Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Em 2021, nós, fãs de wrestling, temos a tremenda sorte de conseguir arranjar mil e uma maneiras de ver wrestling, do passado, presente, americano, japonês, mexicano, etc. Entre sites, streams, serviços de streaming oficias e não oficiais, DVDs, entre muitas outras formas, temos hoje aquilo que nenhum outro fã de wrestling teve em tempo diferente do nosso. E se para muitos fãs, mais casuais, isto lhes seja praticamente irrelevante, para outros, como é o meu caso e como acredito que seja para muitos de vocês, consegue ser, simultaneamente, a melhor coisa do mundo, mas também a mais a que mais nos atrapalha. De facto, tanto podemos daqui extrair diversas vantagens, como imensos inconvenientes, que atrapalhem não só a nossa vida pessoal, como também, e porventura ainda pior, a nossa relação com o wrestling.

Os prós que encontramos nas possibilidades de ver wrestling que temos hoje são, sem dúvida, imensas. Desde logo, permite-nos conhecer melhor o mundo da modalidade que temos como parte da nossa vida. Conhecemos a WWE e o restante wrestling americano, conhecemos o puroresu, o joshi, a lucha libre, o wrestling britânico, conhecemos centenas de lutadores e estamos sempre informados de como o mundo do wrestling funciona e do mesmo conseguimos extrair bons pensamentos e conclusões de análise de forma a compreendermos as suas relações, movimentos e possibilidades. Não só isso, como ao vermos algo novo, podemos distinguir o que gostamos do que não gostamos, de que forma achamos que o wrestling deve ser feito de acordo com os nossos gostos pessoais. E tal só é possível se virmos os diversos estilos e conhecermos as suas características.

Acrescento ainda a vantagem de conhecer produtos do passado, como as várias eras da WWE, as grandes décadas de 70 e 80 da NWA, a WCW dos anos 90, o Kings Road da AJPW, o topo do joshi com a AJW, etc. Não só nos permite conhecer ainda mais a nossa modalidade, perceber as suas origens, as suas rotinas, etc., como nos permitindo comparar com o que temos hoje e ver por onde podemos melhorar, perceber aquilo que se diz de errado entre a comunidade dos fãs, seja para melhor, seja para pior, mas acima de tudo, dá-nos imenso tempo de conteúdo, horas e horas a fio de wrestling que nos divirta e do qual nunca nos fartamos, e que nunca tem fim à vista, devido à quantidade imensa de coisas que temos para ver.

Brain Buster #111 – Ver demasiado Wrestling

E essas horas de conteúdo aumentaram ainda mais nos últimos anos, porque a diversidade de produtos e a quantidade de horas semanais tornou-se insana, se não mesmo ridícula. Na WWE, só de programas principais e esquecendo o 205 Live, o NXT UK e o Main Event, temos 7 horas! E isto quando não há fins-de-semana de PPV e Takeover, onde o wrestling semanal apresentado pela WWE pode chegar até às 11 horas! A isto acrescenta-se o também o já muito preenchido espaço da AEW, que não conta apenas com um Dynamite semanal de duas horas, sendo que para quem é fã hardcore da empresa ainda tem o Dark, o Dark Elevation e ainda o Being the Elite. E mesmo os seus PPVs, apesar de serem realmente poucos, conseguem oscilar entre as 4 e 5 horas. Juntam-se, só no wrestling main-stream dos EUA, mais 2 horas de Impact, mais 1 hora de ROH, mais 1 hora de NWA e, porque não, mais 1 hora de MLW.

E porque não ver a disponibilidade com que se consegue ver wrestling japonês hoje em dia? É que não foi sempre assim. Os fãs mais recentes podem não ter essa noção, mas até há bem pouco tempo ver wrestling japonês fora do Japão era muito complicado, os vídeos chegavam à internet semanas e semanas depois dos shows se terem realizado e muitas vezes chegavam com pouca qualidade. Mas hoje conseguimos ver o trabalhoso e moroso horário da NJPW durante todo o ano com imensos torneios e shows importantes, ao que se junta cada vez mais outras feds que, por força da globalização e do crescimento do interesse pelo puroresu fora do Japão tem quase que acompanhado a NJPW, como a Dragon Gate, DDT, AJPW, NOAH, Stardom ou TJPW. E quem diz wrestling japonês, também diz o mexicano. A facilidade com que podemos ver wrestling hoje em dia, olhando apenas para o atual é realmente é absurda.

