Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!
Desde 2011 que a WWE introduziu uma nova forma de se promover e que teve consequências imediatas na sua forma de gestão, com consequências nos aspectos mais práticos possível, como ao nível do booking e até na forma de organização dos programas semanais e PPV´s. Mas se esta nova forma pode ter tido resultados positivos a nível financeiro e de valorização das acções na bolsa, a verdade é que se revelou como uma grande dor de cabeça na delineação a longo prazo e até no descontentamento dos fãs, que se revelaram, e cada vez mais relevam, contra essa forma de gestão.
Estou a falar da utilização frequente de lutadores em part-time. Tudo começou com The Rock a ser anfitrião da WrestleMania 27 e a lutar nas duas WrestleManias seguintes, na última das quais inclusive como campeão da WWE. Outras nomes se juntarão como Batista e Goldberg, e se é verdade que o primeiro sempre foi o mais altruísta de todos, a utilização de Goldberg sempre se relevou prejudicial quer para o booking, quer para a credibilidade dos lutadores que enfrentou e restantes. Mais recentemente, mas ainda sem grandes consequências imediatas juntou-se John Cena a esta lista.
Mas os nomes mais paradigmáticos e com utilização mais frequente deste modelo de gestão foram The Undertaker, Triple H e Brock Lesnar. É conhecida a minha opinião sobre os últimos anos do Taker, já aqui a deixei num artigo e não vejo necessidade de as repristinar. Triple H foi dos que teve histórias mais consistentes e a sua presença na Mania ou em qualquer show que lutava raramente quase sempre se justificou. Já Brock Lesnar foi o nome mais visado pela crítica, dado que desde que regressou em 2012, foi campeão várias vezes e ficou sempre imensos meses sem defender o seu título.
Mas é sobre os seus últimos tempos que tratará este artigo, que confesso ter apreciado o seu booking e utilização, que mesmo estando longe de ser perfeitos, têm-se revelado uma agradável surpresa em muitos aspectos.
No entanto, antes de chegar a esse importantíssimo ponto, peça central deste artigo, importará perceber porque este modelo de gestão com utilização de part-timers é prejudicial ao booking, à credibilidade dos restantes lutadores e ao apreço (ou falta dele) que vários fãs sentem por essa utilização. Talvez, hoje, ainda haja um grande número de fãs que goste de ver as estrelas do passado e da sua infância/adolescência lutarem, mesmo que por poucas noites, mas a verdade é que os fãs interessados, conhecedores e conscientes de que essa utilização tem consequências negativas a curto e a longo prazo, tendem a aumentar. Desde cedo me incluí neste grupo.
Como consequência imediata podemos referir-nos aos vários momentos em que algum destes nomes foi campeão. O primeiro a sê-lo nestes moldes foi The Rock em 2013, mas o seu curto reinado em nada se deixou de equiparar a qualquer outro reinado de qualquer outro campeão da WWE. Venceu o titulo, defendeu o título e perdeu o título no período entre o Royal Rumble e a WrestleMania e nunca sentimos a falta da sua presença nos eventos semanais. Em moldes semelhantes, foi Triple H campeão em 2016, mas até porque as suas funções na WWE não são propriamente só as de lutador, não teve qualquer problema em fazer mais datas, em defender o título, até perdê-lo no mesmo período do ano que The Rock.
Este problema tem-se sim colocado quanto aos vários reinados de Brock Lesnar. Relembro que este foi campeão da WWE entre 2014 e 2015, campeão Universal entre 2017 e 2018 e, mais recentemente, é o actual campeão da WWE desde finais do ano passado. A crítica principal que sempre se fez a este reinado foi o distanciamento entre as várias defesas. Lesnar podia estar quase 4 meses sem defender o título e nem sequer era mencionado no RAW, que tinha um booking apesar do seu campeão e não à volta dele, como é usual.
Confesso que sou da opinião que os títulos mundiais não devem ser defendidos muitas vezes por ano. Se contarmos 12 PPV´s, na minha opinião, ele devia ser defendido em 6 e mais duas vezes no programa semanal da brand em que se insere. Atentem no booking do IWGP title da NJPW, e o quantas vezes é defendido por ano e surpreender-se-ão. Por isso, quando o Lesnar não defendia o título não era uma das vozes críticas, como ainda não sou e principalmente agora.
