Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Foi já na longínqua altura de final de 2019 (que visto à luz dos dias de hoje, parece pertencer a outra vida), que falei pela primeira e última vez acerca da NWA aqui no meu espaço, uma histórica promotora norte-americana que outrora dominou o wrestling nos EUA e no mundo durante o sistema de territórios. Recordo que desde finais de 2017, altura em que a NWA foi comprada por Billy Corgan e em que o atual NWA World Heavyweight champion Nick Aldis venceu pela primeira vez o seu título, título esse que hoje em dia já é seu sinónimo, a NWA procurou, ao máximo, fazer ressurgir a sua brand, o seu nome, nunca ao nível do que havia feito no passado, pois esse é decididamente um tempo ao qual nunca vamos voltar, mas tentando chegar a uma plataforma de divulgação média, e que lhe permitisse, pelo menos, tentar chegar ao nível de outras promotoras relativamente conhecidas nos EUA, como a ROH, Impact ou MLW.

Em 2018, assistimos ao momento de maior divulgação da NWA durante o All In, evento que viria a dar origem à AEW, e no qual Cody venceu Aldis pelo título Mundial da NWA. O interesse criado e gerado à volta do Ten Pound of Gold no mundo de wrestling moderno não havia sido tanto em décadas. Uns meses mais tarde, a NWA realizou o um evento de comemoração do seu 70º aniversário, o qual viu o Aldis recuperar o seu título num excelente 2-out-of-3 Falls match, naquela que foi uma das minhas rivalidades preferidas desse ano. Já em 2019, a NWA realizou a Crockett Cup, um torneio de equipas que relançou a sua respetiva divisão e que no main-event teve também um dos melhores combates do ano, desta vez entre o campeão Nick Aldis e o seu melhor amigo que se havia tornado num dos seus maiores rivais, Marty Scurll.

Brain Buster #107 – NWA: acima de tudo, o projeto

Foi ainda no final desse ano que este projeto foi lançado para outro nível quando a NWA criou o seu programa de wrestling semanal, à semelhança das demais promotoras, o NWA Powerr, semanalmente disponibilizado no YouTube, procurando atrair a atenção de investidores e canais de televisão que, eventualmente, viessem a estar interessados em pegar no seu programa, no seu projeto de wrestling, completamente diferente do que o wrestling se tornou em 2021, e que estava a ser, curiosamente, muito bem recebido na altura. No entanto, e muito infelizmente, a pandemia provocou uma suspensão abrupta na capacidade de disponibilizar o seu produto por parte da NWA, o Powerr deixou de ser transmitido e durante quase um longo ano não ouvimos sequer falar da NWA. Pior o que isso? Esta promotora viu muitos dos seus lutadores “fugirem” para outras feds, naturalmente à procura de retomar a sua carreira, visto que na NWA pouco ou nada poderiam fazer. Não só a NWA, como os seus lutadores viram-se de pés e mãos atacadas, e muitos dos seus nomes acabaram por se separar desta histórica promotora.

Estamos a falar de nomes muitíssimo importantes, e que se encontravam e encontram num nível muito bom para o nível da NWA, talvez mais até do que seria exigível. Eli Drake, James Storm, Ricky Starks e Eddie Kingston foram as principais perdas. E que perdas! De uma vez só, a NWA perdeu um dos lutadores que tinha feito parte da cena do main-event durante algum tempo (James Storm), o muito provável próximo campeão e desafiante do Nick Aldis (Eli Drake), um dos rookies que estava destinado ao sucesso (Ricky Starks) e um dos melhores talkers do wrestling neste momento, assim como um dos seus melhores brawlers (Eddie Kingston). Com estas perdas, a NWA conseguiu perder de tudo um pouco, perdeu star-power, perdeu interesse, perdeu o futuro e perdeu diversidade no seu produto. Levantar-se depois disto era realmente tarefa dificílima e que levaria anos a ser compensado até a NWA chegar ao nível que chegou a almejar no final de 2019/início de 2020. Porém, à poucos meses, a NWA fez o seu regresso aos shows com o PPV Back for the Attack e tem transmitido o Power quase todas as semanas, em intermitência com o Powerrsurge, mais destinado a entrevistas e promos e menos a combates.

Ora, quando falei da NWA, ainda no final de 2019, eu não deixei grandes elogios. Já na altura critiquei um roster muito próximo do que era o da TNA em 2015, a falta de interesse e de tempo disponibilizado para os combates, o facto de o Powerr ser um show de muita conversa e pouca ação, o facto de fazer um build, para certos combates ou rivalidades, tão longo que fazia algum do interesse se dissipar e não se capitalizar no momento certo, entre outro tipo de críticas que não me poupei na altura. E digo-vos que, muitas destas críticas, continuam a fazer sentido neste momento, contudo, hoje, já em 2021 e depois da NWA ter feito o seu regresso, proponho-me neste artigo sinceramente a apenas elogiar a NWA desde que retornou. A NWA tornou-se num exemplo perfeito no wrestling de como fazer “omeletes sem ovos”.

