Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Numa altura em que o planeta e a sociedade internacional enfrentam a maior ameaça à sua realidade, e num momento em que muitos dos meus caros leitores (tal como eu) se encontram, ou fechados em casa, ou com um número de saídas bastante limitado, nada melhor que encontrar formas de nos entretermos. Wrestling é uma óptima ideia, não fosse variadíssimos shows terem sido cancelados…

Mas sabem o que também é uma boa forma de ocupar o vosso tempo? Ler o Brain Buster. Esta é, claramente, uma declaração desinteressada. Ou não… E como esta semana nada de novo aconteceu no mundo do pro-wrestling, assim como no resto do planeta, à excepção do um conhecido vírus, decidi repristinar um tema que divide muitos fãs da modalidade e sobre o qual queria falar há já bastante tempo. Como já se deram nota, irei dar hoje a minha opinião sobre a Attitude Era.

Para quem não sabe, esta foi uma fase na vida da WWE, que mais do que muitas audiências ou fãs, dinheiro ou glória, permitiu à maior empresa de wrestling do mundo da actualidade sobreviver. A existência desta fase, explica-nos, hoje, por que não estamos a falar de uma “WCW Network”. Iniciou-se por volta de 1997, sendo que o momento que quase toda a gente aponta como o acontecimento chave para o início definitivo da Attitude Era é o controverso acontecimento do “Montreal Screwjob”, em que Vince McMahon combina com Earl Ebner fazer Bret Hart perder o título da WWE (na altura WWF) para Shawn Michales na sua terra natal, sem o próprio saber.

Esse acontecimento, marcou a saída da maior estrela da WWE dos últimos anos à época e criou uma personagem que nas próximas 2 décadas viria a ser usada em toda e qualquer promotora com um programa semanal (inclusive na WCW com Eric Bischoff): o patrão injusto que tem os seus preferidos. Vince McMahon é a alma dessa gimmick, e a sua feud com Stone Cold que atravessou toda a Attitude Era, primeiro, nunca teria existido sem este acontecimento, segundo, não teria tido os resultados que teve, se o Vince não fosse tão excepcionalmente capaz de encarnar essa personagem.

Mas se esse foi o momento decisivo, não foi, porém, o único que preparou esta fase. Vários momentos e/ou combates foram igualmente importantes para o início do estilo que marcou a Attitude Era. A mencionar: a criação dos D-Generation X, cujas palavras e actos fugiam a tudo o que era comum na WWE até aí; a vitória de Stone Cold no King of the Ring 1996 e a promo imediata que deu origem à sua personagem; a derrota do mesmo lutador para Bret Hart na WrestleMania 13 e o double-turn que aconteceu nessa mesma noite, tornando Steve Austin face e uma estrela pronta a rumar ao topo.

Brain Buster #49 – Opinião sobre a Attitude Era

Porém, tinha falado à pouco do quão importante esta fase foi para a WWE. Efectivamente, ela foi a melhor resposta que Vince poderia ter dado relativamente ao passado, mas também ao futuro. Quanto ao passado, porque a WWE vinha dos piores anos da sua existência desde que Vince McMahon tomou o controlo sobre ela. Depois dos escândalos com esteróides que obrigou a WWE a deixar a Golden Era para trás e a entrar numa nova fase que intitulou de New Generation, com lutadores bem mais pequenos e de ter ficado sem a sua maior estrela, Hulk Hogan, a WWE parecia estar sem rumo.

Sim, esta fase teve Bret Hart, Shawn Michaeles e The Undertaker, mas as suas características eram totalmente desinteressantes. É a fase das gimmicks de rua, de empresas, de empregos, etc. E, quanto ao futuro, porque foi a forma que a WWE encontrou de derrotar a WCW nas audiências. Vejamos, desde a criação dos respectivos programas semanais, o RAW e o Nitro, que a luta se intensificou, mas a dada altura, quando a WCW consegue as maiores estrelas da história da WWE para si e com a criação da NWO, a WCW conseguiu bater a WWE nas audiências e ficar por muito tempo no comando, algo que só a Attitude Era e Steve Austin conseguiriam mudar.

Mas em que consistiu a Attitude Era propriamente? Consistia num estilo agressivo nas palavras, sexy nos actos e violento nos combates. É nesta altura que os palavrões passam a ser moda nos shows de wrestling, que os actos pessoais e familiares se intensificam, que as personagens bad ass aparecem, que a técnica dos combates é muitas vezes posta de lado, etc. e, que as feuds de topo são sempre blood feuds: intensas, pessoais e vingativas. O Monday Night RAW passou a chamar-se RAW is War (em tom simbólico de guerra com a rival WCW) e criou-se o Hardcore title.