O que a mim sempre me fez fazia confusão e que não podia aceitar, era o facto do Lesnar desaparecer completamente, obrigando o booking a funcionar sem a sua presença, com dezenas de semanas seguintes sem os comentadores sequer referenciarem o seu campeão, sem os lutadores da brand poderem aceder ao contacto com ele e, mais do que isso, as suas defesas do título sempre se destinaram a um universo de 2/3 lutadores, sem qualquer hipótese de modificação ou inovação, que criasse qualquer interesse nos fãs.
Convenhamos que não é isso que se tem verificado nos últimos tempos, sendo este um dos vários aspectos em que temos de dar o braço a torcer quando ao Lesnar. Na minha opinião, desde o Survivor Series 2018 tem tido o melhor booking de qualquer outro part-timer na WWE.
Olhando para este aspecto em específico, o Lesnar enfrentou Daniel Bryan, Finn Bálor e Seth Rollins desde que comecei a fazer esta análise. E já enfrentou Cain Velasquez, Rey Mysterio e até teve uma excelente prestação no Royal Rumble, de que irei voltar a falar. Mais do que isso, está planeado voltar a defender o seu titulo contra Ricochet antes da Mania e no maior evento do ano contra Drew McIntyre. O número de combates está, assim, a aumentar durante o período que é campeão e, mais do que isso, o booking voltou a ser em torno de si e já não apesar da sua existência.
Outro ponto de fácil crítica quanto aos part-timers é o facto de tirarem o lugar aos trabalhadores do dia-a-dia da WWE, aos lutadores que estão lá todos os dias por ano a darem o seu melhor. Não é que se lhes tire o salário, mas tiram-se combates nos maiores eventos do ano. WrestleMania e SummerSlam costumam ter a participação de vários part-timers, deixando lutadores mais jovens ou novos aos olhos dos fãs sem oportunidade de brilharem nos grandes palcos. Porque será que a WWE tem assim tanta dificuldade em criar novas estrelas? Porque será…
Esta crítica só não se justificará se a presença desses part-timers se justificar. A presença de The Undertaker e Goldberg não se justifica nunca, a meu ver, pois quando aparecem é para uma entrada, para uma ovação do público e para nada mais. Não têm histórias que criem interesse, os seus combates são, na maioria das vezes, muito fracos, a roçar o paupérrimo e não ajudam ninguém. Com Triple H e Brock Lenar isso acabou quase sempre por não acontecer, mas ainda assim aconteceu por vezes.
Mais do que uma falta de fundamentação da sua presença, que não dinheiro, o que acontece é que, ou voltam para “Show Downs” com outros part-timers, que na esmagadora maioria das vezes já tinham enfrentado no passado, ou enfrentam jovens lutadores em crescimento, que também na esmagadora maioria das vezes são quase degolados por si, descredibilizando todo o seu percurso até esse combate e nunca deixando transparecer que as estrelas do presente e futuro podem competir com as do passado. Mais uma vez, porque a WWE não consegue criar estrelas tão grandes como no passado? Porque será mesmo…
Mas quanto ao Lesnar, isso já não mais se justifica. Já não acontece que seja obrigado a lutar múltiplas vezes com John Cena, Goldberg, Taker e até com Triple H, aos quais Roman Reigns sempre foi a excepção. Vimos que o Lesnar tem enfrentado nomes bem diferentes destas estrelas e bem diferenciados entre si, como referenciei há uns parágrafos. Mais, muitos destes lutadores podem perder o combate, mas saem valorizados do bom combate e de terem conseguido fazer frente a este bem poderoso lutador. O exemplo mais paradigmático disto é Seth Rollins. Se em 2015, mesmo enquanto campeão da WWE, serviu de isco de credibilização para o Lesnar antes de este voltar a entrar em feud com Undertaker, em 2019, não só as interacções entre os dois foram óptimas, como Seth, para meu espanto, venceu o Brock duas vezes, nos dois maiores eventos do ano.
Por muito que critiquem ou falem, o certo é que alguma coisa no booking do Lesnar mudou e, a meu ver, mudou para melhor.