Mas se essa disponibilidade e facilidade têm as suas vantagens, também trazem realmente muitas desvantagens. Os fãs de wrestling são pessoas de rotina e, mais do que isso, são tremendamente dedicados a seguir a modalidade, contudo, chega a um ponto em que isso pode ser mau, se não for feito com equilíbrio. Quanto mais horas de wrestling que um fã veja, quantos mais combates, mais shows, mais promos, etc., mais o wrestling se torna cansativo, numa análise profunda e tremendamente aborrecida. Muitas vezes, a qualidade do que se está a ver nem sequer é percetível, porque tudo já foi visto e revisto várias vezes na última semana, e isso é mau por várias vertentes, que levam a que a relação dos fãs com o wrestling se deteriore e, pela força disso, que o próprio wrestling também se deteriore. Como? Desde logo, dá-se uma dessensibilização do fã em relação ao wrestling. Esta modalidade não tem nada, mas nada de “falso”, tudo o que vocês vêm no ringue, se ao início parece aleijar ou doer, é porque realmente dói ou aleija. Conseguem lembrar-se da primeira vez que viram uma powerbomb ou um suplex da segunda corda e de como reagiram? E como reagem agora? E conseguem lembrar-se da primeira vez que viram um lutador a levar uma cadeirada ou a ir por uma mesa adentro? E como reagem agora? Sim, reagimos quase com a passividade natural com que vemos milhares todas que fazem parte do nosso quotidiano.

É um exemplo excelente que permite ver como a relação do fã com o wrestling se deteriora, mas também é um exemplo paradigmático que permite ver como o wrestling, pela força do pensamento dos seus fãs, e por aquilo que passam a ser os seus novos gostos, também se deteriora. Ora, se um lutador faz uma powerbomb e um fã já não reage, então será preciso fazer algo mais para reagirem, como usar uma cadeira, e se uma powerbomb e uma cadeira já não faz o fã reagir porque já o viu muitas vezes, então utilizam-se várias cadeiras, e assim sucessivamente, até que qualquer limite de bom senso já se tenha ultrapassado, do ponto de vista da credibilidade da modalidade e, principalmente, no que diz respeito aos riscos que os lutadores correm todos os dias. Eles existem tão só somente por eles entrarem no ringue, quanto mais se fizerem todo o tipo de coisas sem qualquer limite, apenas pela reação dos fãs, apenas para provar que o pensamento dos fãs atual, inquinado pela qualidade enorme de wrestling que vêm, está certo, no sentido de que tudo vale, e que o wrestling feito de forma mais básica e segura, já não lhes chega.

Brain Buster #111 – Ver demasiado Wrestling

E não estou a dizer, claro, que o facto de o wrestling ter evoluído nesse sentido se deve apenas à forma como os fãs perspetivam o wrestling, essa evolução já começou muito antes disso, basta pensar na existência da ECW e no que ela significou, mas estou a dizer que a forma como os fãs perspetivam o wrestling atualmente, como não tendo limites ao nível do número de moves, spotfests e até na violência usada frequentemente tem contribuído bastante para que o wrestling prossiga nessa evolução.

Obviamente que com isto não estou a dizer que os fãs devem deixar de ver wrestling e têm que ter uma opinião semelhante à minha, porque serei o último a fazê-lo, estou sim a dizer que devem ter cuidado quando dizem que um leg drop feito por lutadores com mais de 2 metros não aleija ninguém, que um elbow é um move fraquinho, que um DDT não é um finisher credível ou que um suplex da terceira corda não seja suficiente para acabar um combate. Chegamos ao ponto, e isto sim, é dos dias de hoje, em que lutadores já usam como manobras de transição em combates, atirar adversários contra o a pirotecnia e daí surgirem explosões, como aconteceu com o Lashley no Backlash ou um move em cima de duas meses para a seguir o lutador durar mais 15 minutos no match, fazer um Spanish Fly e safar-se de um Lariat com um flip, como aconteceu no Ospreay vs. Shingo. Em ambos os casos, os lutadores que passaram por isso até acabaram por vencer o combate, quando tais momentos eram claros angles de hospitalização há vários anos.

