Hoje, no meu 10º artigo para a comunidade do Wrestling.PT, damos a volta: se o artigo #1 tinha como título “Quando Ser Fã Não chega”, aqui vou realçar a importância de o ser quando se quer fazer parte do fascinante mundo do Wrestling.
Cada lutador segue esta carreira por um motivo diferente. Uns nunca quiseram ser outra coisa, outros seguiram as pisadas do pai. Alguns são bons atletas, outros querem fama e dinheiro. Alguns lesionaram-se a jogar futebol americano e ouviram dizer que Wrestling é parecido, outros decidiram simplesmente experimentar, deram-se bem e continuaram. No Wrestling há espaço para todos desde que tragam algo de diferente ao espectáculo, mas a motivação inicial vai ditar, em muitos aspectos, a qualidade e o prazo de vida de cada candidato.
E é aqui que é importante ser um verdadeiro fã de Wrestling. Uma pessoa que admira e respeita o negócio, que quer fazer parte dele e honrá-lo a todo o momento.
Os anos passam e o fã continua, aqui equipado com uma t-shirt Heelbook
Na academia do WP, várias foram as visitas de pessoas que tinham curiosidade, que tinham capacidade física ou que achavam graça à ideia de treinar, mas rapidamente se percebia que nunca iriam entender realmente o que fazer no ringue. Como já referi em artigos anteriores, a parte mental do Wrestling é, a longo prazo, a componente que realmente importa e de pouco serve uma pessoa conseguir realizar manobras se não percebe a função delas num combate.
É difícil explicar o Wrestling a alguém “de fora”- por muito que tentemos racionalizá-lo, a componente afectiva é muito forte. E quem não nos acompanha dificilmente consegue entender a mensagem.
Por este motivo, a qualidade só vai aparecer dentro de alguém que consegue ficar (saudavelmente) obcecado por Wrestling. Mas em que consiste esta obsessão e que benefícios traz?
É sobre isso que se vai reflectir hoje.
Ser fã de Wrestling não é (só) ser fã da WWE
A minha definição de “Fã de Wrestling” para este contexto é bastante especial. Por esse motivo, o que vem aí é possivelmente polémico e é realmente dirigido apenas a quem se quer tornar um lutador ou fazer parte do Wrestling, de alguma forma.
“Fã” é uma palavra perigosa. “Fã” vem de “fanático”- e o fanatismo leva a ódio, estreiteza mental e a uma visão maniqueísta, em que basicamente há sempre 2 lados: o bom e o mau. Android versus iOS. PC versus Mac. Sony versus Microsoft. WWE versus TNA. Geralmente um fã vê-se obrigado a escolher um lado e a desprezar o outro, como se estivesse “cego” e não houvesse outra opção. Mas aqui, para beneficiarmos deste fanatismo, temos de nos esforçar por ser saudáveis e tentar ver a “big picture”.
O mundo é muito grande e o Wrestling é, para muitos, uma arte. Como qualquer arte, tem várias “correntes”- neste caso, vários estilos. Cada pessoa tem o seu preferido (uns só gostam de WWE, outros só gostam de Wrestling praticado no Japão, alguns só acreditam se os lutadores estiverem mascarados, etc) mas o que é importante referir é que, mesmo que os desprezes, é necessário conhecer o maior número possível de tendências. Nem que seja para saber o que evitar.
Cada território, cada cultura
Talvez aqui a questão seja eu não considerar um fã alguém que vê o Raw há 3 anos e tem uma tatuagem do CM Punk… ou alguém que gostou da WWF na década de 80 e sempre que quer ver algo, vai ao armário das VHS. Também nunca percebo porque é que é suposto eu ficar impressionado quando alguém me diz que vê Wrestling desde os 6 anos. Nada de mal nisso, mas “Fã de Wrestling” para mim é algo bem mais abrangente… aliás, tem que o ser, se quer estar neste negócio. É como alguém dizer “sou fã de música” porque todos os dias ouve a Rádio Comercial ou a banda de Heavy Metal preferida- pode ser fã de Pop ou de Metallica, mas música tem muito mais a oferecer do que apenas isso.
Certamente alguns discordarão, mas para mim o lado emotivo não pode ser suficiente- por muito que alguém goste de Wrestling, é necessário alcançar-se o estatuto de “connoisseur”. Tornar-se um especialista na matéria. E para chegar lá, é preciso ver um pouco de tudo o que é feito no mundo, com vários orçamentos e em várias décadas distintas.
