Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

A AEW nasceu no início de 2019, mas só em outubro desse mesmo ano, após uma fase embrionária em que pouco ou nada se podia antecipar acerca do que poderia vir ser o seu produto semanal futuro, se pôde começar a tirar conclusões acerca do rumo que esta jovem promotora iria traçar. A verdade é que desde cedo a AEW foi lançada aos mais altos voos da realidade do wrestling atual, conseguindo um lugar em televisão nacional. E isso aconteceu devido a quem esteve disponível para investir o imenso dinheiro necessário para que a AEW pudesse existir e começasse de imediato no topo, a família bilionária Khan, mas também ao facto de ter conseguido o grupo de lutadores que mais sucesso fez fora da WWE em muito tempo, a Elite e os seus principais nomes, Kenny Omega, Cody Rhodes e os Young Bucks, assim como duas estrelas ex-WWE, que apesar de com o tempo terem passado a ser sinónimo da empresa de Vince McMahon, acabaram por manter sempre as suas personalidades e individualidades e encaixaram que nem uma luva no produto que a AEW procurou produzir desde o primeiro dia. Estou a falar de Chris Jericho e Jon Moxley.

E foi então que chegando à hora da verdade, certamente que conquistou a esmagadora maioria dos chamados fãs hardcore devido a quem eram as suas principais estrelas e, principalmente, por os mesmos terem finalmente uma alternativa à WWE, depois de anos a queixarem-se do seu produto e a terem que ver todos os seus lutadores em quem investiam a afundarem-se no booking, descrédito e mau tratamento que receberam na maior empresa de wrestling do mundo. A acrescentar a isso, a AEW procurou sempre marcar diferenças face ao produto da WWE, dando mais tempo aos combates, acabando com a câmara invisível, acabando com a ideia de que os wrestlers são atores que decoram umas falas que depois debitam sem qualquer sentimento, além de que foi sempre procurando que os seus títulos tivessem real significado, que as suas histórias fossem longas e minimamente bem pensadas e planeadas e que os rematches constantes parassem e tivessem lugar apenas quando necessário.

Brain Buster #126 – A AEW mudou

Mas tudo isto que eu estou a falar, em comparação com a WWE, penso que não será muito difícil de fazer. Todavia, o que eu sempre valorizei acima de todas as outras coisas na AEW foi a liberdade, não só ao nível das promos, como ao nível dos combates, e penso que foi esse o fator que acabou por, mais tarde, provocar uma mudança no conteúdo da AEW. E apesar de retomar esta esta ideia mais tarde, digo desde já que não são os lutadores que precisam da empresa, mas a empresa que precisa dos lutadores, estes devem sempre tratar-se a si mesmos como individualidades para lá da empresa em que trabalham. Empresa e lutador devem sempre cooperar de forma a fazer o maior sucesso possível, mas nunca, e repito, mas nunca, um lutador, ou pior, o plantel quase todo, se pode diluir no que é a empresa e ser apenas mais um, apenas mais um número, apenas mais um boneco ou mais um fantoche nas mãos da promotora, como infelizmente acontece na WWE hoje em dia.

A AEW, honra lhe seja feita, e para o pior ou para o melhor, sempre tratou os seus lutadores desta forma, dando até mais liberdade, a meu ver, do que deveria ter sido dado a certos lutadores. As palavras das suas estrelas não parecem escritas linha a linha, palavra a palavra por um grupo de “writers” que trabalham no wrestling da mesma maneira que trabalhariam em qualquer outro programa de televisão e, ao nível do trabalho in-ring, não será certamente pela falta de oportunidades em mostrar o que vale nesse aspeto que algum lutador possa falhar durante a sua passagem pela AEW.

Contudo, este tipo de ideias e filosofias só funcionam com uma condição: é que tem de haver talento e qualidade no roster para que funcione. E se hoje em dia a AEW tem um belíssimo roster, que junta um conjunto de veteranos, estrelas, lendas e jovens muito forte, tal não foi sempre assim. Em alguns pontos do show, ainda não é. Eu sempre desejei o melhor sucesso à AEW desde o seu início, mas nunca neguei que certos aspetos me desiludiram pessoalmente. Estou a falar do roster inicial da promotora, não só cheio de lutadores que ainda não tinham qualquer experiência em televisão nacional, como com lutadores (e peço desculpa a quem discordar) que a meu ver não tinham o talento, o aspeto, a personalidade ou o carisma para terem este tipo de oportunidade. E se é verdade que alguns deles evoluíram imenso e me provaram errado e outros se tornaram mais toleráveis, também verdade é que alguns ainda por lá andam, mas foram relegados para os programas de YouTube e deixaram de aparecer no Dynamite e agora também no Rampage.