E é que isto tem outro efeito perverso, é que os fãs começam a meter na cabeça que um combate é bom quanto mais coisas nele acontecerem, o que a meu entender está completamente errado. Não só isso, mas como que todos os lutadores têm que ser capazes de dar “clássicos de 5 estrelas” a toda a hora, quando deveriam guardar o seu corpo e esse momento para ocasiões mais especiais. Não podemos ter um Taker vs. Michaels todas as semanas, e se o tivermos, nenhum deles será verdadeiramente um Taker vs. Michaels, porque passam a ser todos iguais. Mais! Até já vejo lutadores e lutadoras a lutar segundo um estilo que com o seu corpo têm claramente dificuldades em fazê-lo. E estou a falar tanto de lutadoras que fazem dives mesmo sendo pequenas e não tendo uma adversária com o tamanho suficiente para as apanhar, como também estou a falar de lutadores com grande estatura física que também caem no erro de ir por aí, muitas vezes levando o corpo ao seu limite por terem de carregar mais peso. Cada lutador deve lutar de forma a maximizar o que o seu corpo lhe dá, e não segundo uma fórmula que os fãs acham que torna o combate bom.

Um bom combate não é aquele que tem muitos moves, falses finishs, violência, dives e spots malucos e espetaculares, um bom combate é aquele que consegue contar uma história e em que o menos é mais. Mas não é esse o entendimento que os fãs têm do wrestling hoje, nem sequer que boa parte dos praticantes da modalidade também têm, e claro que tudo isto anda interligado, e tem efeitos e contrafeitos.

Brain Buster #111 – Ver demasiado Wrestling

E não estou a dizer que não podem ver muito wrestling, eu pessoalmente vejo bastante, estou a dizer é que devem tentar ter um pensamento prévio de que muitas coisas que vocês vêm vão dessensibilizar a forma como o vêm, porque já o viram muitas vezes, mas nem por isso aquilo que vêm deixa de ser brutal do ponto de vista físico. É que também a grande maioria de nós não vê wrestling ao vivo, mas sim pela TV ou pelo computador, o que também ajuda nesse processo de dessensibilização. Imaginem ver um homem de 1 metro e 80 a saltar da terceira corda e a bater com o seu corpo no em cima de outra pessoa, ou pior, no chão. Este pensamento prévio é, a meu ver, bastante importante, e nunca deve ser descurado.

Por fim, resta-me falar da saturação óbvia que se nota entre os fãs que vêm muito wrestling já à muito tempo. Os fãs têm cada vez menos paciência, tendem a julgar as coisas antes de as verem ou então antes de as verem finalizadas, começam a achar que já sabem tudo e a sobreanalisar tudo o que vêm e a não desfrutar do evento que estão a ver. Acho que é também preciso ter cuidado ao pensar dessa forma, pois os fãs nunca devem pôr o divertimento atrás da análise do show pessoal ou até quando a fazem online. Um exemplo foi o que se passou no main-evento do show da NWA, em que os fãs estavam mais preocupados em culpar a execução dos lutadores e do árbitro, ou até mesmo da ideia por trás, do que envolvidos e investidos numa ótima história em que o babyface Trevor Murdoch tinha sido vítima de uma injustiça.