É, desde logo, uma fase que recebe a influência, primeiro da WCW, com as surpresas semanais constantes, em que tudo podia acontecer e, segundo, da ECW, que na altura apresentava um estilo que até hoje é recordado e praticado pelas várias promotoras de wrestling no mundo: combates violentos, emocionantes, cheios de near falls e em que os brawlers são mais estrelas que os wrestlers propriamente ditos. A ECW era muito mais que isto, mas foram estes os aspectos que a WWE repescou para si.

Por outro lado, trouxe um aspecto que muitos lutadores e personalidades do wrestling gostam e/ou acham inerente ao produto, e que acham que isso se perdeu muito na actualidade, que é o wrestling “larger than life”. Esta fase, sem dúvida, que teve muito disso. Afinal, em que emprego é que se pode agredir o patrão? E quem diz este exemplo, diz muitos outros. Ainda relacionado com isto está o papel dos fãs. Na altura não eram os fãs desinteressados e desinteressantes que temos hoje. Eram fãs participativos, barulhentos e que metiam uma carga psicológica admirável em tudo o que viam. Até o mais ínfimo jobber tinha uma reacção do público, porque as personagens e as histórias também ajudavam a que isso acontecesse.

É este o lado da história que a WWE nos conta. É esta a lógica dos acontecimentos que conhecemos. Contudo, como a história é, e será sempre escrita pelos vencedores, creio que as coisas não se passaram bem assim. Creio que as vantagens, mesmo sendo muitas, trouxeram desvantagens ainda maiores para o futuro. Acima de tudo, trouxe um estilo de wrestling que a mim pessoalmente não me agrada. Aliás, para quem lê os meus artigos semanalmente facilmente chegaria à conclusão, que não podia gostar desta era. Porquê? Não gosto de planos a curto prazo, não gosto de reinados sem sentido e títulos sem credibilidade, não gosto que se objetifique o corpo da mulher e se maltrate o wrestling feminino.

E, não gosto, que valha tudo. Em geral, na vida como todo, não acho que valha tudo em nada. Nem na guerra, nem no amor, e muito menos no wrestling. Houve momentos na Attitude Era em que parecia que valia tudo, desde a entrevista à recém-viúva de Brian Philman ao “the show must go on” da morte do Owen Hart e, pela forma como não se respeitou a modalidade, o wrestling enquanto arte: lembram-se do “brawl for al” em que Vince McMahon anunciou dizendo que não ia tolerar mais que a inteligência dos seus fãs fosse insultada? Se não, não pesquisem sobre isso por favor, simplesmente esqueçam. A WCW também o fez, mas esta ideia vale para as duas brands. Simplesmente não vale tudo.

Brain Buster #49 – Opinião sobre a Attitude Era

Vejamos, os planos eram simplesmente feitos em cima do joelho. Ou seja, não acontecia o que acontecia por fazer sentido, mas porque iria ajudar a aumentar as audiências. Não importa que se proteja um lutador, ou que certa personagem seja humilhada sem uma razão para tal acontecer. Não importa que combates e rivalidades vamos ter daqui a um mês, nem que talento se desperdiça. Simplesmente se resultar, faz-se. Mas convém deixar claro que não estou a falar da desnecessidade destas decisões. Elas permitiram à WWE vencer a guerra das audiências e, por isso, foram bem-vindas na altura, assim como são e serão sempre bem lembradas. Tenho é o direito à opinião de não gostar do estilo.

Em 1999, em pleno pico da Attitude Era, o título da WWE mudou 11 vezes! 11 vezes em apenas 1 ano! Sendo que uma delas, foi o próprio Vince McMahon que venceu o título. Que credibilidade tem um título principal ao qual seja tão fácil chegar? De conquistar? E quem fala deste título, fala dos outros. O título Intercontinental deixou de ser o título dos futuros main-events para ser o título do low-card, deixando de ter como campeões Shawn Michales, Triple H e The Rock para passar a ter o Godfather, o Goldust, o D´Low Brown, entre outros. Nem óptimos lutadores como Chris Jericho, Chris Benoit ou Eddie Guerrero conseguiram estabilizar aquele título.

O título Europeu perdeu espaço e estava relegado ao William Regal e às rivalidades que este viesse a ter. Isto dito assim pode parecer-vos bastante bem até, mas se o campeão não aparece nos shows, defende o título apenas contra lutadores sem credibilidade e ainda perde para os main-eventers, que interesse é que o título e o seu campeão podem gerar?

Por fim, os títulos de Tag Team. Hoje toda a gente se lembra dos grandes combates e rivalidade entre Edge e Christion, os Dudleyz e os Hardyz, mas ninguém relembra que os títulos mudavam, ou todas as semanas, ou semana sim semana não. Jogar com um título à “batata quente” pode ser imprevisível e emocionante para os fãs menos racionais, mas nada faz para aqueles que vêm os títulos como a última grande conquista de cada divisão e não como simples objectos que qualquer um pode vencer.

