Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!
Passada já uma semana após a WrestleMania e com a WWE já encaminhada quanto às próximas histórias e combates delineados daqui para a frente, irei finalmente falar do maior evento do ano que, infelizmente, não foi, nem será recordado como tal em 2020, mas que continua a ter o nome do evento clássico que nos trouxe e continua a trazer dos melhores momentos da história da WWE. Por isso, naturalmente, foi bastante reportado na comunicação social, continuando a ser aquele evento da WWE que, mesmo aqueles que não são fãs acérrimos da WWE ou de pro-wrestling vêm e comentam e que, pela sua grandeza e público, são noticiados por várias fontes de jornalismo.
Como disse a semana passada, referi que iria falar da WrestleMania, mas não do evento no seu todo, somente de um dos grandes aspectos a retirar do show. Acho que era bastante expectável que iria falar do Boneyard match entre AJ Styles e The Undertaker e do Firefly Fun House match entre Bray Wyatt e John Cena. Ou melhor! Não especificamente das suas histórias ou lutadores, mas da forma como eles foram produzidos e apresentados aos fãs, numa maneira não totalmente inovadora, mas bastante nova aos olhos de alguns fãs de wrestling que ficaram surpreendidos com estes “combates”, fosse pela positiva, fosse pela negativa.
Antes de mais convém referir que o wrestling, enquanto desporto, modalidade e até, se assim preferirmos (como eu), enquanto arte, não é algo estanque no tempo, seja na forma como é produzido, seja no que os lutadores apresentam dentro do ringue. Ele não passa por um imobilismo tal que a ideia que temos dele fique igual na nossa cabeça. Nem se compreenderia que tal fosse assim, dado que como é um produto e um mercado de massas, naturalmente que tem de estar atento às novas tendências da sociedade. Ninguém imagina o wrestling hoje sem uma plataforma de fácil acesso para transmitir e assistir hoje em dia, mas não até há poucos anos, não era essa a nossa realidade.
Mais do que isso, não iríamos ver wrestling a preto e branco para sempre e hoje já não aceitámos assistir a shows que não tenham qualidade em HD. Se pensarmos, Vince McMahon conquistou o mundo do wrestling transformando-o num espectáculo ainda maior do que o que era, adicionando músicas de entrada que ficassem na cabeça, fogo de artifício, etc. Mas a questão é muito mais abrangente do que isto: deverão, as novas tecnologias interferir no pro-wrestling ao máximo que seja possível? Ou haverão certos travões e limites que a WWE e o restante mundo do pro-wrestling terão de respeitar?
Actualmente, considero que estamos numa era bem distante do wrestling tradicional: dois gigantes no ringue a tentarem proteger o kayfake há muito que já não é a forma de trabalhar neste mundo. Seria, deste modo, mais correto, falarmos de uma era moderna, em que não se desrespeitando totalmente o kayfabe, se cede nalguns aspectos e aceitam-se novas formas dos lutadores actuarem no ringue.
Esta questão começou essencialmente numa maior quantidade de lutadores “pequenos” serem main-eventers e mais recentemente até de mulheres vencerem títulos mundiais. Esta situação, aliada aos high-flyers que muitas vezes exageram no seu move-set e que muitas vezes desrespeitam a forma como a história dos combates deve funcionar sem dúvida que quebrou barreiras. Mas será que essa era moderna poderá estar em vias de facto?
Ao assistirmos a segmentos vendidos como “combates”, em que se alteram imagens, se manipulam frames de vídeo, se aumenta ou desacelera o ritmo do vídeo do segmento gravado, em que até há uma música de fundo, e em que segmentos desses podem vir, no futuro, a serem feitos cada vez mais com regularidade coloca-nos questões. A principal é se a era moderna que ultrapassamos actualmente cederá perante uma era contemporânea que admita este tipo de combates e segmentos com regularidade.
Mas antes de responder a essa questão, convém entender este formato de apresentar e produzir pro-wrestling. Considero que este estilo começou na Lucha Underground, mas aqui digo apresentar wrestling e não combates de wrestling. Efectivamente, segmentos gravados no backstage ou fora dele, que roçassem a manipulação de imagens a pontos de parecerem séries ou filmes de acção nasceram na Lucha Underground, que era exactamente isso, uma série. Mas o wrestling propriamente dito era respeitado.
Tudo o que tinha para acontecer no ringue, acontecia no ringue, todas as vitórias e derrotas eram lá apresentadas, sem manipulações que se bastavam às storylines à volta desses mesmos combates. Foi uma forma bastante inovadora à época e, mais do que isso, muitos fãs, que poucas oportunidades deram ao wrestling fora da WWE, deram essa oportunidade à Lucha Underground, entendendo que era aquele estilo que estavam mesmo a precisar de ver.
