Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!
A presença da WWE em solo britânico enquanto marca própria nasceu em 2017. E desde esse mesmo início até aos dias de hoje, do WWE UK ao WWE NXT UK, tivemos um título que sempre teve algum, se não mesmo bastante significado, pelos campeões que o possuíram e, principalmente, pela qualidade dos combates que nele sempre estiveram presentes. Desde Pete Dunne vs. Tyler Bate na final do torneio para coroar o campeão inaugural ao confronto épico de Chicago e a todo o reinado do Bruiserweight, que contou com inúmeros desafiantes que trouxeram o melhor que o Pete tem para oferecer, tais como Zack Gibson, Jordan Devlin, Joe Coffey, Kyle O´Reilly, Ricochet ou Danny Burch, o título do UK teve sempre uma presença única, por ser um título que se baseava essencialmente no wrestling e na competição, focando muito menos o seu interesse em storylines mais complexas ou angles mais arriscados. E completo dizendo que é assim que se mantém até hoje.
Contudo, houve uma altura determinante em que aquele título viu ainda mais a sua importância subir de valor, altura que corresponde ao momento em que WALTER conseguiu derrotar o reinado já histórico de Pete Dunne em Nova Iorque. A partir daí, se já com Pete Dunne sentíamos que estávamos perante um campeão dominante que conseguia ombrear com toda a gente, com WALTER esse sentimento ainda subiu mais de tom. Pela sua imponência física, à dureza dos seus strikes, à brutalidade das suas submissões e à força dos seus big moves, contando com um cardio invejável para o tamanho que possui, WALTER assume-se como um lutador quase único no mundo do pro-wrestling atual, sendo que apenas olhando para o seu aspeto tal nos impede sempre de duvidar que quando o mesmo entra num ringue irá sair de lá derrotado.
A seguir ao combate brutal com Pete Dunne, segue-se a formação dos Imperium, uma stable que mais do que garantir a vitória do seu líder, segue uma filosofia de trabalho e uma ideia para o pro-wrestling, de respeito pelo desporto, tanto dentro do ringue como fora dele. Veio depois o combate enorme em Cardiff com Tyler Bate, cuja adjetivo perfeito ainda seria insuficiente para o descrever, sendo que a partir daí o título torna-se propriedade do WALTER, torna-se parte de si, dominando o mesmo o roster todo do NXT UK. Infelizmente a pandemia privou-nos de vários meses do “ring general”, mas o mesmo voltou em grande para iniciar a história que seria a primeira etapa da queda do seu reinado.
Estou a falar, claro está, do primeiro grande confronto entre Ilja Dragunov e WALTER num ringue da WWE, mais precisamente, no NXT UK, dado que estes dois já nos haviam entregado autênticos clássicos na wXw, em que convém lembrar a mítica final do 16 Carat Gold em que o Dragunov vence ao ultrapassar o WALTER e, mais tarde, vários dos seus confrontos pelo wXw Unifed World title. No entanto, fez aqui a WWE o seu habitual em agir como se tais combates nunca tivessem acontecido, e a meu ver fez a escolha certa. Primeiro, estamos a falar de combates que o público-alvo da WWE não terá conhecimento da sua existência e, segundo, estamos a falar de alturas completamente diferente da carreira de ambos os lutadores, fazendo com que a história contada aqui em 2020/21 não seja desmitificada pela ocorrência de 2017/18.
Este primeiro combate entre os dois na WWE conseguiu chamar a atenção de um grande número de pessoas, e isto num programa que muito pouco gente vê, pois mesmo muitos dos fãs mais hardcore que tendem a ver tudo o possível, tendem a ignorar. E conseguiu esse feito por vários fatores, desde logo, depois do combate com o Pete Dunne e o Tyler Bate, WALTER conseguiu finalmente reconhecimento de estrela da WWE, mesmo que ao nível do NXT, reconhecimento esse já tinha na cena independente. Depois, foi um combate que trabalhou segundo um estilo que não é, nem pouco mais ou menos, um estilo que a WWE costuma apresentar na sua programação, nem mesmo no NXT, que tem um estilo diferente do main-roster.
