Explicar os motivos pelos quais se gosta de ver ou fazer algo é uma coisa algo complicada de se fazer. Costuma-se dizer que gostos não se discutem, mas a verdade é que há sempre espaço para debater porque é que se gosta de determinada coisa e é isso que eu pretendo fazer nesta centésima edição do More Than Words, tentar explicar os motivos pelos quais eu gosto tanto desta modalidade.
No meu primeiro artigo publicado neste site, quando ainda não tinha este espaço, eu expressei a minha frustração em relação à atitude que outras pessoas têm em relação ao gosto que nós, fãs de wrestling, temos pela modalidade, mas nunca me debrucei sobre os motivos que me levam a gostar de ver e escrever sobre wrestling. A minha fixação pelo wrestling começou desde pequeno, como deve ter começado para muitos de vocês.
Era frequente acordar de manhã bem cedo, ligar a televisão e ficar completamente compenetrado nos episódios do Smackdown que na altura eram transmitidos pela TVI. Este foi o primeiro contacto que tive com o wrestling e fiquei completamente fascinado. Na altura tudo me parecia muito real, na minha cabeça todos aqueles homens e mulheres odiavam-se uns aos outros e quando entravam no ringue sentia cada soco, cada pontapé, cada queda como se estivesse a presenciar a ação dentro do ringue.
Nesta altura aquilo que me principalemente cativava era a ação. Eu não estava preocupado com os diálogos e as histórias, eu queria era ver pancadaria, queria ver acrobacias, queria ser impressionado pela habilidade e resistência que aquelas pessoas tinham para ir ao chão, de sofrer e de aguentar esse sofrimento, basicamente posso dizer que na altura o wrestling era como uma espécie de circo para mim.
No entanto, isso foi apenas numa fase muito inicial, pois rapidamente me fui interessando pelas histórias que estavam a ser contadas, em particular uma da qual me lembro bastante bem, que foi a feud que o Rey Mysterio e o CM Punk tiveram em 2010, se não me engano. Foi na fase em que o CM Punk criou a Straight Edge Society e fazia-se acompanhar pelo Luke Gallows e pela Serena. Foi através desta feud que comecei a desenvolver sentimentos em relação às pessoas que estavam no meu ecrã, foi aí que os atletas de circo passaram a ser pessoas para mim, pessoas boas e pessoas más, pessoas pelas quais sentia empatia e pessoas pelas quais sentia ódio.
Eu lembro-me perfeitamente de odiar profundamente o CM Punk pelas atrocidades que este fazia ao Rey Mysterio, pela arrogância com que ele pronunciava cada palavra nos seus longos discursos e lembro-me da consequente empatia que sentia pelo Mysterio.
Esta é a personificação de cortar o mal pela raíz.
Eram esses sentimentos que me empolgavam todas as semanas para assistir ao SmackDown e que me levavam a ficar colado ao ecrã. Era o desejo de ver o bem prevalecer sobre o mal que sempre me acompanhou, um certo sentimento de que justiça tinha de ser feita. Em todos os filmes, desenhos animados, etc, há quase sempre uma oposição entre os bons e os maus, mas na altura aquilo que via era tudo mais animado e de repente pude observar a mesma dicotomia com pessoas reais e fiquei completamente agarrado.
Não é que eu tivesse dificuldade em odiar os vilões e sentir empatia em relação aos heróis dos desenhos animados, mas eu sabia que aquilo não era real e no wrestling demorei mais tempo a perceber que não era e ainda bem que assim foi.
Não vou mentir que descobrir que na realidade aqueles heróis e vilões eram na verdade todos amigos fora das câmaras e que aqueles combates eram na verdade encenados não me desapontou um pouco, mas estava demasiado apegado àquilo para deixar de ver. Contudo, embora por motivos que nada têm a ver com o que acabei de dizer, deixei de ver wrestling por uns tempos, não me desinteressei completamente, mas encontrei outros interesses que se sobrepuseram ao meu interesse pelo wrestling e após essa pausa sem ver qualquer tipo de wrestling houve algo, ou melhor, alguém que me fez voltar a ficar apaixonado pelo wrestling.
Eu já tinha voltado a ver wrestling um pouco antes, lembro-me perfeitamente de ver a WrestleMania 29 a partir dos links fornecidos por este site, mas na altura não posso dizer que estava apaixonado pelo wrestling, já sabia que nada daquilo era real e isso era uma grande barreira para eu voltar a sentir com a mesma força aquela empatia e ódio que sentia em 2010 na feud entre o Punk e o Mysterio.
E eis que em 2013 começo a reparar num tipo barbudo, relativamente pequeno e sempre raivoso e eufórico que se chamava Daniel Bryan. A partir do momento em que o vi pela primeira vez em ringue fiquei completamente rendido ao seu talento, à sua garra, à forma como tratava cada combate como se a vida dele dependesse do seu resultado, toda aquela energia fascinou-me.
Contudo, foi a partir do momento em que comecei a perceber que havia pessoas que não reconheciam o talento deste homem que eu realmente comecei a idolatrá-lo, aliás, foi a partir do momento em que este foi declarado como o adversário do John Cena para o Summerslam e que no combate contra este último sofreu o cash-in do Orton que este homem se tornou no meu wrestler preferido. E foi aqui que percebi outro dos motivos pelos quais eu adoro esta modalidade, eu não queria apenas ver o bem triunfar sobre o mal, o meu desejo era outro, era ver alguém ser reconhecido pelo seu talento independente daquilo que os outros achavam, era a questão do sentimento de justiça que já tinha referido anteriormente
O homem vestido de preto e branco já foi filmado a seduzir um cadáver e o que está a levantar a mala tem um historial de apertos de mão questionável e no entanto nunca senti tanto nojo de ambos como neste momento.
