o formato do programa de forma a tirar o maior proveito do talento que tem à sua disposição. A WWE insistiu que este tinha de funcionar de uma forma e em vez de mudarem para tirarem o maior proveito de Reigns possível, mudaram-no a ele e estragaram o que o tornava especial. Esta é a atitude que a WWE tem demonstrado ao longo dos últimos anos.
Quando olhamos para o outro lado do espetro, podemos ver que, desde a separação do grupo “The Shield”, Seth Rollins foi escolhido para o lugar de Triple H. Longos discursos feitos todas as semanas, onde repete sempre as mesmas frases da praxe e faz o ponto da situação da rivalidade. Conta-se pelos dedos as edições que o RAW transmitiu em 2000 onde Triple H não fez algo do género. Ou 2003. É curioso, há dezasseis anos atrás também podíamos contar com Shane e Stephanie com considerável tempo de antena. Ser escolhido para este papel não fez maravilhas por Seth Rollins quando este foi campeão no ano passado ou até antes disso.
Ao recusar-se a mudar a mesma fórmula ao longo das últimas décadas, a WWE desperdiça, descarta e arruína talentos simplesmente porque estes não se encaixam à perfeição no lugar que foi escolhido para eles. Nem todas as edições precisam de longos discursos e o mundo funciona na perfeição sem a presença constante de uma figura de autoridade para roubar todo o destaque.
No início de 2016, um utilizador publicou uma montagem no Imgur onde comparava a forma como cinco edições consecutivas do Raw começaram – longa discussão entre Stephanie McMahon e Roman Reigns. Por vezes aparecia Roman Reigns a chamar Stephanie, noutras a situação invertia-se, mas o resultado era o mesmo. O mais engraçado é que, apenas uns meses mais tarde, não consigo distinguir uma discussão da outra e todas se misturaram na minha cabeça.
Repito, isto não é de agora. Tenho a certeza que no início de 2000 ou em qualquer ponto do ano de 2003 Triple H estabeleceu recordes semelhantes. E também tenho a certeza que não foi o único a fazê-lo. Mas, com isto em conta, tenho que perguntar – onde é que se encaixa Finn Bálor na fórmula que a WWE teimosamente insiste em aplicar?
Bem, como qualquer outra estrela, ele já encontrou o seu lugar no meio da multidão no momento da sua estreia oficial do Raw, enquanto as verdadeiras estrelas se encontravam sozinhas em ringue a apresentá-lo. Talvez esteja a ser demasiado ácida. Talvez não tenha sido nada de especial. Há quem acredite que era um mal necessário, para dar início à nova Era. Apenas questiono se era mesmo necessário. Não havia outra forma de fazer os anúncios necessários do que voltar a posicionar todos os talentos em fila, como uma turma de básico a posar para uma foto em visita de estudo? Teria feito diferença se o anúncio fosse feito num segmento de bastidores, para o público, em poucos minutos? William Regal consegue fazê-lo.
Pode não parecer muito, pode parecer um mal necessário, mas não passa de um sinal da relutância da WWE em mudar aquilo que verdadeira importa. Mas, pronto, esteticamente está diferente, portanto ninguém pode dizer que nada mudou. Sim, Finn Bálor acabou por brilhar e a noite foi dele (e de Sasha Banks), mas os sinais estão à vista. Os sinais que a WWE não está disposta a ceder ou fazer ajustes à sua fórmula repetitiva e cansada. E, por isso, repito – onde é que Finn Bálor fica nesta história toda? Será que há lugar para Finn Bálor no topo de uma WWE teimosa e inflexível?
Finn Bálor tem imensas qualidades. Este é um excelente lutador, é versátil (consegue ser o herói ou o vilão), tem uma presença notória e uma paixão palpável pela indústria. Ah, claro, e quando deixa o seu alter ego surgir, este aparece com o corpo pintado e protagoniza uma das melhores entradas da indústria. A sua música de entrada também não é nada má. Finn Bálor tem o respeito dos fãs, devido à sua carreira fora da WWE, e, numa palavra só, é “fixe”.
O que ele não tem em abundância é o dom da palavra. A sua voz suave aliada à sua educação e delicadeza pode causar problemas à sua credibilidade. Pelo que vimos no NXT, este consegue ser competente, sem se embaraçar demasiado, e todos os seus restantes atributos eram mais que suficientes para manter o interesse e investimento daquela audiência. Mas, lá está, era a mesma audiência que perdeu a cabeça quando o seu antigo nome apareceu no ecrã gigante no momento da sua estreia.
