Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!
Uma promotora do tamanho da WWE, com os estabelecimentos e equipamentos de treino que possui, com os treinadores de excelência a nível de musculação e nutrição e com os antigos lutadores que hoje se tornaram em excelentes treinadores dos mais jovens e aspirantes a estrelas da WWE, não há como a WWE não procurar ser auto-suficiente em termos do talento do seu próprio plantel, estranho era se não o tentasse fazer. Mais do que isso, a WWE sempre teve um estilo muito próprio, muito mais comercial e simples, muito mais de momentos do que combates, muito mais de personalidades e físicos do que de moves. Por isso, é mais do que natural que a WWE procure aspirantes a lutadores em todo o lado, com pessoas de todos os desportos que possa construir desde o início e reencaminha-los no seu estilo.
Ao longos dos últimos 20 anos, a WWE teve vários territórios de desenvolvimento, ou, utilizando o termo mais moderno, várias brands de desenvolvimento. A OVW, a FCW e, finalmente, o NXT, sempre foram plataformas destinadas a desenvolver lutadores que, depois de completarem o mínimo do seu treino, poderiam lutar perante um público pequeno, ganhar experiência real de ringue, a fim de em alguns meses ou, se assim necessário e consoante o trabalho realizado por cada um desses lutadores, estarem aptos a fazer a sua estreia no RAW ou SmackDown, onde, dependendo do seu estilo de wrestling, personalidade, aspeto, regularidade e até da sua sorte, teriam uma carreira com maior ou menor sucesso.
Mas o percurso destes 20 anos é algo atribulado e erróneo. A OVW foi, certamente, o território de desenvolvimento que formou estrelas com maior sucesso. Batista, John Cena, Brock Lesnar, Randy Orton e Shelton Benjamin são os nomes mais conhecidos. Tudo nomes sem um passado no wrestling, nos chamados independentes, principalmente os de maior nome. Foram ex-desportistas ou bodybuilders em quem se viu uma estrela e se os trabalhou no sentido de alcançar esse resultado. Já a FCW e os primeiros anos de NXT deram-nos vários estrelas, mas a esmagadora maioria delas já tinham um passado em promotoras diferentes da WWE e já vinham com uma fan base e uma exposição que quase ou nenhum trabalho dava à WWE, que não apenas o de os fazer dar o último salto.
Contudo, realisticamente, a fórmula da OVW deu muitos mais resultados e frutos do que a fórmula da FCW e NXT. A OVW era mesmo um pequeno território de desenvolvimento, onde nele trabalhavam pessoas conhecedoras da modalidade a todos os níveis e que podiam ajudar os aspirantes a lutadores, não só a nível físico, mas também a nível mental. Para além de saber cair, é certamente tão ou mais importante fazer com que os lutadores aprendam a economizar o seu número de quedas consoante o adversário, história e combate que trabalhem e a não fazer sempre o mesmo. Para isso, ajudava que muitos lutadores locais com experiência de ringue fossem usados em combates de 5 minutos onde os rookies pudessem parecer bem e lhes ensinassem a psicologia do wrestling e os guiassem nesse caminho.
A FCW e, principalmente, o NXT, pelo contrário, já foram tratadas mais como uma brand associada à WWE, com maior exposição do que alguma vez teve a OVW, que estava afastada dos holofotes e passava apenas em TV local, permitindo aos seus lutadores serem uma verdadeira novidade quando se estreassem no RAW ou SmackDown. Ora, mas a evolução feita nos últimos anos mudou esta fórmula do avesso, sendo que até se pode dizer que o fez no sentido completamente inverso, visto que passaram a ser os lutadores experientes dos independentes a ser os principais projetos de futuro, e os jovens rookies passaram a ser colocados na posição de lhes dar os combates de 5 minutos onde ficassem over, mas onde nada tinham já a aprender. O passo é finalmente dado por altura de 2013/2014 com wrestlers como Kassius Ohno, Antonio Cesaro, Adrian Neville e Sami Zayn. Mais tarde, com KENTA, Finn Bálor e Kevin Owens, e assim consecutivamente.