Os dois, pela enorme confiança que depositam um no outro, agrediram-se mutuamente apenas com os seus corpos, sem precisar de armas ou objetos estranhos ao ringue, de uma forma brutal, utilizando aqui o sentido literal do termo. O Dragunov teve que sofrer imenso neste combate, e eu até disse na altura em tom de brincadeira que o WALTER deveria ter sido acusado por tentativa de homicídio. O nível de dureza de cada chop, de cada pontapé, a forma como o WALTER quebrava o Ilja em movimentos estranhos ao corpo humano, ao mesmo tempo que trabalhava o seu pescoço foi muito invulgar para o que os fãs estão habituados a assistir na WWE. Ao Dragunov, cabia-lhe nunca desistir e vender tudo aquilo que estava a sofrer, o que, para ser honesto, não teve de fazer grande esforço em fazer, pois o WALTER tinha forma de garantir que essa parte não falhava. Mais do que tudo, lembro-me do momento em que parece que o Ilja pode colocar o WALTER em risco de perder com o seu finisher, mas pára a meio porque não aguenta as dores do pescoço, fazendo com que o WALTER ganhe o combate.
Pela força dos strikes e do impacto dos big moves, foi até um combate que beneficiou de não ter público. E mais até do que os dois fizeram no ringue, importa ainda mais dizer que tudo isso bateu exatamente com as personalidades de cada um. WALTER, o gigante austríaco que respeita o wrestiling como desporto e os homens que pisam o mesmo tapete que ele, respeitou o Ilja e trouxe o seu espírito de competidor ao de cima, ao mesmo tempo que fazia de tudo para lhe infligir dor e poder ganhar. Ilja Dragunov, o russo que é um dos lutadores mais intensos do mundo, que mete toda a sua força e dedicação em tudo o que faz, que aguenta “porrada” (desculpem o termo mais quotidiano) como quase ninguém. Estas duas personalidades são apenas faces diferentes de uma mesma ideia, de uma mesma filosofia, o que o tornou esse um combate enorme, mesmo que diferente dos embates anteriores do WALTER com o Dunne e o Bate.
Mas se era verdade que bookar um title match entre estes dois era relativamente fácil, visto que é um combate que se estrutura a si mesmo e cujas interações e promos se escrevem a si mesmas, mais difícil era pensar no que se seguia depois desta primeira etapa. Qual seria a melhor forma de recuperar o Dragunov depois da derrota? Qual seria a melhor maneira de o mesmo voltar a poder ter o estatuto para voltar a enfrentar o campeão gigante da marca? Pessoalmente, admito que teria dificuldades em pensar qual a melhor resposta a estas questões, mas o NXT UK foi capaz de bookar e planear uma storyline com sentido, com cabeça, tronco e membros que depois veio a culminar no title match do Takeover 36 no qual o Ilja finalmente vence o lutador absolutamente imbatível.
Nos meses que se seguiram ao brutal primeiro combate, cria-se a ideia que o Ilja, apesar de voltar a estar na melhor condição física possível, ainda não conseguiu ultrapassar a derrota. Mais do que isso, ainda tem traumas com tudo aquilo que sofreu às mãos do gigante austríaco. Reage exageradamente a um chop quando alguém adversário lhe aplica um e tem uma capacidade de autodefesa completamente exagerada qual tal acontece. Durante meses, os seus matches andam à volta disto e em todos os seus combates ele tem sempre de dar muito mais de si do que o que era preciso porque não sabe reagir a momentos de domínio do adversário. Fez-me lembrar dos bons e velhos filmes do Rocky, em que várias vezes o mesmo tinha flashbacks de combates anteriores e de momentos em que o mesmo havia sofrido e, mais do que isso, sentido imenso medo. Quase como se fosse um trauma, quase como se fosse um pesadelo.
Eventualmente o Ilja consegue aliviar um bocado esse sentimento pela passagem do tempo, mas a certa altura o pesadelo volta ainda em maior força e de forma inevitável, pois o WALTER volta a confrontar o Dragunov e dá-lhe um estalo para o recordar do sofrimento que passou da última vez e para o avisar e questionar se o mesmo quer voltar a passar por isso. O combate é marcado e o buil-up anda sempre à volta das dúvidas do Dragunov em relação a si mesmo, do receio que ainda tem, mas no final das suas promos, o mesmo termina sempre que desta vez tem de ser capaz, que não vai recear ter que voltar a enfrentar o seu rival. Esta é a história do Dragunov, o babyface, pois o WALTER não tinha de mudar nada em si nem na sua condição, limitando-se a ser o antagonista já mais que estabelecido, pois foi construído enquanto tal por 2 anos. Tudo feito de forma excelente, bem pensada e, acima de tudo, feito de forma a podermo-nos cair na imersão, a podermo-nos acreditar, sentir e investir no Dragunov. Não sei como esta história e esta feud poderia ter continuado de forma melhor.