A definição que podes encontrar no Google
Não estou a sugerir que todos se tornem enciclopédias (eu próprio sou terrível com datas e eventos), apenas ter uma boa ideia do que a história do Wrestling tem a oferecer- claro que só para isso já são precisos vários anos. Basicamente, nas palavras dos americanos: ser um “student of the game”.
Mas será que vale a pena dares-te a esse trabalho? Para quê alargar os horizontes ou para quê estar a ver coisas que não são em HD ou numa língua que não conheces? Para quê continuar a ver se já estás no business e já te encontraste e está a resultar? Para quê acompanhar o Raw desta semana se já não tem sangue/o Austin/o Hogan/o Brooklyn Brawler etc?
Bom, aqui ficam alguns benefícios de ser fã…
#1: Lembras-te porque é que começaste
Já o referi no passado: vão haver alturas em que queremos desistir. Seja depois do primeiro treino, seja depois do primeiro combate, seja ao fim de 10 anos. Eu não sou excepção, mas ao acompanhar Wrestling diariamente acabo por me recordar várias vezes do “porquê” de ter decidido dedicar tanto tempo da minha vida a isto e, seja qual for o problema, encontrar motivos para continuar- basta para isso assistir a um grande combate ou rever um clássico que me fazia vibrar quando estava ainda a começar.
#2: Acompanhas as novas tendências
Será difícil teres uma carreira duradoura se não acompanhares as necessidades do mercado. Isto aplica-se a qualquer negócio e no caso dos artistas não é diferente- por muito que queiram imprimir o seu toque pessoal, o sucesso dependerá do contexto. Um wrestler deve entender o que o público está habituado a consumir e onde se encontra a tendência (e para onde vai) para não estar totalmente fora do panorama actual.
De certa forma, ao acompanhares o Wrestling moderno conseguirás decifrar melhor a mentalidade do adepto de hoje em dia e ir de encontro ao que ele procura.
#3: Encontras nova inspiração
A maior parte dos meus “heróis” já não está semanalmente nos ringues e eu tenho apenas 30 anos. Isso significa que já não tenho pessoas que admire, respeite ou idolatre? Não. Todos os anos aparecem talentos novos que valem a pena manter debaixo de olho e há sempre algo que trazem que retiro para mim- seja uma manobra, uma ideia, uma abordagem a um combate ou uma reacção a uma situação imprevista.
AJ Styles e Kurt Angle: 2 senhores que nos últimos anos muito me têm inspirado
#4: Descobres caminhos por explorar
O Wrestling por norma é repetitivo e previsível- pelo meio, surgem aqueles momentos memoráveis que rompem com essa consistência, mas se formos a ver muitas vezes acabam por ser ideias recicladas do passado.
Uma boa forma de te distinguires no cenário actual, seja a nível de golpes, personalidade ou inteligência no ringue é voltares atrás no tempo e adaptares o que lá encontras para o presente.
O pior que podes fazer é olhar à tua volta e tentar ser igual a todos os outros, quando basta recuares 30 anos e alterares alguns detalhes para seres visto como “original” novamente.
#5: Entendes porque é que te pedem determinada tarefa
Se fores fã, vais entender porque é que te pediram para ires ao ringue fazer “figura de parvo”. Ou porque é que tens de ir para a porta do espectáculo distribuir flyers. Ou porque é que o teu push está atrasado.
Se entenderes como é que o negócio funciona e tiveres vários “case-studies” presentes na tua mente para qualquer situação, mais valioso serás para os teus colegas e para o promotor.
#6: Tornas-te mais culto
Ao estares exposto a todo o tipo de Wrestling terás uma mente mais aberta, estando automaticamente mais disponível para compreender a evolução do negócio, medidas de Marketing, formas de montar combates e manobras que o teu colega quer utilizar. Será sem dúvida uma enorme ajuda todos os dias, especialmente se quiseres que a tua carreira passe por vários países ou até continentes.
Enquanto professor na academia do WP, sinto que é meu dever acompanhar todo o Wrestling para melhor entender os meus alunos (que são de diferentes gerações) e perceber o que eles querem dizer quando falam em manobras como a Broski Boot.
Todas as semanas acabo por comentar aqueles que foram os pontos quentes da semana na minha página do Facebook, talvez inspirado pelo melhor treinador do mundo, que todas as semanas comenta Wrestling no seu Twitter.
O único problema
Só há uma desvantagem em te tornares (saudavelmente) obcecado em Wrestling- corres o risco de o levar demasiado a sério. Isso pode parecer um aspecto positivo mas acredita, não é.