Com um roster fraco, diria mesmo bastante fraco, desde que retornou que o Powerr se tornou no meu show semanal preferido nos EUA. Tenho apreciado imenso a história principal em que o campeão Nick Aldis tem estado envolvido, tenho adorado a forma como estão a preencher o midcard com o campeão de TV, o Pope, ao mesmo tempo que tornaram este título no belt com maior competitividade no card, a divisão de equipas não está a ser esquecida, apesar do claro défice de elementos e a divisão feminina, apesar de praticamente reduzida a dois ou três nomes dos quais devemos nos interessar, tem tido segmentos e combates bastante razoáveis.

Brain Buster #107 – NWA: acima de tudo, o projeto

Acredito mesmo que com uma maior capacidade de investimento no roster pudéssemos ver a NWA a crescer nos próximos tempos. Não obstante, a sua situação atual está muito longe de ser má, tendo sempre conseguido arranjar soluções para preencher algumas lacunas no seu roster ou programação, bem como solucionar qualquer tipo de questões ou problemas. Por exemplo, vejo com bons olhos terem ido buscar alguns wrestlers que eu já conhecia e que muitos fãs também, mas que se encontravam meio esquecidos. Recentemente, conseguiram adicionar às suas fileiras nomes como Chris Adonis (Chris Masters na WWE), um lutador algo limitado, mas que é um bom heel e tudo aquilo que faz é credível, Fred Rosser (Darren Young na WWE), que recentemente tem desenvolvido um bom trabalho no NJPW STRONG e que é uma boa adição ao midcard da NWA, Jordan Clearwater, também com presença no STRONG e que pode ocupar o lugar que anteriormente era de Ricky Starks como a jovem estrela em ascensão e, na divisão de tag team, uma belíssima equipa de dois monstros nos The End.

Mais do que isso, têm conseguido valorizar alguns lutadores pelos quais, pessoalmente, não dava “dois tostões”. O maior exemplo? O Tyrus. Sim, o Brodus Clay na WWE, um lutador com um físico algo horrível que tinha uma gimmick de comédia, e sim, mais um ex-lutador da TNA de 2015, apresentado como monstro guarda-costas do EC3, mas que sempre se mostrou limitado e sempre foi um lutador tremendamente desinteressante. E não me interpretem mal, o Tyrus que hoje temos na NWA é ainda mais limitado e tem um físico ainda mais horrível, mas tem tido dos melhores segmentos dos shows, porque foi puxado para cima a partir do momento em que teve Austin Idol como seu manager. Tem sido um lutador construído como um bully, que intimida o entrevistador e os seus adversários apenas com a sua presença, gestos e expressões faciais, ao mesmo tempo que tem alguém que fale com seriedade por si, que não se limite a debitar palavras, mas realmente a dizer algo, e a dizê-lo de forma interessante. Paradigmático da ideia que vos estou a tentar transmitir foi o seu segmento com o Pope antes do seu TV title match, em que começamos por ter um Tyrus descontraído, para, no final, termos um Tyrus agressivo pois não gostou de ver alguém fazer-lhe frente.

Como já referi, a cena à volta do TV title tem estado em rubro. O Pope já defendeu o título contra o Tom Latimer, Fred Rosser e contra o Tyrus (lutador com o qual continua em feud) e o seu próximo adversário será o Matt Cross. Ao mesmo tempo, anda-se a construir a história à volta da regra de que quando o campeão de TV defende 7 vezes o seu título, pode abdicar dele e ter um title match pelo NWA World Heavyweight title. Temos realmente um dois em um, isto é, histórias ocasionais e conjunturais a cada title match, e depois ainda uma história maior de fundo, dentro da qual essas histórias ocasionais ocorrem e contribuem para chegar a um determinado fim, a um determinado objetivo.

E com isto digo que a NWA deveria reconsiderar retirar o seu terceiro título, que é o NWA National title. No primeiro período do Powerr, este título era, sem dúvida, o segundo mais importante. Contudo, hoje em dia, pelo facto de ter estado envolvido numa história em que era completamente algo secundário,  por estar num campeão (Chris Adonis) que não o tem defendido pois está ocupado na sua tag team e stable, o TV title estar num excelente momento e, essencialmente, por o roster ser muito curto, em quantidade e qualidade, não vejo a utilizado de haver um terceiro título individual, que raramente é defendido, e que claramente não tem qualquer tipo de importância em comparação com os outros dois.