Sim, claro que existiam bastantes segmentos que tinham tudo de sobrenatural, e até no ringue o kayface foi várias vezes posto à prova, mas tudo ainda comparável ao que já assistíamos à anos com o Taker na WWE, que não sendo o mais plausível possível com a realidade, não é exagerado. Mais do que isso, tratava-se de uma série e não propriamente de uma promotora de wrestling, que para o bem ou para o mal, deve ter como objectivo continua a ser planear histórias e lutas que, apesar de terem resultados pré-determinados, devem continuar na mesma a tentar procurar o realismo.
Porém, esta forma teve uma grande evolução em 2016 com a criação do Broken Universe por Matt Hardy na TNA. Ao contrário do que a Lucha Underground apresentou durante anos, este tipo de segmentos invadiu um espaço proibido: os combates. Vários destes foram gravados com manipulação de imagens e frames e, mais do que isso, a criação deste universo ainda teve duas consequências: quebrou o precedente de ser uma promotora de wrestling a fazê-lo, bem como não tinha na coerência a sua finalidade. O ridículo era a sua regra!
O que quero dizer com esta última afirmação? Vejamos, a Lucha Underground e o Undertaker na WWE usavam poderes inexplicáveis, mas não de forma exagerada e, mais do que isso, eram coerentes no que faziam, as suas histórias e explicações batiam certo, ao contrário do que o Matt Hardy começou a apresentar, em que era possível lutadores mudarem de gimmick ao longo do combate, em que lutadores sobreviviam a vulcões em erupção entre muitos outros exemplos.
Pior do que isso, estas ideias sofrerem da máxima “é tão mau, tão mau, que é bom”, levando vários fãs a assistir e efectivamente até a gostar do que viam. Claro que os segmentos e “combates” eram engraçados e que valia a pena ver pelo divertimento, mas sejamos correctos, aquilo podia ser, em algum momento, classificado como wrestling? Ou é algo completamente à parte ou que pertence a outra arte, que não a do mundo que todos admiramos.
Estas ideias ficaram engavetadas durante alguns anos, pela forma como Matt foi interrompido pela WWE de usar este estilo quando o mesmo voltou à maior empresa de wrestling no mundo, só se contando um segmento parecido entre os New Day e a Wyatt Family em Julho de 2016 e a feud entre Bray Wyatt e Matt Hardy já na WWE em 2017, que acabou de forma abrupta por não estar a correr bem na mistura do estilo da WWE e do Broken Universe.
Mas essas mesmas ideias parecem estar agora a voltar e, para muita pena minha, com grande força e propensão para o futuro. Não só Matt Hardy está novamente livre da WWE para apresentar o seu conteúdo, desta vez na AEW, como a própria WWE, encontrando uma forma mais respeitosa de as pôr em prática (pelo menos no caso do Boneyard match), parece ter gostado de produzir.
Fala-se até muito afirmativamente que o pode voltar a fazê-lo no futuro. Mas ainda assim é preciso fazer uma distinção entre o que nos foi apresentado no Boneyard match e o que aconteceu no Firefly Fun House. Ambos, em última instância, serão classificados como combates cinematográficos ou wrestling cinematográfico, mas ainda assim, a ideia subjacente a cada um dos dois, e a forma como foram apresentados é, a meu ver, passível de uma substantiva distinção.
No primeiro caso, mesmo sendo apresentado fora do ringue e manipulado posteriormente, o segmento gravado seguiu um fio condutor, que respeitou do início ao fim e, não deixou de serem dois homens a lutar, num ambiente bastante diferente do que no wrestling tradicional ou moderno, mas ainda assim pode ser classificado como brawl, ou até mesmo como fim de uma história ou rivalidade entre dois lutadores. Mas há que pensar. Wrestling cinematográfico será algo a apresentar num PPV da WWE? Ou algo para o cinema ou para a plataforma da Netflix.
É óbvio que é bastante interessante ver dois homens a lutar naquele ambiente, mas não estaremos a confundir as coisas? Se eu quisesse ver duas pessoas a lutar da forma como o AJ e o Taker fizeram não podia ver séries ou filmes de acção? Repito, Se eu estava a ver wrestling era porque queria ver wrestling, e não séries ou filmes de acção. Mais uma vez, não está em causa a qualidade do segmento ou “combate” se assim o chamarem (embora para mim não seja, pois não é wrestling propriamente dito), mas o local em que aconteceu, a modalidade e a arte em que foi apresentado e o conteúdo que teve.
