Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

A AEW caminha a passos largos para o seu 2º aniversário de existência, tendo, aquando do seu começo, se assumido, e continuando sempre a apresentar, um produto diferente do wrestling mais tradicional que se pratica nos EUA, oferecendo aquilo que muitos fãs pediram durante anos: uma alternativa à WWE. Tomem atenção às palavras: os fãs pediram uma “alternativa à WWE”, e não uma “WWE alternativa”, objetivo que, na esmagadora maioria do tempo, a AEW tem conseguido fazer. O que não quer dizer, contudo, que, por vezes, não tenha caído no erro de planear alguns segmentos cujo estilo associamos ao RAW, mas que sempre tem procurado ser um produto diferente, lá isso tem, e esse é, talvez, o grande mérito da curta existência da AEW.

Durante estes dois anos, e depois de um largo crescimento nos seus primeiros meses de existência, o que aconteceu, porém, é que a AEW parece um pouco estagnada, estagnada não só do ponto de vista das audiências, que oscilam sempre entre os membros números, como estagnada quanto ao modelo em que tem apresentado o seu produto. Penso que estas duas estagnações acabam por estar ligadas entre si, e é isso que pretendo analisar aqui esta semana no Brain Buster. Entre os fatores que conduziram a AEW a esta curiosa situação a algumas propostas que, na minha perspetiva, podiam fazer a AEW crescer, gostaria de aproveitar esta oportunidade também para me dilacerar acerca do que a AEW é e, principalmente, o que pode, deve e virá porventura a ser.

Notem, porém, que eu não estou a dizer que a AEW se encontra numa má situação, muito longe disso, a AEW é uma empresa de sucesso, com inúmeras conquistas no seu pouco tempo de existência. E claro que a pandemia terá atrasado muito do crescimento exponencial que se previa que a promotora de Tony Khan viesse a conseguir durante este tempo. É inevitável que, com a pandemia, por muitas boas histórias que sejam contadas, por muitos combates enormes que vás tendo na tua programação, aqueles fãs mais casuais, que são levados a gostar de pro-wrestling pelo ambiente criado pela relação lutadores-público, acabem normalmente, ou por se afastar da modalidade, ou mesmo por perder o interesse em acompanhar regularmente de forma mais assertiva. São fatores impossíveis de contornar neste momento e que não devem ser esquecidos, nem deixados de ser tidos em conta nas decisões a tomar.

Brain Buster #98 – Perceber a audiência

Contudo, isso dirá respeito apenas à estagnação que a AEW tem, na minha opinião, nas ratings que tem atualmente, já não dirá respeito à estagnação do produto em si, que penso se encontrar estagnado pela teimosia em apresentar um certo tipo de conteúdo que vai afastando potenciais fãs. E se agora pensar nisso parece pouco irrelevante, o que é certo é que a pandemia não irá durar para sempre, e quando acabar, há que regressar em força aos programas fortes com público fantástico, que permita à AEW pegar na bola, que se tornou bastante pesada com a pandemia em março do ano passado e que por vezes se teve que largar, e continuar a oferecer um produto que cresça de forma suficiente para ser competição e real competição à nº1 dos EUA e do mundo, a WWE.

Poderei agora, porventura, ser um pouco polémico no que vou dizer, mas pessoalmente, eu acredito que a AEW, neste momento, com o produto que apresenta, e com aquilo que a rodeia, não conseguirá ser competição forte à WWE, porque há aspetos e fatores que são mais fortes do que ela, e que nem ela, que tendo um produto diferente e uma base de fãs que sempre procurou algo diferente, pode ignorar quando se trata de perceber, primeiro, a audiência de fãs que tem neste momento e, segundo, as possíveis audiências que pode tentar conquistar no futuro. Se a AEW não faz este esforço mental, estará condenada a ter esta estagnação a um ponto que levará os próprios fãs, os mais leais que ainda existem nos EUA, a perder o interesse no produto que outrora mobilizou milhares de adeptos desta modalidade, dado que se no início a AEW era uma novidade com histórias diferentes e interessantes, com o tempo, essa diferença vai-se tornar no novo normal, porventura menos espetacular e surpreendente.

Há uma audiência maior de fãs de wrestling, um universo de potenciais fãs para além dos que a AEW tem neste momento, e há que pensar numa forma de os conquistar, o que a AEW não tem conseguido fazer a 100% nestes 2 anos. Entre esses fãs, contam casuais de wrestling, contam-se fãs da WWE que se desiludiram com ela a ponto de desistir do wrestling, contam-se fãs do wrestling dos anos 90 que consideram o wrestling americano de hoje está uns enormes patamares abaixo. Podem até contar-se fãs da época dos territórios, que tenham detestado a evolução que o pro-wrestling tomou com o passar das décadas.