O que é certo é que a WWE deixou de criar as suas próprias estrelas para passar a ir buscá-las a outro lado, ao mesmo tempo que no Performance Center tinham imensos aspirantes e rookies, mas que poucos ou nenhuns podiam realmente aspirar a chegar muito longe. Esta política começou a crescer e foi uma regularidade até à pandemia começar em 2020, em que a WWE contratava todo o tipo de lutador que estivesse mais ou menos a dar que falar fora da sua empresa. Continuou ainda mais quando a WWE viu que os fãs adoravam este tipo de lutadores devido às suas histórias de vida e trabalho árduo realizado ao longo da mesma, bem como pelo facto de os mesmos já terem formado uma ligação emocional com os fãs, algo que sempre demorou com ex-desportistas e ex-bodybuilders. Afinal, não foram eles que sacrificaram o seu corpo mesmo em arenas mais pequenas à procura do seu reconhecimento na modalidade, foram sim eles que foram escolhidos a dedo e começaram já no topo. Mais do que isso, percebeu que naqueles anos de 2015 a 2017 a cena independentemente estava a crescer exponencialmente e queria também colocar um travão nisso, não havendo melhor maneira de o fazer do que lhes tirando as principais estrelas e obrigando-as a ter que se reinventar constantemente.
No entanto, em meados do ano passado, a WWE finalmente percebeu que este não era o caminho. Um plantel com tanta gente não é sustentável a longo prazo, quer a nível financeiro, quer a nível da qualidade do produto, pois torna-se tudo mais difícil de bookar e vai haver sempre lutadores que serão subvalorizados em relação ao seu real talento. Por outro lado, a WWE meteu na sua cabeça que os lutadores vindos dos indys não são draws devido ao estado das audiências e de desinteresse a que chegou a WWE recentemente. Ora, se obviamente concordo com a primeira ideia, com a segunda a tal conclusão já não poderei chegar. Nos últimos 5 anos não houveram lutadores que foram draws principalmente pela culpa da WWE em ter um booking que não os coloca numa posição em que se possam tornar no que pretendem.
No entanto, este argumento nunca será acolhido na WWE, e por isso se acha que a fórmula da OVW que trouxe Batista, John Cena, Randy Orton e Brock Lesnar era a mais correta, e não a que trouxe Kevin Owens, Sami Zayn ou Finn Bálor. E apesar de considerar que tal é verdade, não é certamente pelas razões que os oficiais da WWE hoje em dia devem ter na cabeça. Seja como for, o despedimento de vários lutadores mais pequenos dos independentes e a aposta recente em lutadores maiores do ponto de vista físico no mais novo NXT parece ser uma tentativa de recuar uns 15 anos no modo de desenvolver talento por parte da WWE. Pessoalmente, este parece-me a mim um passo correto, mas executado em condições que não as que permitiram a Jim Cornette e a Danny Davis formar as estrelas que formaram há 20 anos. Passo a explicar porquê ambas as premissas.
Em primeiro lugar, o NXT tornou-se cada vez mais num produto com um estilo muito indy e que a WWE não procura. Grande parte do seu roster era composto por lutadores fisicamente muito pequenos, que eram essencialmente aquilo que eram pela espetacularidade dos seus combates do que propriamente pela sua personalidade ou aspeto, além que o facto de quase todos serem tratados como estrelas, aproximando mais o NXT de uma terceira brand do que propriamente de um território de desenvolvimento, algo que realmente se destinava a ser em primeiro lugar. Não havia espaço real para desenvolver talento, nem isso era feito de algum modo no programa. Era apenas mais uma brand da WWE, apenas com um estilo com mais liberdade do ponto de vista dos combates, em que os lutadores faziam imensos moves em comparação com o praticado no main-roster.
Percebo quem ache que o NXT já tinha crescido demais para dar este passo atrás, pois já era uma terceira brand, já passa em TV nacional e chegou a vender arenas enormes. Eu percebo isso tudo porque é realmente verdade! A questão é que os oficiais da WWE, verdadeiramente, nunca olharam para o NXT com esses olhos e o seu crescimento sempre foi muito mais impulsionado pelos fãs do que propriamente pela própria WWE, que tinha apenas no Triple H a mente que permitia ao NXT continuar a crescer.
Acredito que quando chegou a TV nacional em 2019, se tivesse conseguido levar a melhor sobre a AEW, num produto mais ou menos parecido (embora diferente em vários aspetos), a WWE desse finalmente o salto na forma como o trata e criasse outra brand de desenvolvimento, mas tal não aconteceu, além de que o RAW e o SmackDown secaram o NXT das suas estrelas e com a pandemia as contratações pararam porque as estrelas independentes em crescimento deixaram de existir. O NXT tal como o conhecíamos e que era acarinhado por muitos fãs havia morrido ainda antes de os mesmos se aperceberem disso e não havia volta a dar. O futuro passava, ou por insistir em algo com pouca perspetiva de vida, ou então mudar a filosofia de acordo com uma fórmula que dera frutos no passado.