Já quanto ao segundo caso, conseguiu ter um conteúdo ainda mais ridículo que muitos segmentos do género apresentados por Matt Hardy na TNA. Quando falo de ridículo não é num sentido pejorativo, de algo ser mau, mas que estes segmentos afastam a coerência e a credibilidade para privilegiarem momentos engraçados ou surpresa que na maioria das vezes não fazem sentido algum. Uma coisa é o Taker ser capaz de recuperar de um ataque brutal do Styles, outra é o Bray Wyatt conseguir que o Cena entre noutra dimensão e que vença o combate com o seu alter-ego enquanto ele próprio faz o pin, e nisso os meus caros leitores terão de concordar comigo.
Como já podem ter já depreendido das minhas palavras, não sou fã desta forma de trabalhar. Não sou o maior defensor do kayface: gosto do estilo do Will Ospreay e dos Young Bucks, por exemplo, e defendi aqui mesmo no Brain Buster o facto da Tessa ter vencido o título Mundial do Impact Wrestling, mas até aí tudo ainda se passa no ringue, não se deixa de representar uma competição e não se passa para o domínio do absurdo. Considero que existem sim os tais limites e obstáculos que o pro-wrestling não deve ultrapassar, só porque tem à sua disposição novas tecnologias.
Por outro lado, há um conjunto de situações que, a mim, enquanto fã de wresting propriamente, me trazem grande receito. Um deles deriva de uma vantagem deste tipo de “combate”. Conseguiu-se disfarçar em grande escala o facto do Taker ser bastante lento e incapaz de praticar wrestling nesta fase da sua vida, mas daí criou-se um procedente que não quero que se verifique. Isto significa que, podendo agora a WWE utilizar “combates” destes pode prolongar a carreira dos seus lutadores por mais 10 anos? É que se for não contem comigo.
Se isto vai permitir que o Taker tenha mais uns bons anos de combates e rivalidades deste género, que o seu destaque em preterição da criação de novas estrelas e de oportunidades a novos lutadores e que até se possam englobar outras lendas nesta forma de trabalhar como Sting, então meus amigos, eu não dou para esse peditório e quero que isto seja logo cortado à raiz.
Por outro lado, sem dúvida que esta eventual passagem para esta era contemporânea será muito mais drástica do que a era tradicional ou clássica para a moderna, não só se aceitando pequenas mudanças em alguns detalhes, mas incidindo uma mudança quase brutal no cerne e no tronco do pro-wrestling, do que supostamente ele devia ser. Ainda digo mais. Fazer um evento em que tenha um misto destas duas formas de encarar o produto, em que alguns combates seguem o modo tradicional/moderno e o outros seguem o contemporâneo haverá muito mais desfasamento entre os lutadores do topo e os lutadores do mid-card e os seus respectivos combates.
Um excelente combate de wresting no mid-card será completamente ofuscado pela espectacularidade destes segmentos e terão sempre muito menos atenção do que estes últimos. Isso irá cravar cada vez mais um fosso entre o topo e o mid-card e os lutadores não subiram no card pela qualidade dos seus combates ou pelo apoio dos fãs, pois haverá sempre algo mais espectacular que isso para ver no show.
Claro que o boneyard match foi bastante interessante e o Cena/Wyatt foi muito, muito, muito engraçado, mas na minha opinião estão longe de se considerar como wrestling. Até o podem ser por terem sido apresentado num show desta arte, por isso o são formalmente, mas a nível material, na minha opinião, na opinião enquanto fã, não o são, estão completamente desfasados do sítio que devem existir e ser apresentados. Por todas estas razões, estarei sempre na linha da frente para eliminar ao máximo possível segmentos e/ou “combates” destes. Salve-se o que restar do pro-wrestling daqui para o futuro…
Hoje ficamos por aqui.
Até para a semana e obrigado pela leitura.
4 Comentários
Acho que a Unica coisa que alguém que coloca em um canal pra assistir Wrestling quer ver é Wrestling! Todo o segmento até a Luta não importa se vai ter efeito ou qualquer outras coisas mas o importante é que o final seja em UM RIGUE DE VERDADE com Inicio, Meio e Fim. Aquilo que teve entre Cena e The Fiend Foi tudo, TUDO MESMO menos Wrestling!
Obrigado pelo comentário.
Ótimo artigo, eu acho engraçado que uma boa parte que gostaram destes SEGMENTOS são as mesmas pessoas que criticaram a performance de Ospreay e Ricochet falando que não era wrestling, a IWC é hipócrita a vdd é essa, prefiro muito mais ver o Wrestling em si do que esses segmentos que a WWE vendeu como combate.
Obrigado pelo comentário. Não podia concordar mais.