A AEW pode continuar a agradar aos fãs do Puroresu e do Joshi, pode continuar a falar para audiências como as da TNA dos anos 2000 e da ROH, e pode até ter interesse em buscar um pouco o estilo completamente afastado do wrestling tradicional e do que a modalidade sempre tentou ser, como o da PWG. Contudo, esses fãs já estão a ver AEW e já o estão a fazer com grande devoção. A AEW não pode continuar a falar para eles, ou melhor, não pode continuar a falar apenas para eles. E não me interpretem mal, eu sou um destes fãs, e se me colocarem Rhio vs. Yuka Sakazaki no Dynamite eu vou adorar, e se me colocarem o KENTA a aparecer de surpresa eu vou dar um pop enorme, mesmo que não me deem razões para gostar dele na programação da AEW, visto que já o conheço, mas a questão é: a maioria dos fãs americanos irá gostar? Acham mesmo que algum tipo de fãs que eu enumerei no parágrafo anterior tem interesse nisto tipo de conteúdo? Principalmente sem lhes der dada uma razão para gostar?

Brain Buster #98 – Perceber a audiência

A AEW cai imensas vezes no erro de colocar segmentos ou combates, até apresentar lutadores sem dar realmente uma justificação para os fãs estarem interessados ou gostarem e apoiarem o que estão a ver. A AEW toma como ponto de partida que todos os fãs sabem quem são estes lutadores, que todos estão acostumados com o estilo dos mesmos, sem que realmente isso seja verdade. Há imensa gente que nunca viu os combates entre o Kenny Omega e o Kazuchika Okada, há imensa gente que nunca ouviu o termo “joshi” na vida, mas a AEW apresenta isso no seu produto como se fosse algo que toda a gente sabe, como se toda a possível audiência americana que se interesse por wrestling tivesse esse conhecimento, ou tivesse sequer o interesse ou a curiosidade de saber isso. A audiência que viu NJPW, que acompanha a TJPW, que espreita o produto da AAA é a minoria e não maioria, aliás, é a esmagadora minoria.

E o mesmo se aplica à desconcentração do que vai acontecendo na sua programação por programas como o Being the Elite e o próprio Dark. Por vezes, há coisas que acontecem nestes programas que interessam às histórias que se pretendem contar semanalmente no Dynamite, mas a AEW não pode partir do pressuposto que todos os seus fãs terão tempo para ver esses programas, ou sequer que terão a paciência. Acredito, genuinamente, que a grande base de possível audiência do wrestling americano queria apenas dispensar por semana apenas umas duas horas para ver wrestling. Se durante essas duas horas, semana após semana, não percebem coisas que se passam no Dynamite porque era preciso estar atento ao Dark ou ao BTE, então dificilmente continuarão interessados no produto e quererão continuar a ver.

Poder-me-ão dizer responder, e de forma bastante inteligente, que é impossível um produto de wrestling agradar a todo o tipo de fãs, e eu digo-vos que é verdade e que concordo a 100%. A AEW teria sempre de fazer algumas opções no estilo que iria apresentar, o que eu estou a tentar transmitir é que pela exposição que a mesma tem em TV nacional, e com objetivos de apresentação de ratings semanais em forma crescente, esta promotora não pode falar apenas para um nicho de fãs, deve procurar um programa abrangente, porventura mais simples e menos complexo, mais sério e com menos comédia (especialmente a utlizada no BTE) e com histórias mais apresentáveis e menos trágicas ou mesmo disparatadas.

Pegando neste último ponto, eu não tenho nada contra um programa de wrestling em TV nacional repristinar um pouco do que foi o final dos anos 90 e apresentar segmentos como os do casamento entre Kip Sabbian e Penelope Forb. Pessoalmente, achei esse segmento bastante satisfatório e que cumpriu tanto o objetivo de agradar aquela base de fãs do Nitro e da Attitude Era, como de não puxar para baixo os fãs do wrestling mais propriamente dito. Ninguém naquele segmento saiu desvalorizado. O Kip e a Penelope têm personagens do undercard que serviram plenamente para a posição que ocuparam no segmento, o Miro apenas foi vítima de um ataque porque foi apanhado de surpresa, mas, acima de tudo, foi um segmento que serviu essencialmente para colocar o Orange Cassidy ainda mais over, que foi a grande estrela daquele momento, executado, na minha opinião, como devia ter sido feito. Foi daqueles momentos em que percebi que a AEW percebeu a sua audiência e, por contraste do que se passaria no RAW, por exemplo, em que um heel sairia fragilizado e o face passaria por “burrinho”, cumpriu o objetivo que queria quase na perfeição.

