Steven Godfrey é um escritor/jornalista que trabalhou na TNA como Director de Relações Públicas durante 5 anos, tendo deixado a organização no inicio de 2011. Godfrey escreveu um artigo para o site SB Nation sobre os bastidores do Wrestling profissional e talvez seja um espelho para a realidade que hoje conduz as maiores organizações de wrestling. Deixo-vos os melhores momentos:
” Eu sentava-me em reuniões com a nossa equipa criativa. A equipa criativa (…) era forçada a apresentar, aos departamentos de marketing e relações públicas, ideias de um guião para os próximos shows televisivos. Isto acontecia pelo menos uma vez por semana. Os criativos odiavam o processo. Se não trabalhasses na parte criativa, não percebias a complexidade do pro wrestling e nunca irias perceber. As reuniões serviam para nos ajudar a resolver problemas, e uma vez tentei dizer a uma pessoa da equipa criativa que nosso programa de TV iria ter wrestlers femininas num tag-team match a lutar em sutiã e cuecas na lama, na mesma semana em que me pediram para tentar promover o perfil de um dos nossos executivos de topo numa revista sobre parentalidade cristã. Eu não pedi para removerem o segmento sem mais demoras, porque não tinha esse poder. Eu só queria que fossem mais sensíveis ao assunto por me pedirem uma tarefa impossível. Disseram-me: «isso é complicado meu, mas se perdermos o combate de sutiã e cuecas isso realmente tira as diferentes camadas da história. Estamos a tentar construir uma narrativa percebes?».
(…)
Dez anos depois de terem encontrado o seu momento alto da carreira nas Monday Night Wars, haviam veteranos de wrestling a abarrotar nos nossos escritórios. Se cada dia não fosse 1997 esses bastardos estavam convencidos que amanhã seria mesmo. Por vezes, a network tentava travar algumas das ideias daqueles criativos, mas eles nunca iriam permitir que um qualquer executivo, ex-fã de wrestling há 20, fechado numa sala de conferências, lhes tentasse apontar alguns erros nas histórias ou dar algumas sugestões! Mas fazer isso seria o sonho de muitos e muitos fãs, tantos dos “smart marks” da IWC (Internet Wrestling Community). Na Segunda-feira em Chicago, houve um esforço mundial a partir da Allstate Arena, para travar a marcha da WWE Raw até à Wrestlemania. Foi uma missão ingénua para protestar em nome da mal-amada estrela da WWE CM Punk, que saiu abruptamente da organização em Janeiro.
O movimento girou em torno da hashtag #hijackRAW, numa tentativa de usar uma táctica real que a WWE apressadamente classificou como parte de uma storyline e assim tornando nula a capacidade de reacção desses totós. O antigo manager de CM Punk Paul Heyman abriu o show e entrou ao som da música de CM Punk e entregou uma promo simplesmente brilhante que reduziu os cânticos desafiantes “CM Punk” a um conceito serviçal que faz parte do combate entre Brock Lesnar e Undertaker na Wrestlemania. Os fãs nunca pararam de gritar e o show acabou com Triple H em cima de um derrotado Daniel Bryan, fechando o livro da nulificação do #hijackRAW por obra de Paul Heyman, enquanto se abria outro capítulo para Bryan, ele que se tornou numa meta-paródia de wrestlers que tentam e trocam a sua popularidade na IWC por uma fatia de importância no universo WWE. Todo aquele heat foi exatamente para onde a WWE quis que fosse. Fim da revolta.
É uma coisa terrivel ser popular na internet. Nós tivemos um tipo muito talentoso que estava enterrado na divisão de pesos-leves. Alguns dos colaboradores mais jovens acreditavam que ele estava destinado a ser um tipo acessivel e uma nova estrela dos media online. Em vez de vestir uns calções foleiros e ir para a rádio falar do wrestling dos anos 80, enquanto tentava promover um house show, este jovem conseguia falar inteligentemente em sites de jogos de video, com bloggers e sabia apresentar a organização à próxima geração. E ele estava em brasa no ringue. Este jovem conseguia vender um golpe, mas ainda assim ele e os jovens da idade dele eram ignorados pela organização.