Por outro lado, o facto de o Tony Khan fazer questão de assumir o booking sem ter qualquer experiência, de reunir um grupo de lutadores como o QT Marshall, também sem conhecimento nestas andanças para montar o seu show não me pareceram as opções ideias para começar uma promotora com uma importância deste nível. O Tony Khan, apesar de saber perfeitamente colocar um card excecional no PPV e de saber entregar todos os grandes momentos de uma rivalidade no momento certo, acabou por ter muita dificuldade em manter um booking coerente de semana para semana e, certas vezes, um booking que fizesse algo mais para ver um combate que inicialmente já se teria interesse em ver. Não estou a dizer que um booking pode ser perfeito, estou sim a dizer que o booking do Tony, apesar de estar longe de ser paupérrimo e andar sempre em média acima do razoável/bom, teve momentos que saíram ao lado e não correram anda bem e falhas em pormenores e detalhes que fizeram a diferença pela negativa. No mesmo sentido, a equipa responsável por pôr o evento num todo e delinear os combates e segmentos também comia muitos erros, assim como a própria equipa de produção, ao nível do som.

Brain Buster #126 – A AEW mudou

Basicamente, todos estavam a olhar para um admirável muito novo, no qual queriam muito trabalhar, mas não tinham 100% a certeza de como o fazer ou a melhor maneira de o fazer. Tinham sim ideias novas, criativas e prontas a experimentar e tinham, principalmente, um amor ao seu trabalho e ao próprio wrestling que torna tudo mais apreciável, até para os fãs, quando persentem que a modalidade que em tanto se investem é praticada por pessoas que a querem proteger, mesmo que por vezes se cometa erros quanto a esse objetivo. Mas como qualquer aluno com dificuldade em matemática que pratique todos os dias, como qualquer estagiário que esteja atento e aprenda com os outros, como qualquer criança que aprenda a lançar um pião ou como qualquer pai ou mãe que o tenha sido recentemente, não tinha como estas pessoas também não evoluírem no seu trabalho, cometendo muitos menos erros, contratando outras pessoas certas, pedindo conselhos a outras, etc. E se esta não é a principal mudança de que ainda falarei neste artigo, não quero dizer, no entanto, que ela não seja porventura quase tão importante da qual falarei a seguir.

Uma outra coisa acerca da qual tinha as minhas dúvidas era relativamente ao estilo in-ring que a AEW usava. Pois se é verdade que o modelo que dá liberdade a todos os lutadores nesse aspeto funciona na maravilha quando há talento, já menos bem funcionará quando ele não existe, ou não existe para o sítio certo. Ora, numa altura em que a WWE mantinha uma política de contratação agressiva e uma verdadeira caça à mínima estrela independente que estivesse a fazer relativo sucesso, a AEW acabou por ficar com um roster que em termos de qualidade ficou aquém do que se exige para o nível em que começou. Diria até mais, a AEW partia claramente numa 3ª posição de melhor roster do wrestling na altura, não só atrás da WWE, como ainda atrás da NJPW. Hoje, porém, acho muito difícil não arranjar argumentos que justifiquem a equiparação do roster da AEW ao da WWE e NJPW.

Mas víamos todas as semanas um estilo demasiado independente. O que quero dizer com isto? Bem, os momentos em que objetos externos eram usados em matches com regras, sem regras ou mesmo fora dos matches era claramente excessivo, o tempo dado a lutadores e a qualquer tipo de lutador, independentemente da qualidade, também era absurdo e o número de moves por match era desproporcionado. Eu sei que há quem goste deste estilo de wrestling, que eu respeito e por vezes até aprecio quando o momento e o lutador são os corretos, mas esse estilo não pode ter lugar em televisão nacional naquela quantidade. As estrelas formam-se quando fazem algo de especial, então, se todos os outros lutadores do roster mostram que conseguem fazer exatamente a mesma coisa, quem será então a verdadeira estrela? Também ao nível das promos, tirando certas exceções, muitos também mostraram que nada tinham a oferecer desse ponto de vista. Em suma, se é verdade que a promotora deve dar liberdade aos seus lutadores, também convém que a mesma tenha alguns critérios quanto ao facto de estar em televisão nacional. Tudo isso me parecia desconsiderado, pois tudo valia e estava a valer.

Mas e se imaginássemos, não só este modelo com a presença de lutadores fortíssimos a nível de talento e qualidade no ringue, como também de verdadeiras estrelas que estão over enquanto personalidade e muito para além do que qualquer coisa que façam dentro das quatro cordas? E se de um momento para o outro a AEW conseguisse nomes como Christian Cage, CM Punk, Adam Cole ou Bryan Danielson? Bem, acho que a própria realidade fala por mim, e o sentimento que eu tenho é que a AEW mudou, o seu produto mudou, mas não mudou nada de extraordinário na sala do booking, nem ao nível de produção, bastou apenas contratar estrelas, contratar verdadeiros lutadores que mexam a agulha, seja no ringue, no microfone e até nas audiências. E tudo isto ao abrigo da liberdade que se estabeleceu desde logo no conteúdo e ambiente da AEW.