E por falar em fãs racionais, não se pode dizer que esses tenham sido, de todo, o público-alvo da Attitude Era, mas sim os adolescentes irracionais e até algo “desesperados”, assim como os homens adultos, que gostam de violência e revistas femininas. E como entendo que tal o foi? Bem, se cá me lembro, não existia wrestling feminino, mas sim a objetificação das mulheres, do seu corpo. Elas eram, e ainda são um bocado (hábitos que infelizmente nunca se perderam), retratadas como egoístas e inimigas das suas amigas, e, mais do que isso, como meninas burrinhas, mas bonitinhas que caíram ali por acaso. É a fase dos Braw and Panties aos montes, dos combates na lama, etc.

Por outro lado, alguém se lembra como certas personagens foram direccionadas? De formas completamente descabidas, que ou serviram propósitos pessoais ou momentos sem sentido, porque as audiências assim o exigiam? Três lutadores foram o epicentro disso: The Undertaker, Kane e Big Show.  O primeiro é conhecido por duas personagens durante a Attitude Era: o Ministery of Darkness; e o American Bad Ass; mas nenhuma das duas bem lembradas pelos fãs. A primeira porque foi marcada pelos primeiros momentos em que a sua personagem original foi arruinada. A segunda pela forma como o Taker se apresentou física e mentalmente, e em que os seus combates e feuds não diziam nada.

Brain Buster #49 – Opinião sobre a Attitude Era

E lembram-se da forma como Kane se estreou em 1997? E de como o seu potencial de main-event imediato se criou? Pois bem, ele acabou a Attitude Era a lutar pelo Hardcore title. Pensem no trajecto que ele fez para descer até esse ponto. Perdeu para o Taker na Mania 14, venceu o título da WWF, mas perdeu-o no dia a seguir, entrou em inúmeras tag teams, desde Mankind, X-Pac ou Undertaker, começou a perder mais facilmente e a sua aura de monstro imbatível desvaneceu-se. Porquê? Porque, mais uma vez, o booking era a curto prazo, privilegiando momentos a histórias, pops a credibilidade, etc. Por fim, Big Show alternou entre o monstro imparável e o homem grande humilhado e, pelo meio, começaram os seus infinitos turns, que continuam… deixa ver… até hoje!

Sem dúvida que podemos discutir que, como quase tudo, a Attitude Era esteve muito bem no início e foi-se perdendo no tempo. Contudo, esses anos não deixam de fazer parte dessa fase, que, na minha opinião, é bastante criticável. Mas posto isto, a WWE venceu a guerra de audiências? Venceu, sem dúvida. Porém, venceu uma guerra em que um dos lados simplesmente deixou de aparecer. Relembro que o ano de 1999 não correu particularmente bem à WWE. A WCW aproveitou? Não, simplesmente o seu booking ainda se deteriorou mais do que até aí vinha fazendo. Podemos discutir se há mérito da WWE ao vencer a WCW, porque ele existirá. Mas, na minha opinião, ela ganhou, maioritariamente por demérito da sua rival.

Mas tudo foi mau na WWE durante esta fase? Claro que não. Ela foi muito melhor que a New Generation. E criou um inúmero estrelado próprio e novo. Deixou o Hulk Hogan, o Randy Savage e o Ultimate Warrior para trás, estrelas que ficaram no passado. Criou o Stone Cold, o The Rock, o Triple H e o Kurt Angle. E, em parte, isso permitiu igualmente vencer a WCW. Nomes novos, construídos à altura dos nomes velhos, com booking próprio e forte, sem usar part-timers ou pôr over os lutadores mais velhos e gastos, aproveitando um roster fresco e inovador aos olhos dos fãs. Parece-me uma receita muito boa, e que contrasta, infelizmente, com a WWE actual.

A Attitude Era viria a terminar em 2001, quando a WCW fechou as portas e foi comprada pela WWE. Há quem a prolongue até ao final de 2002, quando John Cena se estreou e proclamou a Ruthless Agression, mas pessoalmente entendo que o momento chave para o fim da Attitude Era é a WrestleMania X-Seven, para muitos a melhor WresteMania de sempre e que fechou um período que muita gente gosta de recordar com gosto e carinho. Entre estes dois acontecimentos, à simplesmente um intervalo em que a WWE se anda a encontrar e indefine-se quanto ao rumo a dar ao seu conceito e conteúdo. Mas entenda-se. A Atitude Era teve um estilo muito diferente do que vimos hoje e do que alguém tinha visto antes dela na WWE. E como qualquer estilo, está sujeito tanto a fãs, como a críticos, e é um daqueles casos em que, ou se odeia totalmente o conceito, ou se adere a ele com grande lealdade.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

NOTA IMPORTANTE: Para a semana, lançarei a 50ª edição do Brain Buster. Para a assinalar gostava de fazer um artigo de Perguntas & Respostas. Peço aos meus caros leitores que deixem a sua pergunta na caixa de comentários (caso a tenham). Pode ser sobre qualquer promotora (WWE, AEW, NJPW, ROH, NWA, Impact Wrestling, Dragon Gate, AJPW, Progress, RevPro, etc). Agradecia bastante a vossa participação.