O seu nome de ringue era Chris e um dia eu tive a presunção de ir ter com os criativos e perguntar o que estava planeado para o Chris. «sim ele é um bom miúdo. Há algo nele. Sabes aquele show que eu não paro de ouvir falar? Everybody Hates Chris? Penso que é isso. Deviamos fazer algo sobre isso, tentar usar isso de alguma forma.». Esse show era uma sitcom com o comediante Chris Rock que narrava histórias sobre a sua infância enquanto afro-americano criado num bairro social nos subúrbios de Nova Iorque. O nosso Chris era um rapaz de 22 anos do Midwest. Eles estavam a improvisar qualquer coisa e aqueles infaliveis e velhos sábios atiraram uma trampa de desculpa para a frente de metade da nossa organização.
Dois dias depois levei uma reprimenda. Uma semana depois fui estupidamente abordado por um membro da equipa criativa e coloquei o meu caso sobre o Chris merecer um push, acabando por aprender um dos elogios mais dolorosos que esta indústria pode dar. Eu disse «Olha, este tipo é enorme na internet. Os nossos fãs hardcore adoram-no!» e a resposta do criativo foi: «Ainda bem! Assim não precisamos de voltar a fazer nada com ele!».
A coisa mais cruel que posso dizer a um smark apaixonado e dedicado é que quanto mais ele sabe, menos ele importa para a WWE. O smark é a pessoa que a organização sabe que vai estar a ver os shows todas as semanas, aconteça o que acontecer. Eles estão a comprar marchandising licenciado só para se queixarem nos podcasts e estão dispostos a pagar os 20 dólares extra nas gravações dos shows para estarem na fila de autógrafos a dizerem ao seu micarder mais desrespeitado o quanto gostariam de o ver no main-event. Até mesmo nos mais vazios dos house shows nós podiamos ver os dedicados membros da IWC a gravar combates sem qualquer significado só para colocarem os resultados nos seus sites. E já agora eu falo bem a sério quando digo que os resultados dos house shows não têm significado. Os vencedores dos house shows são determinados de forma aleatória e muitas vezes no momento em que estão a entrar para o ringue, isto se não houver nenhum titulo em causa. Ninguém quer saber, muito menos os atletas e ainda assim, na manhã seguinte temos uma análise de 1000 palavras sobre o porquê de certos combates serem agendados a favor de um wrestler particular. A WWE não quer saber porque vocês vão comprar o produto de qualquer forma.
Zangados pelo Daniel Bryan ou o CM Punk não estarem a lutar pelos titulos na wrestlemania em vez do Batista? A WWE não quer saber, porque vocês vão comprar os produtos deles na mesma. Eu estive nessas reuniões e a ideia é esta: vocês são um ganho assumido, estão garantidos. Mesmo que jurem nunca mais ver o show outra vez (o que as sondagens e investigações que eles fazem levam-nos a saber que essas são ameaças sem fundamento), vocês acabam por estar nas plataformas de media a falar sobre o quanto não gostam do produto.
A WWE não quer saber o que pensa um smark com uma prateleira cheia de bootlegs da Ring Of Honor. Eles preocupam-se mais em casar a sua empresa com a Marvel Studios quando o Dave Baustista estrear nos Guardiões da Galáxia, este Verão. Eles querem saber das crianças de 7 anos de idade e daqueles que ainda não foram iniciados no wrestling. (…) Se acreditavam que uma #hijackRAW iria fazer mais que ajudar a WWE a fazer mais dinheiro, então não compreendem este nicho de cultura popular.
Se a dinâmica smarks vs WWE nos pode ensinar algo maior, é que vivemos numa cultura popular em transformação, em que a comunidade de consumidores atentos não está ainda preparada para serem os criadores de conteúdo. Neste momento, aqueles que tomam decisões sobre as nossas fontes de entretenimento não obtiveram sucesso ao reconhecer a opinião das multidões, nem respondendo ao twitter. Se pagares para ir assobiar alguém para a Raw ou se envias um tweet para a WWE, eles vão ter mais uma noite de sucesso.