Mesmo depois da histeria da sua estreia ter desaparecido, a audiência continuou investida em Bálor apesar das suas fraquezas. Tudo isto porque a audiência já estava conquistada e, quando esse é o caso, existe um certo nível de segurança. O complicado é conquistar e ter o respeito da audiência. Que o diga Roman Reigns.
Portanto, como apresentar Bálor a uma nova audiência?
Disfarçar os seus pontos fracos e exibir os fortes seria a opção mais inteligente. E até agora, é isso que a WWE tem feito, felizmente. A WWE teve o cuidado de não deixar Bálor falar muito, antes de Seth Rollins aparecer, quando os dois trocaram palavras no último Raw. O segmento em si foi bastante forte e Bálor portou-se lindamente, se bem que foi posto a um canto por Seth Rollins.
Gostei do segmento e fiquei surpreendida pela positiva, mas não é algo que quero ver todas as semanas. E, sinceramente, estou preocupada que a WWE exponha Bálor demasiado nestes segmentos forçados até ao momento em que simplesmente ser competente não chega.
Pergunto-me se Bálor não teria ficado melhor servido com a transmissão de um vídeo de destaques, composto com os seus melhores momentos do NXT e possivelmente algumas frases ditas nos bastidores, para o promover. Bálor não é um completo desconhecido junto da audiência, mas mesmo assim este deveria ser apresentado. Nas semanas que antecederam o seu combate com Kevin Owens pelo título, o NXT transmitiu um pequeno documentário sobre Bálor e a maioria dos que assistem ao NXT já gostavam dele/o conheciam. É isto que a WWE precisa de fazer.
Uma troca de palavras não é o fim do mundo, mas a forma como foi apresentada e o histórico da WWE com talentos semelhantes dá uma nova perspetiva ao problema. Até que ponto continuamos a fazer desculpas e lançamos o alarme? Na estreia não fez diferença, porque ele acabou por vencer e brilhar, e as figuras de autoridade precisavam de dar início à nova Era. No último Raw não houve problema, porque era necessário que os dois se confrontassem, visto que estão em rivalidade.
É bem possível que a WWE tenha o vídeo preparado para o próximo Raw e que tudo seja um mar de rosas até ao SummerSlam, mas estes não são sinais de mudança. São sinais de uma companhia inflexível a fazer mais do mesmo, completamente alheia à melhor forma de promover e expor os seus talentos.
O importante é que Bálor seja o mais protegido possível quando chegar o SummerSlam, de forma a que o desfecho do combate tenha significado e se possa criar uma nova estrela. Uma vitória ou derrota perde um pouco o seu peso se os fãs não celebrarem fervorosamente ou mostrarem verdadeira revolta – algo que em Brooklyn não deverá ser um problema, mas estou a pensar nas semanas seguintes.
E a WWE tem tomado, na sua maioria, os passos certos para o fazer – vitória contra Roman Reigns de forma limpa definitivamente colocou um ponto de exclamação na situação, mas não deixo de ter receio que a WWE se atrapalhe a si mesmo por viver agarrada ao passado, neste caso, a fórmulas antigas. Preocupa-me porque, nem como herói, nem como vilão, Bálor deveria protagonizar longos segmentos de conversa.
É curioso porque o homem que Bálor venceu individualmente na sua primeira noite no RAW é também aquele com quem tem mais em comum. Tal como Roman Reigns, Bálor é um herói aceitável, com capacidades oratórias aceitáveis, com um potencial enorme para ser vilão dada a sua atitude e notória presença. Existem diferenças entre os dois – como a diferença de estatura ou o alter ego de Bálor – mas são, na sua maioria, algo irrelevantes.
Os erros que a WWE passou dois anos a cometer com Roman Reigns podem facilmente ser responsáveis pela queda de Bálor. As fraquezas dos dois são as mesmas, assim como os pontos fortes, onde ambos têm uma excelente aura e presença. Ironicamente, ambos foram escolhidos a dedo pelos responsáveis da WWE.