Os próprios resultados dos seus combates aparecem numa lógica muito mais racional que antes, em que se pensava somente a curto espaço e na perspectiva de criar momentos sem futuros. Hoje, criam-se futuros com esses momentos. Vou-me fazer explicar melhor. Brock Lesnar perdeu para John Cena em 2012 porque este era a estrela da história. Brock Lesnar perdeu para Triple H em 2013 porque este não ia acabar a carreira. Brock Lesnar perdeu para Undertaker em 2015 para o Taker ter a sua desforra da primeira derrota sua na WrestleMania. Brock Lesnar perde para Goldberg por mero capricho de criar um momento surpresa. Tudo momentos finais, presentes e sem longevidade que se bastam num único momento e para os quais o futuro não existe.
Hoje, Brock Lesnar venceu AJ Styles e Braun Strowman para perder para Reigns; venceu Daniel Bryan e Finn Bálor para perder para Seth Rollins; e acredito que venceu Kofi Kingston, Cain Velasquez, Rey Mysterio e vença Ricochet, para perder com Drew McIntyre. Percebem? A lógica é de um pensamento a médio e longo prazo, que permite criar estrelas, valorizar Lesnar e todos os seus oponentes, mesmo que saiam derrotados no final de contas.
Foi é pena que tivessem demorado cerca de 5/6 anos para o bookar desta forma. Recordo que até 2018, Lesnar tinha apenas derrotas para John Cena, Triple H, The Undertaker e Goldberg, tudo estrelas em ascensão e que beneficiariam dessas vitórias (percebam a ironia). Só a partir de 2018, começou a perder para nomes como Roman Reigns e Seth Rollins, e bem. Este número nunca deveria ter sido muito grande, mas a aumentar, que seja para futuras estrelas. Drew McIntyre encaixa na perfeição nesse perfil.
Mas o que tenho gostado no Lesnar nos últimos tempos é a sua “humanização”. O quero dizer com isto? Quando o Brock regressou em 2012, voltou com uma aura que o tornava especial. Os anos, vitórias e títulos que venceu na UFC davam-lhe uma onda de credibilidade que mais nenhum lutador na WWE tinha. E, mesmo depois daquela derrota inicial com John Cena, isso não se perdeu, em boa razão devido à conquista da Streak do Taker na Mania.
Mas hoje, essa aura cada vez mais deixou de existir. Principalmente as duas derrotas para Seth Rollins permitiu ao Lesnar desanuviar daquela personagem séria e já chata do “mauzão” que vai destruir tudo e todos e que está sempre zangado com a vida. Nos últimos tempos, já o vimos a dançar com a mala do MITB a fazer de coluna, já o vimos a interagir com R-Truth, a despachar Ricochet com um low blow para não se cansar muito, a dançar ao som da música do MVP, a gozar com Shelton Benjamin por este ter pensado que iam unir forças no Royal Rumble, entre outros momentos.
E isto é possível mantendo ainda uma credibilidade de capacidade de destruição do Brock? Claro que sim. Não o impediu de ter destruído Seth Rollins antes da Mania e antes do SummerSlam. Não o impediu de ter destruído Rey Mysterio e Dominick e de se tornar campeão da WWE vencendo facilmente Kofi Kingston. Mais uma vez, entre outros exemplos.
Mas é claro que não tem sido tudo perfeito. A forma como venceu o Money in the Bank o ano passado foi das coisas mais ridículas que já vi, não apenas o ano passado, nem sequer na última década, mas de sempre. Não só a forma como venceu foi completamente desajustada, como a sua utilização também. Para quê gastar aquela oportunidade no Seth Rollins se voltaria a perder novamente para ele. O Seth já o tinha vencido e teve de se dar novamente uma derrota ao Lesnar que foi desnecessária.
Imaginem que o Lesnar tinha guardado a mala e utilizado em Kofi Kingston num momento de fragilidade deste? Era menos uma derrota do Lesnar e os fãs já não iam pensar tanto na forma como o Kofi acabou por perder o título, que até a meu ver, foi exagerada.
Mas epicentro deste booking, bom, mas não perfeito, foi a participação de Brock Lesnar no Royal Rumble de há umas semanas. Sim, é verdade que lutadores que mereciam uma interacção muito mais participada com Brock Lesnar como Cesaro e Shinsuke Nakamura foram demasiadamente controlados e facilmente eliminados, quando podiam ter tido outra participação.