Posto isto, sim, ver wrestling em demasia tem os seus riscos, mas tudo depende da forma como vocês o vêm e a predisposição inicial e prévia com que o fazem. Não vos digo para deixarem de ver wrestling em grandes quantidades, aliás, eu faço o mesmo, mas diria para tomarem estes cuidados, e também que, se vêm algum produto que não vos diverte, porque, e para terminar com uma vantagem, hoje em dia têm uma quantidade enorme de wrestling online para verem, seja do presente ou passado, e de todos os quatro cantos do globo, têm uma enorme biblioteca e uma grande capacidade de escolha, por isso, se vão ver muito wrestling, então escolham o melhor que têm para ver.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

12 Comentários

  1. Sandrojr3 anos

    Sempre presente, concordo com algumas coisas, gostei, ótimo artigo.
    -Uma pergunta nada haver com o artigo. Você conhece algum clube de futebol no Brasil? E se sim quais, e se conhece qual é oque vc mais tem simpatia? Não tem nada haver, mas eu perguntei por curiosidade 😁

    • Obrigado.
      Aahahahahaha, para ser sincero eu conheço muitos clubes de futebol no Brasil, mas nunca tive simpatia especial por nenhum. A única vez que me interessei por futebol Brasileiro foi quando o Jorge Jesus treinava o Flamengo e lá torcia para que ganhasse, inclusivamente contra o Liverpool na final do Mundial de Clubes. Mas não tenho razão nenhuma para torcer por nenhum clube brasileiro ahahah.

  2. @Roberto3 anos

    Concordo, obrigada pelos teus artigos… Aprendo sempre muito contigo, és uma mais valia deste site. Salvador… Se eu fosse a ti não tirava este rapaz do site.

    • Aahahah, obrigado, mas comigo não aprendes nada, apenas conheces uma outra opinião que enquanto fã acho oportuno partilhar.

  3. Concordo, esse é o meu maior problema atualmente. Eu vejo o RAW, SmackDown, NXT, NXT UK, Dynamite e Impact!. Tenho praticamente sempre algo pra ver, mas é muita coisa, e se eu perco um episódio, já começa a acumular muitos shows, etc… Isto sem falar que eu ainda quero exprimentar outras empresas. E deixar de ver algumas que vejo, mas épa não sei porque, não consigo fazer, exemplo do RAW, o produto atualmente é o que é e não vale o tempo, mas mesmo assim não consigo parar de assistir.

    • Percebo Rodrigo, quanto tinha 16/17 anos deixei de ver RAW e SmackDown regularmente, e tentei ver apenas 1 vez de lá para cá, quando tinha mais tempo, mas desisti ahahaha, também porque conheci e conheço outros produtos que me dizem muito mais, e prefiro gastar o meu tempo com algo que realmente goste.
      Vou-te dar um conselho sincero, mas és livre de seguir ou não seguir claro, mas se fosse a ti deixaria de ver alguns desses programas semanais que achas que te fazem perder tempo, tirava pelo menos umas férias disso e procurava ver novas coisas a ver se gostaria. Se não gostasses, então sim voltarias a esses programas semanais. Mais! Até podes aproveitar esse tempo para ver conteúdo do passado. Porque não? O que interessa é pesquisares, veres, experimentares e definires aquilo que, enquanto fã, te enche melhor a vista ahahah, e só aí te deves entregar definitivamente a esse produto. Se no fim acabar na mesma por ser a WWE, então sim, voltas a ver, já sabes que é isso que gostas mais e não tens arrependimentos ahahh.

    • Obrigado pela respostas, vou refletir sobre isso. Depois conto como correu ahaha

  4. Rafael3 anos

    Gostei bastante de ler esse artigo. Eu particularmente passo por essa questão de ver muito wrestling, chega um momento que estou saturado e tiro alguns meses de férias para depois voltar. Hoje, acredite, vejo regularmente NJPW, NOAH, AEW, IMPACT, AJPW e DDT. Procuro sempre acompanhar também alguns shows da AAA e WWE. Além disso, vejo algumas lutas de eventos que me chamaram atenção (principalmente empresas do puro como Dragon Gate, zero 1, BJPW, TJPW, etc.). Já tirei a ROH e a NWA da minha agenda e pretendo lapidar mais, para que eu não sature tão rápido e possa desfrutar de outras boas coisas, que não só o pro wrestling.

    • Rafael3 anos

      Quanto ao wrestling mais antigo, quando os visito, procuro desfrutar principalmente da biblioteca da AJPW dos anos 90 (como bem citastes), NOAH anos 2000 e Njpw da década de 2010. Abraços e obrigado pelo texto.

    • Obrigado pelos comentários.

  5. Dayane3 anos

    Concordo com tudo!