Preocupa-me que a WWE não tenha aprendido com os desastres de Roman Reigns. Embora Bálor tenha aguentado um ano e meio como herói no NXT, eu sou uma das poucas fãs que já ansiava uma mudança de atitude. Como o NXT funciona em doses pequenas e, na maioria das vezes, sabiam proteger bem Bálor, este aguentou durante imenso tempo como o campeão herói, no topo da promoção, mas não o estou a ver a repetir a façanha no Raw.
Acredito, sinceramente, que dentro de alguns meses, iremos começar a sentir que Bálor deve mudar de atitude. No entanto, devido ao seu alter ego, acho que a WWE se vai recusar a fazê-lo, especialmente se este for o sucesso de vendas de merchandise que foi o NXT. Bálor pode durar como herói se for protegido. Se for demasiado exposto, como Reigns foi, então a esperança média de vida desce a pique. Este pode sempre tornar-se vilão e liderar um grupo com Karl Anderson e Luke Gallows, em vez de seguir a solo e tornar-se mais um dos descendentes oficiais de Triple H, como Seth Rollins fez.
Facto é que Bálor tem tudo para ser uma estrela e já começou a render à WWE como a estrela principal do NXT quando a promoção explodiu em termos de popularidade. Explosão que este facilitou como uma das contratações mais antecipadas da companhia. Este pode nem sempre ter tido o melhor combate da noite ou a melhor rivalidade do ano, mas foi quem esteve ao leme do navio quando este viajou para o sucesso. Não o fez sozinho, mas foi uma das figuras principais.
Esperemos que, tal como Roman Reigns, este não seja uma vítima de fórmulas gastas e rígidas. Afinal, como é possível não arranjar lugar para um talento do género?
Até para a semana!
5 Comentários
Bom artigo.
Tenho os mesmos receios quanto ao Finn, mas acredito que o “Demon” lhe dê uma baita força até depois da WM, ou pelo menos até o fim do ano. O The Club pode ter ficado na Raw mesmo com objetivo de apólice de seguro pra ele. Não sei, quero que resulte como Face, mas que não passe tanto tempo nessa faceta. Tiro pelo Segmento da última Raw, onde o Seth devorou o Finn. Suas Mic Skills são bem fracas, tem muio a melhorar, só consegue sobreviver mesmo graças ao seu grande carisma. Creio eu que assim como o AJ, ele fique bem mais a vontade nas Promos como Heel. Torço pra que haja um Double Turn em breve, depois do SS.
Mas uma coisa é certa, apesar de todos os problemas que identificamos, estamos prestes a ver história no SummerSlam. Vai ser um Dream Match sensacional. Vamos aproveitar e nos deixar levar.
Sinceramente eu acho o Balor bem melhor que o Roman no microfone, tava acompanhando algumas promos dele no Japão e são excelentes, algumas promos dele na epoca de BC são ótimas.
Acho que o problema dele agora é que ele não está acostumado com o “estilo” WWE ainda e parecia um pouco nervoso segunda. mas acho que com o tempo ele vai melhorando alguns caras também estavam travado no começo ( próprio Seth).
Minha opinião é que ele só precisa de tempo e mais liberdade pra mostrar seu verdadeiro potencial.
Bom artigo.
Sinceramente, não conheço muito do Balor, me enquadre no grupo de pessoas que precisaria do vídeo de apresentação dele mesmo. Para mim seria um enorme choque ve-lo vencer o Rollins, até porque o segmento da última semana deixou bem claro diferdiferençaenca de preparo dos dois, Rollins se portou muito melhor.
Acredito que sua visão é muito correta, há uma extrema necessidade de apresentar ele como credível e qualificado frente ao público casual.
Por mim promoveria um push a quem lá já estava, mas claro que assim não haveria impacto nenhum.
Novamente, bom artigo.
Com o tempo melhora…. O proprio AJ Styles esta a dar um show no microfone, algo que nunca foi o seu forte
Bom artigo, embora algo pessimista, penso que o Bálor nunca irá sofrer do mesmo mal do Reigns, enquanto que o problema do Reigns a meu ver foi começar a ser bookado para o main-event ainda (e continua) sem identidade, ainda é muito Shield, ao contrário do que acontece com o Ambrose e o Rollins, o Bálor é alguém que mesmo um fã casual da WWE, que não assista ao NXT sabia quem era.
Acho que o caso do Bálor será um sucesso, muito porque se a sua faceta face não resultar há sempre a hipótese b, o Club, com o Anderson e o Gallows e uma rivalidade fantástica ainda por acontecer, com o Styles.