E é por isso que o final que esta segunda etapa da sua rivalidade na WWE teve um final mais prazeroso e mais acreditável. Tenho pena que muitos fãs tenham sido privados deste build-up, por ter estado presente num programa que quase ninguém vê, mas foi aí que a qualidade do combate fez o resto, pois se já achávamos que o primeiro combate tinha sido lendário e tinha tido um nível muito difícil de voltar a atingir, eis que estes dois senhores do wrestling, com o talento e trabalho que desenvolveram no ringue contaram exatamente a história que tinham de contar, ao mesmo tempo que é um combate que até quem não conhece nada dos dois irá gostar, pois é a melhor forma, a meu ver, de se fazer wrestling em 2021. É um combate com uma passada bastante rápida, mas que não deixa nunca de parecer uma competição legítima, assim como tudo o que ambos fazem é vendido e significa realmente alguma coisa.
Sou fã de pequenos pormenores como a forma como o combate se desenrolou no início. O Ilja sabia que tinha de estudar e planear bem este combate, e é por isso que no início do mesmo evita a todo o custo o chop do WALTER, arranjando sempre forma, não apenas de se esquivar, mas também de acertar e atingir o WALTER. Este, por sua vez, começa a ficar irritado e comete alguns erros. Segue-se depois o primeiro chop e o Dragunov aguenta a dor, segue-se depois o segundo, o terceiro, o quarto…e o babyface apercebe-se que está no momento que mais temeu, mas com o qual já teve uma relação antes e por isso sabe exatamente como tem de reagir e contra-atacar o gigante austríaco. Há vários momentos em que sofre revés e faz os fãs temerem pela sua derrota, como a Powerbomb na appron, mas mantém quase sempre o combate competitivo, diferente do anterior por ser também diferente a condição e altura das personagens em questão.
Quanto ao final, é absolutamente perfeito e intocável. O Dragunov não fez o WALTER desistir apenas usando um Sleeper, o Dragunov usou um Sleeper em que levanta o WALTER pelo pescoço. Já imaginaram a dor e o sufoco que não deve ser pendurarem-vos dessa forma pelo pescoço? O WALTER não tinha ali nada que fazer que não fosse admitir a derrota e desistir, está mais que protegido nos 2 anos de campeão e mais do que protegido com este finish, que não toca em nada, mas em nada na sua credibilidade. Depois, estamos a falar do final de um reinado com mais de 2 anos e estamos a falar na maior vitória da carreira do Dragunov, se esta não é altura perfeita para o WALTER perder limpo desta forma, então qual seria? Certamente nenhum de nós queria finais à booking do main-roster. Quando um monstro dominante perde a primeira vez, convém que seja limpo para elevar o babyface que conseguiu tal feito. Não é com batota, não é polémica à mistura e não é certamente com 3-ways…
Podemos assistir no Takeover 36 não só a um excelente combate, mas essencialmente a uma história de wrestling, baseada em competição, em sentimentos e em momentos, que juntou tudo aquilo que um fã da modalidade pode pedir. É uma storyline simples, é algo que toda a gente pôde entender, sem porcarias adjetivas e aleatórias que normalmente estragam vários combates, histórias, feuds e momentos na WWE, por tirarem o foco àquilo que é mais importante. Que pedaço de wrestling, venham mais assim!
Hoje ficamos por aqui.
Até para a semana e obrigado pela leitura.
13 Comentários
Excelente texto
Obrigado.
Combate sublime entre walter e o dragunov.
Espero que em um futuro próximo, tenhamos o Walter vs Gargano em um TakeOver, essa é para mim a grande Dream Match do NXT.
Obrigado pelo comentário. O Gargano tem-me dececionado bastante no último ano e meio, mas acho que o WALTER pode ser o responsável por o voltar a trazer para cima, boa sugestão a tua.
Epá cada vez mais fico “encantado” com a qualidade dos teus textos. Grande artigo!
Muito obrigado 🙂
Sensacional o texto, enquanto eu lia lembrava de alguns raros momentos que acompanhei a rivalidade dos dois, esse texto fez com que eu me arrependesse de não ter acompanhado essa grande rivalidade dos dois. Parabéns!!!!
PS: Queria saber se vão postar o rank dos combates tanto do SummerSlam quanto do Takeover 36.
Infelizmente não Davi.
Muito obrigado.
Apesar de ser ajudado pela pandemia o reinado do Walter foi histórico!
Obrigado pelo comentário. Foi histórico mesmo não contando com o número de dias, a qualidade dos title matches e as histórias à sua volta é que tornaram este reinado do WALTER um must-see da WWE nos últimos 2 anos.
Walter melhor campeão de todos os NXT, e melhor combate do NXT no ano, ótimo artigo.
Obrigado.