Brain Buster #98 – Perceber a audiência

Mas se esse segmento, para o que foi, foi apresentado de forma bem satisfatória, já outras coisas me ficam um pouco difíceis engolir, como angles de raptos, como recentemente aconteceu com os FTR a terem como refém Marko Stunt. Foi exatamente um dos momentos, e raros, diga-se de passagem, que senti que a AEW não era uma alternativa à WWE, mas uma WWE alternativa, não tanto para mim, que conheço o seu conteúdo e o seu estilo, mas um novo espectador que ligasse a TV à quarta-noite na TNT e visse algo do género, era imediatamente isso que pensaria. Não há mal nenhum em o Tony Khan ser fã da WWE e WCW de finais dos anos 90 e querer incorporar um pouco disso no seu booking, mas há mal quando se fazem coisas assim sabendo perfeitamente que os fãs da AEW tendem a privilegiar mais o wrestling, mesmo que não o mais tradicional (mas já lá chegaremos) e segmentos curtos que não os privem disso.

Mas como disse no início do artigo, não acho que o problema da AEW seja sequer aproximar-se da WWE em certos aspetos, acho isso até bastante positivo. O que penso é que esse “diferente” poderá agradar a um nicho, a uma pequena audiência muito específica, mas que nada dirá à grande audiência americana. E isso leva-me a falar um pouco do estilo in-ring que a AEW implementa, que é uma mistura de ROH, PWG e NJPW.  Já conhecem a minha opinião sobre spotfests que, por muito espetaculares que pareçam no combate, no dia seguinte ninguém se irá lembrar deles e isso engloba achar que um novo espetador se tentar ver AEW e encontrar um 12-man tag match no início do Dynamite e vir 10 homens especados fora do ringue à espera que alguém faça um dive, e se esse spot se repetir por demasiadas vezes no próprio combate, esse novo espectador irá mudar de canal.

Também acho que uma larga margem da audiência americana, pelo menos a mais velha e fã do tempo dos territórios ou uma audiência mais nova que sempre preferiu um wrestling mais inteligente aos spotfests, tende a condenar veemente NO DQ matches, Falls Count Anywere matches, Unsanctioned matches, e por aí em diante, o que inclui, naturalmente e por maioria de razão, o BARBWIRE EXPLODING DEATH MATCH!… que se encontra marcado entre Kenny Omega e Jon Moxley. Poder-me-ão dizer que os fãs de wrestling gostam de coisas absolutamente brutais, e que quanto mais brutal possível melhor, e de facto alguns apreciarão isso. Eu, pelo contrário, e estou convicto que uma audiência bem significativa tem esta visão, detesta ver lutadores a irem para lá dos limites físicos que o wrestling já existe, mas neste caso ainda estamos a falar de uma situação pior, é que é completamente desnecessária. Esta rivalidade poderia simplesmente ser terminada num Cage match, por exemplo, era essa a história contada através das inúmeras interferências a favor do Omega nos últimos tempos, mas não, a AEW avança para um combate com um nome grande e para um combate ainda mais diferente e violento do que o habitual apenas para chocar, apenas para marcar vincadamente que é diferente, quando todos percebem que isso já é verdade. Mais do que isso, parece que avançaram com algo assim, apenas e estritamente pelo seu gosto pessoal, falando novamente para a sua audiência devota e não para a grande audiência possível.

E, para findar este ponto, eu adoro, como sabem, wrestling japonês. Adoro o Strong Style, sou tremendamente fã de King’s Road, gosto até de Joshi. Se me colocam o Omega e o Moxley num combate em que ambos se agredirem mutuamente sem resistência, eu gosto, porque adoro a aura de honradez, de mostrar que se aguenta a dor e que se é melhor que o adversário ao ponto de aguentar com a sua maior arma. Contudo, mais uma vez, será que esse estilo é do interesse da maioria dos americanos? Ou estes preferirão ver um combate, por exemplo, como são os do Cody, que não entram numa dimensão em que poucos fãs conseguirão entrar, mas são combates sim em que os fãs são parte importantíssima do match e em que todos percebem a história a ser contada? Pessoalmente, inclino-me para a segunda possibilidade.