Brain Buster #126 – A AEW mudou

Mais estrelas e lutadores de alto nível passaram a ocupar lugares e segmentos dos shows semanais, passaram a rodar entres si pelo menos um ou dois combates completamente legítimos e credíveis por semana, passaram a construir promos intensas e reais em que possamos acreditar. A estreia do CM Punk marca claramente uma mudança na AEW, e uma mudança não apenas na consistência em ultrapassar a barreira do milhão de espectadores todas as semanas, mas também uma mudança no estilo in-ring, forçado pela liberdade dada a um conjunto de lutadores com experiência, talento e qualidade, sem que fosse preciso muito mais. Isto é, o Punk sozinho não conseguiria provocar uma mudança destas se não tivesse tido alguns pilares a aguentar o resto do evento. E se muitos deles já estavam na AEW, outros vieram para ajudar e encaixaram muito bem na companhia do Tony Khan.

E atenção que não estou a dizer que os eventos são perfeitos, estou sim a dizer que, a meu ver, a base do show e a ideia por detrás dele é agora muito mais acertada do que era no início. É uma ideia que consegue manter, recuperar e recrutar fãs, sejam eles fãs hardcore, casuais ou até não fãs de wrestling que gostem de personalidades fortes como a do CM Punk ou conheçam a história do Bryan Danielson e se sintam por vezes interessados em ver o que ele anda a fazer. A AEW tem hoje um momentum nunca antes tido e que nenhuma promotora nos últimos 20 anos teve, tem um potencial de crescimento ainda largo e uma sustentabilidade ridícula. Além disso, sabe quando e como entregar shows que os fãs querem ver, consegue manter várias surpresas ao longo das semanas e sem que isso seja necessariamente o chamado “hot shoting” porque nada acontece por acaso, tendo sempre uma explicação lógica e nunca acontece isoladamente, mas sim dentro de uma história, de uma rivalidade ou de uma objetivo presente no programa de TV ou fora dele.

Eu não sei se há uma ideia do que deve ser um programa de wrestling semanal americano em 2021, mas o que me parece porventura mais que certo em dizer é que o AEW Dynamite é certamente aquilo que mais se aproxima disso. Passou a ter combates mais legítimos e credíveis mesmo com os lutadores que anteriormente tinha claramente isso como handicap devido à presença de veteranos e verdadeiros profissionais e colocou um travão em vários No DQ matches, tendo-os guardado para histórias que realmente se justificam. Claro que não gosto dos combates em que regras são desrespeitadas privilegiando a ação e claro que às vezes ainda vão mais longe do que eu propriamente gostaria que fossem. Mas só uma pequena questão: e depois? Tentando ver as coisas de uma forma mais imparcial, numa altura em que o wrestling, como qualquer desporto ou tipo de arte é pouco popular e é muito difícil ter novos fãs, talvez arranjar um produto em que o estilo in-ring agrade mais aos fãs modernos ao mesmo tempo que também tem momentos que até fãs mais tradicionais como eu acho acham deliciosos e talvez nunca apresentando a mesma coisa, procurando a novidade e a diversidade de estilos e personalidades seja a melhor forma de fazer wrestling a este nível em 2021. Pessoalmente, não vejo como esta ideia se toca sem ser pelo gosto pessoal de cada um, que já agora, é muito difícil de não estar representado no produto da AEW, pois há verdadeiramente segmentos e combates para todos os gostos.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

14 Comentários

  1. Ótimo artigo.

  2. Ronaldo3 anos

    AEW foi e é um fenômeno muito agradável e necessário no wrestling

  3. Ótimo artigo, como já vêm sido de costume.

  4. MR Catra3 anos

    Bom artigo.

    AEW é uma promotora integra e de qualidade, e me fez voltar a sentir gosto por essa modalidade.

  5. SandroJr3 anos

    Não é absurdo nenhum dizer que a AEW é a melhor companhia de wrestling da atualidade, ótimo artigo.

    • Obrigado pelo comentário. Se nos primeiros 6 meses de 2021 atribua esse prémio à DDT, já na segunda metade do ano teria muita dificuldade em não o atribuir à AEW.

  6. Punk3 anos

    Grande artigo sim senhora

    Agora por ler o artigo pq nao fazer 1 de AEW vs WWE sobre isto tudo que falaste aqui por exemplo e ver a tua opiniao de que 1 empresa é melhor que outra e vice versa e assim ate nos nos comentários podíamos dar a nossa opinião sobre isso

  7. Filipepc3 anos

    Eu gostei do artigo.
    Sabes que a minha ideia baseia se no pon3em que a AEW tem algo que toca o público é os lutadores.
    Ao público deu novamente esperança de ter um show verdadeiramente com pés e, cabeça, mais próximo do que este tanto tem pedido e a WWE não consegue entregar. Aos lutadores deu liberdade, e satisfação. E qual o trabalhador que não gosta de trabalhar num ambiente saudável? Pois… Ao juntar nomes fortes a AEW deu um passo gigante rumo ao seu sonho… E aparentemente mais estão a chegar… Como fã de wrestling à 30 e tal anos fico satisfeito.