E aproveito o National title para fazer a ponte para o main-event. Quem recomeçou como National champion este segundo período do Powerr foi o Trevor Murdoch, mas que se viu encurralado pela aliança entre Nick Aldis e Chris Adonis, que integrou a sua stable, os Strickly Business, com o Tom Latimer e com a Kamille. Pessoalmente, tenho adorado esta história, porque me tem feito torcer pelo Murdoch de uma maneira que ainda não tinha torcido por ninguém desde que a NWA reemergiu, e tudo se deve ao booking, o booking de ter o Murdoch como excelente babyface a aceitar todo o tipo de desafios, mesmo que em desvantagem, de não ter receio de lutar sempre com algo a perder, enquanto o heel Nick Aldis, superinteligente, se aproveita disso para lhe fazer a vida negra, tem sido excelente. Mais do que isso, a prestação do Trevor nos combates tem sido muito boa, tanto a vender os ataques dos heels, como a procurar recuperar o controlo dos matches de forma desesperada. Tudo feito a seu tempo e tudo feito com um propósito, que será o futuro NWA World title match entre os dois, no qual os fãs torceram para que o seu herói saia vencedor.

Brain Buster #107 – NWA: acima de tudo, o projeto

Muitos poderão dizer que se trata aqui de uma rivalidade planeada de forma old-school. A NWA valoriza, de facto, um estilo que hoje em dia é muito pouco usado, que altera apenas entre combates mais curtos, competitivos e, acima de tudo, com um wresting mais credível e menos espetacular, com promos e entrevistas que são absolutamente incríveis, em que os lutadores têm liberdade e não estão constantemente agarrados a um texto. Não tem absolutamente nada a ver com outros programas de wrestling que muitas vezes seguem um formato de série. Contudo, estou muito longe de considerar a forma como uma rivalidade como esta foi planeada como algo “old-school”, pois considero que é uma forma que qualquer promotora de wrestling, seja em 1980, seja em 2021, pode perfeitamente fazer. Todas as rivalidades não precisam de brawls a toda a hora, não precisam de ter imensos combates, não precisam de se tornar pessoais desde o seu início. A feud Nick Aldis vs. Trevor Murdoch é algo do mais simples que há, mas algo que em 100 anos de wrestling sempre resultou e não vejo porque não haveria de continuar a resultar. É uma feud que avança todas as semanas em pequenos aspetos e não em algo que seja previsível, bem como, e principalmente, em algo super rápido só para soltar o pop fácil, momentâneo e insustentável dos fãs naquele momento.

No entanto, há claramente handicaps que a NWA dificilmente irá conseguir alcançar. Utiliza um booking e um estilo que dificilmente muitos fãs de wrestling terão grande interesse em acompanhar hoje em dia, que exige realmente paciência, e que tem alguns tempos mortos na sua programação. E a NWA pode fazer tudo bem fora dos combates, construí-los da melhor forma possível com a matéria-prima que tem, criar o maior hype que consiga, mas em algum momento a campainha irá tocar, e aí não há quase nada a fazer para além de contar maioritariamente com o talento dos seus lutadores. E se é verdade que há lutadores interessantes e com talento neste roster, maior verdade é que maior parte dos combates têm lutadores limitados e com matches esquecíveis. E isso leva depois a ter que se tomar outro tipo de caminhos, designadamente planear combates com algum tipo de história que ofusque a pura competição, e o de fazer combates demasiado curtos que faça com que o fã adepto do “workrate”, dos combates mais longos e espetaculares, tenha um grande turn-off com o produto que a NWA apresenta.

No entanto, tal como refiro no título, apesar destas claras deficiências no roster, há que valorizar o projeto, o projeto de procurar uma programação o mais simples possíveis, de procurar principalmente que os seus lutadores fiquem over pela sua personalidade e não pelo fazem no ringue, o de procurar lutadores que sejam capazes de falar de forma a gerarem interesse no seu trabalho e na promotora em que lutam, esse projeto é de tirar o chapéu, e mais ainda o é pelas dificuldades que se foram criando ao longo destes 2 anos. Como disse, a NWA está muito longe de conseguir um produto perfeito, mas muitas vezes mais por fatores externos e extrínsecos que não lhe são imputáveis do que propriamente por factos que o sejam. Acima de tudo, realmente, há uma ideia de fundo, um programa e um projeto em mente e que se pretende concretizar, e nisso só tenho a elogiar a NWA.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

6 Comentários

  1. Sandrojr4 anos

    Nick Aldis é um verdadeiro main event, o programa tem seu estilo old-school e eu acho que por isso não irá crescer, só ficará no nicho dos fãs mais hardcores, mas é um bom programa, não é dos que eu mais curto pois eu prefiro ação em ring, mas tem o seu valor, ótimo artigo.

  2. FBK4 anos

    Gostei bastante do seu artigo, Ricardo, até pq já há muito não tinha ideia do que era feito a NWA, entretanto, a julgar por suas palavras, é bastante provável que a mesma não cresça de forma demasiada, mas nem por isso deixará de ter o “seu lugar ao sol”.

    Vou aproveitar e dar uma espiada no programa, quem sabe me agrado do mesmo.

  3. Et Billu4 anos

    Bom Artigo.