19 Comentários

  1. POPK5 anos

    RFBM vc acha racional a comparação que os fãs de wrestling fazem hoje entre a AEW e o NXT ? Ao meu ver não é racional , tanto pelo tempo em que cada uma existe e também pelo fato de , ao meu ver , a AEW ter um produto que se aproxima mais aos shows do RAW e ao Smackdown ( digo em termos de construção de personagens, feuds e etc ) .

  2. Leleco5 anos

    Para você, qual foi a rivalidade melhor construída no Wrestling?

  3. RawIsLey5 anos

    Artigo diferente dos outros. Gostei do facto de não fazeres listas como os outros artigos do site. No entanto aqui achei que era melhor teres feito uma lista para deixares as tuas ideias mais esquematizadas. Também acho que a Atitude Era não foi tão boa como é dito durante anos. Mas consegues perceber que os indies de agora, os David Starr , os Bobby Gunn e os Jordan Deblin desta vida não têm a presença de ringue como o Gangrel ou o como o Alex Wright. Nem a qualidade de contar histórias como o Ric Flair com os seus headlocks a meio dos combates ou a técnica do Owen Hart. Deixo aqui as minhas perguntas:
    Achas que a WWE poderá voltar a criar personagens com profissões, como por exemplo uma personagem que seja advogado?
    Percebes o porquê dos indies sofrerem muitos ataques e só caem no chão após fazer o superkick final?
    E o qual achas que é o melhor ataque final do roster da ECW entre 97 e 2001 ?

    • Obrigado pelo comentário. Eu discordo em completo do que disseste dos independentes atuais, mas isso é uma discussão para outra altura.
      Obrigado pelas questões.

  4. RFBM, acha que a WWE devido a concorrência da AEW, vai dar mais destaque a novos lutadores e menos aos Part-Time, se sim são?

  5. Anonimo5 anos

    Eu discordo de inúmeros pontos. O que me faz ver wrestling é precisamente o que a AE oferece imprevisibilidade, emoção e várias estrelas no topo a disputar títulos (sim considero positivo o título mudar de mãos torna tudo mais realista!). Bem melhor que ter brock lesnar a superiorizar-se a tudo e todos constantemente e a vermos tipo 3/4 campeões ao longo dos anos. Era até uma forma de agradar maior número de fãs. Fora a emoção e os fans fantasticos que vinham as arenas nesses tempos e que hoje deixaram de ver o produto. Por algo ninguém consegue sacar reações como austin e rock sacavam tal foi o impacto que tiveram no mundo do wrestling. wrestling feminino nunca dei a minima mesmo dai era bom pois dava para agraciar a vista.

  6. Rooben5 anos

    Excelente artigo .
    So nao concordo quando dizes que mudar tanta vez o titulo principal o descredibiliza.
    Naquela altura a WWF tinha 5/6 wrestlers crediveis ao titulo principal .
    A minha pergunta : que tens achado da AEW ate agora ? Achas que farão melhor imagem que a WCW e que a TNA de 2006 ?

  7. Sandrojr5 anos

    Ótimo artigo, também acho que a ATITUDE ERA e muito superestimada, se eu fosse assitir hj em dia eu dormiria, porque de NOVELA O BRASIL JÁ ESTA CHEIO. Mas minha pergunta para o próximo artigo é: Se o Okada lutasse em sua melhor forma contra o Roman Reigns também em sua melhor forma qual dos dois venceriam?, Faço essa mesma pergunta para JOHN CENA VS HIROSHI TANAHASHI

    • Sandrojr5 anos

      Análise como se estivesse em kayfabe, como se não existissem bobagem pras lutas

    • Sandrojr5 anos

      Bokagem*

    • Obrigado!
      Eu gostaria de responder a essa pergunta, mas se o resultado não fosse combinado, não estaria a falar de wrestling, e no meu espaço só falo de wrestling.

    • Sandrojr5 anos

      Então encare como um booker

  8. Beatriz Lynch5 anos

    Sempre preferi a Rughtless Agression, é dificil explicar, e uma pergunta no caso seria, qual o melhor wrestler que ja existiu na WWE, melhor não maior pra ser mais exata, e qual a melhor Era que a WWE teve na sua opinião(aproveitando a ideia do seu artigo).