Por conseguinte, o estilo da WWE nunca foi os Johnny Garganos, nem os Adam Coles, nem os Kyle O’Reillys, nem os Kevin Owens ou os Sami Zayns, o estilo da WWE é ter lutadores com um físico mais imponente, com definição ou sem ela, que chamem à atenção e que tudo o que façam no ringue pareça ter impacto e não necessite de ser repetido inúmeras vezes para criar uma reação. A WWE é os Batistas, é os Randy Ortons, os Brock Lesnars, os John Cenas e os Roman Reigns. Claro que havia tempo para wrestling e bom wrestling, mas essa nunca foi a ideia que a WWE procurou para as suas principais estrelas. Nomes como William Regal, Fit Finlay, Eddie Guerrero ou Chris Benoit podem ter ido ao main-event uma vez ou outra, mas eram essencialmente mid-carders que tinham sempre o melhor combate do card exatamente nessa posição. O main-event costumava ser das verdadeiras estrelas, transversais ao wrestling e que toda a gente pudesse reconhecer como tal, e não apenas os fãs da modalidade.
O NXT surgiu em crescimento por os fãs hardcore verem nele uma alternativa a esta ideia presente no RAW e SmackDown, mas que já não é possível hoje em dia, quando a AEW tomou conta do estilo e o aperfeiçoou com um booking melhor, com momentos mais grandes e com melhores promos devido à liberdade que confere aos seus lutadores. Por todas estas razões, a meu ver, não havia como o NXT de 2018 e 2019 continuar a existir e o caminho tomado, apesar de discordar na sua execução, parece-me o correto. Se isso irá fazer com que menos pessoas vejam o NXT? Certamente. Se isso irá fazer com que um dia a USA Network perca o interesse no programa e o mesmo volte à WWE Network? Provavelmente. Contudo, a WWE tem que definir o que é o NXT e trata-lo como tal, se uma brand de desenvolvimento, ou uma terceira brand mais ou menos equiparável ao RAW e SmackDown. Se a WWE escolher e parece ter escolhido a primeira, então também acho que também estará disposta a aceitar essas consequências em prol de resultados que possa vir a colher no futuro.
No entanto, há coisas aqui que tenho grande dificuldade em ver fazerem este recuo de 15 anos funcionar. Em primeiro lugar, o Performance Center parece-me sempre uma escola de bumps e não uma escola de wrestling na totalidade, dado que quase todos os lutadores que saem de lá parecem saber o básico no que diz respeito a saber cair e à segurança dos seus moves, mas a nível de psicologia e saber compor um combate parecem-me claramente deficientes. Caem todos nalgum tipo de rotina de combate e de sequências que fazem sempre independentemente da história ou adversário. Por outro lado, parecem quase todos iguais, são quase todos excelentes físicos e não há qualquer tipo de variedade, salvo exceções como o Odyssey Jones. Por fim, não têm os lutadores locais experientes para trabalhar e estão condenados a não evoluir para além do estilo do PC.
E isto tudo como se já não bastasse o booking paupérrimo da WWE atualmente, que trata todos como iguais, todos como números, todos como robots ou autores que pode a qualquer momento substituir ou dispensar. Todos virão com a história do “é o meu sonho de criança estar aqui, obrigado WWE”, todos eles vão chorar quando ganharem um título com valor absolutamente nulo, todos eles vão dizer palavras decoradas, frias e sem sentimento ou significado. Lutadores que sejam capazes de fazer a agulha mexer nunca mais existirão com um booking destes e é isso que a WWE não percebe, porque havia realmente falhas no NXT e uma enorme falta de compatibilização com o que era apresentado no RAW e SmackDown, seja para o pior, seja para o melhor, mas é impossível culpar alguém de não atingir o seu total potencial quando não o deixam trabalhar de forma a mostrá-lo. É isso que a WWE não percebe, não percebeu e vai continuar a não perceber, vai continuar a mudar tudo menos aquilo que devia de mudar.
Hoje ficamos por aqui.
Até para a semana e obrigado pela leitura.
8 Comentários
Os meus parabéns 👏
Tocas-te em todos os pontos que tinham de ser falados e não deixaste nada sem resposta.
Já agora adorei a última frase, é exatamente a realidade atual na WWE, toda a gente vê menos eles.
Muito obrigado!
Tiraste-me as palavras da boca. Grande artigo.
Muito obrigado.
A WWE, ao meu vê, fez uma má mudança no NXT, acredito que a fórmula que funcionou a 20 anos atrás não funcionará tão bem agora. Ótimo artigo.
Obrigado.
Excelente artigo! Apesar de ter alguma pena que o “velho NXT” tenha acabado, este NXT 2.0 tem-me despertado imensa curiosidade. 👏🏻
Boas Salvador, obrigado por teres lido. Confesso que apesar de tudo também tenho estado atento a este NXT 2.0, algo que já não andava a fazer quanto aos últimos tempos do “velho”.