Sobre o Chris, a equipa criativa finalmente fez algo por ele. Juntaram-no a um wrestler veterano para uma história com algumas semanas de duração, em que ele iria fazer de um tipo jovem e estúpido a desafiar um atleta mais velho e sábio. Uma semana passou e, para seu embraço pessoal, obrigaram-no a usar umas fraldas e a chorar como um bebé. A Internet protestou. Na semana seguinte esse foi um dos segmentos mais vistos do show.
9 Comentários
Tanta verdade dita nesta entrevista! Desde que a IWC fale (bem ou mal) vai estar tudo bem para a WWE. Não vale a pena tantas queixas semanais, que uma semana depois vão ser os primeiros a ver o programa para voltarem a criticar! haha
There is no such thing as bad publicity! Deal with it.
Entrevista curiosa, onde não foge a verdade…Mas na minha opinião, existe alternativas…se quiser deixo de ver a WWE-deixo! Agora acredito que nos USA seja bastante difícil um fá deixar de ver a companhia de Vince.
Mas na minha opinião vê quem quer, e come quem quer…
André não dúvido que possa ser assim contigo, mas a larga maioria (e isto é estudado pelos focus groups) quando as pessoas ameaçam deixar de ver, isso não acontece. Aliás é como refere o Steve, mesmo que deixem vão continuar a falar do assunto e o nome ou o produto continuam a ser divulgados. Nós próprios aqui no WPT temos um exemplo relativamente mediático de alguém que deixou a sua marca como visitante do nosso site a afirmar com tamanha convicção que nunca mais voltaria a assistir (WWE ou TNA, conforme a moda do dia) e no entanto continuava (e talvez continue) a falar de wrestling. Eu próprio que não sou um consumidor da marca WWE, mas não deixo de alguma forma de contribuir ao ser consumidor de wrestling.
Estes fenómenos de hábitos televisivos estão mais estudados do que pensamos ou temos consciência e de facto somos ainda um pouco ingénuos na forma como assimilamos e construimos as nossas ideias, que nem reparamos que estamos a ser perfeitamente conduzidos. Não nos devemos sentir mal por isso, aliás essa ingenuidade faz parte da magia desta indústria.
Bem referido! Acredito que esses estudos são fidedignos, mas deixa-me revoltado como nos seres humanos reagimos ao que não gostamos…quando há alternativas. Eu sou um consumidor de Wrestling, e como bem sabes adoro rever e rever aquilo que já passou.A WWE é o meu mote, mas gosto de tudo…lá está na tua ultima frase dizes tudo…
Muitas verdades aqui são ditas. O facto é que a maioria de nós constitui a facção hardcore de fãs de wrestling, por isso vamos sempre ver no matter what. Não quer dizer que não possamos mudar de companhias ou seguir outras alternativas (nesse capítulo até recomendo que o façam e q n s fixem apenas na WWE, há mt mais wrestling neste mundo, mesmo q seja tao mediático) mas iremos sempre ver e principalmente FALAR de wrestling e até mesmo da WWE, pq msm quando n estamos a ver, acabamos sempre por falar neles quando o tema é wrestling.
Não há qualquer vergonha nisto, somos daquelas pessoas que realmenente percebem e apreciam o wrestling. Isso tem os seus prós e contras. Esta entrevista é uma boa forma de nos relembrar (a todos nós) como isto funciona.
WWE se tornou um monopólio, não tem o que ser feito. Eles fazem o que querem, e continuam a crescer a cada dia. Fato.
É o Chris Sabin.
Deixei de ver wrestling quando o Cena voltou e ganhou o WHC e só voltei a ver agora quando o Batista voltou, quando ele for embora deixo de ver mesmo.
Como já disseram em cima, muita verdade é aqui dita… Excelente trabalho Jorge.
PS: quando li a parte em que o Steven Godfrey chama “totós” a quem queria fazer o “hijack” da Raw lembrei-me do Salvador xD