Há demasiadas decisões que são tomadas por pessoas com menor entendimento (mas maior influência) que acabarás por ter de aceitar se não quiseres perder horas de sono todas as semanas (ou o emprego).
Ao final do dia, vão sempre haver decisões que não concordamos totalmente mas é nosso dever fazer o melhor possível no que depende de nós e deixar o resto como está.
“No meu tempo é que era”
Há muita gente que vive no passado e que frequentemente põe em causa o produto actual, dizendo o já habitual “no meu tempo era melhor”. Na minha experiência, parece que essa fase coincide sempre com a altura em que alguém começou a ver Wrestling, o que acho curioso. Uns queixam-se da WWE agora ser “PG” porque se habituaram a ideias mais ousadas enquanto outros acham que sem a ECW ou a WCW já nada tem graça. Outros têm simplesmente saudades do Goldberg ou do Batista.
Sinceramente, tenho pena dessas pessoas.
Já não se fazem wrestlers como antigamente?
Dizer isso é como dizer que já não há boa música ou bons filmes, só porque na altura em que abrimos os olhos a essas artes tudo parecia novo e maravilhoso e agora já não tem graça porque “já foi tudo feito”. Há coisas boas a acontecer todos os dias e pessoas com mente fechada e presas no passado estão simplesmente a passar ao lado da evolução natural do Wrestling (ou de qualquer outra arte que apreciem).
Se partilhasse esse ponto de vista de “velho do Restelo”, provavelmente passaria o dia de hoje a rever combates do Wild Pegasus na NJPW, do Kenta Kobashi e do Misawa na AJPW e o Malenko com o Rey na 2ª hora do WCW Monday Nitro; pode ser a minha era preferida, mas todas as semanas encontro bons wrestlers e bons combates. E considero mais valioso conhecer novos lutadores e acompanhar as novas tendências do que rever a Super J Cup 1994 pela 16ª vez.
Conclusão
Como se percebeu neste artigo, sem dúvida que acredito que é fundamental um Lutador permanecer fã de Wrestling depois de entrar neste mundo. É a única forma de se manter competitivo, interessante e inovador numa carreira que se prevê longa.
Em teoria, esse esforço deveria ser, na verdade, um prazer, mas existem demasiados lutadores que simplesmente se acomodam ao que fazem ou que optam por parar no tempo, acabando por se tornar obsoletos num negócio que está em constante mudança. Espero que estas dicas te ajudem a não te tornares um deles!
Já agora, visto que amanhã haverá um treino muito especial em Queluz na academia do WP, aqui fica um vídeo promocional do meu amigo João “Pégaso” Sena!
Até para a semana pessoal. Aguardo os vossos tweets, mensagens e comentários!
8 Comentários
Mais um artigo de muito boa qualidade! XD
Thanks, obrigado por leres! 🙂
Artigo muito bom parabéns !
Tenho uma pergunta: De quanto em quanto tempo e que um lutador de nível elevado luta cá em Portugal?
Obrigado por leres 🙂
Define “nível elevado”- se te referes a um ex-WWE, só para um evento grande que justifique a despesa. Se for um nome da Europa é mais acessível se bem que como não tem grande notoriedade em PT, acaba por não valer muito a pena. De qualquer modo, nesse aspecto está tudo nas mãos do promotor.
Muito bom artigo,mas irei fazer uma pergunta a vc meu nome é Talles moro em Viçosa Minas Gerais Brasil tenho 13 anos e meu sonho é ser um Wrestler,eu todos os dias treino um pouco de Karate(que pratico) e um pouco de Wrestling(que sei aplicar e “sofrer” os golpes,movimentos e treino em um colchão como vc disse na semana passada) tenho esse sonho desde os 8 anos e uma das academias que existe no Brasil fica em um estado mais longe do lugar onde moro, então a minha pergunta é como posso começar
Muito obrigado de qualquer jeito
Obrigado por leres 🙂
O meu conselho é realmente juntares-te a uma escola de Wrestling, mesmo que isso signifique esperares algum tempo e mais tarde deslocares-te durante uns meses para outra localidade só para obter a formação (se não há muito wrestling na tua área, terás sempre de acabar por viajar pelo Brasil para participar nos eventos etc).
Sim, e o que penso
Obrigado]
desculpa me fazer esta pergunta mas terei de perguntar, os chamados jobbers não sentem que não estão no ramo certo, estão constantemente a perder mts vezes levam coças, ja estiveste algum caso especifico e o que lhes aconselhaste?