Brain Buster #98 – Perceber a audiência

Quando à utilização de lutadores femininas japonesas, também consigo vislumbrar que grande parte da audiência americana não consiga ver o que os fãs de Joshi vêm na Rhio, por exemplo. Para um fã casual que veja a Rhio pela primeira vez, não sentirá qualquer tipo de intimidação, acreditará pouco no que a mesma fizer à sua adversária. No Japão resulta? Claro que sim, mas a AEW não é uma fed japonesa. Gostaria de apontar, no entanto, o bom torneio feminino que a AEW montou recentemente, em que uma das brackets está a ser disputada no Japão. Foi, mais um momento, em que a AEW percebeu a sua audiência. Mesmo que as restrições pelo COVID-19 não existissem, eu, pessoalmente, veria como um erro colocar todos esses combates no Dynamite, pois, podendo ser uma porta de entrada para os fãs ficarem a conhecer as lutadoras em questão, dando-lhes finalmente uma razão para gostar delas, muitas têm uma gimmick, personalidade, estilo ou mesmo tamanho que não vão de encontro ao que se deve apresentar em wrestling de TV nacional perante a grande audiência americana.

A AEW mostrou sensatez e que estava a jogar xadrez enquanto os seus críticos jogavam damas. Ao colocar o torneio no seu canal de Youtube, podendo, depois, passar os resultados e finishs dos combates no Dynamite de forma rápida, e fazendo os combates acontecer no Japão, a AEW consegue, não só, não perder espectadores menos interessados neste torneio, como ainda aumenta as visualizações no seu canal de Youtube. Este sim foi daqueles momentos em que vislumbrei um passo em frente no que diz respeito a combater a estagnação pela qual a AEW tem passado. Não se limitou a fazer o mesmo de sempre, a cair no mesmo erro, procurou uma solução de conciliar ambas as audiências, mantendo o seu estilo e os seus objetivos para a programação.

Nenhuma promotora que tenha chegado a TV nacional no wrestling americano pode simplesmente almejar ter os mesmos espectadores de sempre, deve querer crescer, não de uma forma brusca, mas sustentável. Para tal, não pode apresentar conteúdo que agrade apenas a uns nichos, e não à generalidade dos potenciais fãs. Medidas mais pequenas como a redução do tempo dos combates e do equilíbrio dos mesmos, passando as verdadeiras estrelas a dominar na maior parte do tempo e a ter de se esforçar pouco em muitos desses matches, ajudariam ainda mais a AEW que, neste momento, é até a única empresa americana a conseguir formar estrelas, a deixar que os seus lutadores tenham personalidade, a cativar o território americano como em anos não se viu. Desejo, genuinamente, o seu maior sucesso.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

8 Comentários

  1. Rodrigo4 anos

    Penso que fizeste uma excelente análise e revejo-me em grande parte do artigo. Enquanto fã coloco-me mais na categoria de fã casual, na medida em que apenas vejo os programas semanais da WWE no YouTube e quando consigo vejo o PPVs em direto; senão conseguir, vejo no dia seguinte. Nunca vi um programa semanal ou um PPV da AEW. Não sou anti-AEW nem diehard fan de WWE, apenas não tenho interesse em ver, exatamente por uma das coisas que referiste: enquanto fã casual, não conheço mais de metade do roster da AEW.

  2. Et Billu4 anos

    Uma das características do Moxley é o seu gosto por combates violentos, logo o que faz mais sentido é justamente as suas feuds mais intensas terminarem em combates Hardcore, mesmo que parcela do publico não goste, essa é uma característica do personagem dele é deve ser usada.

    • Obrigado pelo comentário. Respeito a tua opinião, mas discordo, mesmo tendo em conta essa característica da personagem, as histórias não tem todas de acabar dessa forma.

  3. Sandrojr4 anos

    Concordo com a maioria dos seus pontos, o artigo foi muito bem escrito, Mas Ricardo gostaria de saber a sua opinião sobre o reinado do Omega até agr, e oque ele pode fazer para melhorar e chamar mais a atenção do público casual, ficarei grato se me responde, ótimo artigo.

    • Obrigado! Diria que o reinado do Kenny Omega, tirando aspetos como o Barbwire Exploding Death match ou andar a defender o título contra lutadores como o Joey Janella vá-se lá saber porquê, tem adotando uma personagem e personalidade que tenho gostado. No caso do Kenny, para chamar público mais casual, são mais as coisas que tem de deixar de fazer que são o problema, não o que lhe falta.

  4. Anonimo4 anos

    com os matches violentos eu discordo acho que a maioria do publico quer ver brutalidade. O que nao acho é que deve ser utilizada muitas vezes de forma exagerada para não perder a mágica

    • Obrigado pelo comentário. A tua diferença em relação a mim é uma diferença de grau, teríamos de ver o que queríamos dizer com “muitas vezes” e até com o termo “brutalidade”, e quais os limites.