Mas aquelas 13 eliminações iniciais tiveram dois aspectos positivos. Primeiro, permitiu que vários lutadores do low e mid-card interagissem com Brock Lesnar, coisa que não ia acontecer se esta participação do Lesnar em nº1 nunca acontecesse. Elias, Shelton Benjamin, John Morrison, entre outros, nunca teriam oportunidade de interagir verbalmente e fisicamente com Lesnar se não foste desta forma.
Por outro lado, mostrou algumas fraquezas de Brock Lesnar e, mais do que isso, voltou a humanizá-lo. Como o tempo foi passando, este lutador começou a ficar cansado, a mostrar dificuldade em mostrar a mesma capacidade de dominância de sempre. A cara de receio quando Keith Lee entrou, quando Braun Strowman entrou e, mais do que isso, o aproveitamento destes se terem distraído entre si, para o Lesnar os eliminar aos dois, mostrou inteligência acima de força e deu-nos uma nova faceta do actual campeão da WWE.
A cereja em cima do bolo foi mesmo a sua eliminação por Drew McIntyre, que venceria o Royal Rumble. O seu confronto está já agendado para a WrestleMania, num combate que estou bastante desejoso para ver, um Dream match pessoal que tenho desde que Drew voltou à WWE. Mais do que isso, a possível vitória deste último na Mania vai criar uma estrela. Pelo menos assim o espero eu.
Em suma, há que dar o braço a torcer nestes últimos tempos de Brock Lesnar na WWE, muito mais interessantes e muito mais divertidos.
Hoje ficamos por aqui.
Até para a semana e obrigado pela leitura.
6 Comentários
Meu comentário não vai ser exatamente sobre o artigo, mas envolve o tema Brock Lesnar.
Eu não gosto do personagem do Lesnar, não gosto nem um pouco de como são os combates dele, e odeio com todas as forças o booking que ele recebe. O booking dele para mim é uma das coisas que na WWE mais atrapalham o produto.
Para não passar desgosto e raiva, eu não assisto nada que envola o Lesnar, deixo para quem gosta, já tem anos que eu faço isso, se o Drew vencer na WM, eu devo ver o final da luta pelo menos, para prestigiar o Drew, eu disse que só ia ver o final, porque o começo deve ser aquela sequência de Suplex, que eu odeio ver.
Já fazem anos que eu não assisto o que me desagrada na WWE/ Main Roster, vejo apenas alguns combates de PPV, vejo apenas algumas partes do RAW/Smack semanal, não vejo nada que o Lesnar/Goldberg fazem, não vejo os eventos da Arabia, fiquei bem longe do retorno aos ringues do HBK. Uso esse tempo para ver conteudos que tem me agradado bem mais com o NXT e a NJPW.
Obrigado pelo comentário. O Brock Lesnar tem um estilo muito próprio, longe do que assistimos habitualmente em qualquer lutador. Eu gosto bastante deste estilo mais realista e brutal, mas compreendo que há quem não goste.
Acho que a gestão do teu tempo é óptima, porque a minha é muito parecida.
O Brock Lesnar com o MITB foi hilariante. Eu só me ria quando ele começou a dançar, para mim foi um dos momentos do ano.
Obrigado pelo comentário. Também achei ahahah.
Não concordo com algumas coisas do artigo, como no fato do campeão defender o título 6 vezes por ano e quando vc comparou com a NJPW, a WWE e a NJPW tem bookings totalmente diferente, na WWE já é normal o campeão máximo defender o título várias vezes no ano, na WWE existem muito mais shows, por esse fato os campeões tem de defender o título várias vezes, enquanto na NJPW tem uma quantidade menor de shows e eventos. Já no caso dele ser campeão não concordo pois acho que um campeão tem de aparece em todos os shows para mostra o título máximo da companhia, e o Lesnar além de não aparecer os combates do mesmo são demasiados curtos, e eu não gosto nem um pouco, mas assistirei esse quase squash contra o Ricochet pois gosto do mesmo. Tirando isso, artigo interessante.
Obrigado pelo comentário. Se bem te recordas, na minha opinião, a WWE devia reduzir o nº de shows, pelo que se o campeão passasse a faltar a um ou outro, pouca gente ia notar. Mas percebo a tua opinião, este é um assunto que é tudo menos pacífico.