Por esta altura eu já sabia perfeitamente que nada do que se estava ali a passar era real, mas esta história de Daniel Bryan em particular tocou-me particularmente. Quando Triple H e Stephanie McMahon diziam vezes sem conta que Daniel Bryan tinha talento mas que não podia chegar onde queria devido ao seu físico eu não pude deixar de me rever em Daniel Bryan.
Sendo uma pessoa de baixa estatatura, eu senti toda a frustração que Daniel Bryan parecia sentir, de repente aquilo tornou-se quase pessoal e esqueci-me de que aquela história não era real, de repente tinha voltado a 2010 e sentia-me outra vez o miúdo que pensava que eles se odiavam mesmo uns aos outros e não descansava enquanto não visse Daniel Bryan provar a todos que estavam errados.
A partir daqui fiquei completamente rendido ao wrestling e nunca mais parei de ver até aos dias de hoje. Nunca mais surgiu outra história como a de Daniel Bryan ou pelo menos nenhuma que me fizesse vibrar tanto como essa, mas a verdade é que continuei a ver wrestling com a mesma admiração à medida que fui descobrindo mais e mais sobre a modalidade.
O meu interesse pelo wrestling deixou de estar apenas ligado às emoções que me provocava através das histórias contadas e passou a estar também relacionado à forma como estas eram contadas, à forma como aquelas pessoas estruturavam os seus combates, comecei a reparar em pormenores como as músicas de entrada, os vídeos, as promos, a habilidade no microfone que antes me passavam completamente ao lado e aqui surgiu o meu aspeto crítico da modalidade que me levou a querer criticar aquilo que estava a ver e consequentemente a querer escrever sobre isso.
Portanto, os motivos pelos quais me fascinei por esta modalidade foram mudando ao longo dos tempos e a minha perspetiva sobre o wrestling neste momento não é de longe, nem de perto a mesma que tinha em 2010, mas há uma coisa que não se alterou ao longo deste tempo todo e que creio que nunca se irá alterar. As mesma pancadaria e acrobacias que me impressionavam há cerca de 10 anos, impressionam-me de forma igual uma década depois e independente daquilo que acontecer ao pro-wrestling no futuro, tenho a certeza de que isso nunca irá mudar.
Se o wrestling deixar de ter pancadaria e acrobacias creio que se irá parecer mais ou menos com isto. E se isso acontecer, nunca mais vejo porque o Dança com a Estrelas dá em canal aberto e é mais fácil de se ver.
Por hoje é tudo, espero que tenham gostado este artigo, apesar de ter sido algo diferente do normal, mas eu quis fazer algo mais pessoal para distinguir esta centésima edição das restantes e achei que este era um bom tema. Queria também aproveitar para agradecer a todos os que têm lido os meus artigos e que têm comentado, sem esse feedback dificilmente teria chegado a fazer 100 artigos. Eu voltarei para a semana com mais uma edição do More Than Words, até lá uma boa semana a todos.
13 Comentários
Só digo que… Daniel Bryan é definitivamente um dos melhores lutadores de todos os tempos.
Como se pôde ver pelo artigo, estou totalmente de acordo, Bea.
Identifiquei-me bastante com o teu inicio do wrestling atraves da TVI,tambem começei a ver por ai em 2009/2010 mais ou menos e aos domingos de manha fazia questao de acordar cedo so para ver o smackdown…depois deixou de dar na tvi e perdi o contacto ate que em 2014 voltei ao wrestling atraves da radical e até hoje ca estou a acompanhar nao so a WWE como varios produtos de wrestling.
Btw otimo artigo
Concordo contigo e com o Vasco
De facto, tambem eu acordava cedo aos domingos de manhã para ver o SmackDown na TVI, e foi nessa altura que começei a ver uma superstar que seria e é até hoje a minha preferida, que é o Undertaker.
Também via o WWE Experience na SIC Radical, assim como o Vintage Collection e o This Week na WWE, no Eurosport
Raymond James PTFCO
Tal como tu o meu wrestler favorito de sempre é o Taker e esse periodo TVI contribuiu muito para tal.
E também via o Experience quando voltei a acompanhar através da radical,depois fiquei a ver pela net e deixei de acompanhar pela radical
Muito obrigado pelo comentário, Goat of Wrestling. O Undertaker também foi dos personagens que mais me marcou Raymond James, só aquela entrada deixava-me completamente boquiaberto e tal como tu também via regulamente o WWE Experience na SIC Radical.
Cê merece um comentário!
É dificil de dizer. Quando comecei a ver em 2004, ainda pensava que era tudo verdade. As personagens intrigavam-me imenso e os combates deixavam-me colado ao ecrã. Talentos como Undertaker, Kane, Shawn Michaels, Eddie Guerrero, Chris Benoit, Triple H, Rey Mysterio, Kurt Angle.. tudo desde as suas personagens até à qualidade deles em ringue deixava-me fascinado. Mais tarde quando descobri que era tudo combinado (não gosto de usar a palavra fake), deixou-me um bocado triste, mas com o tempo habituei-me à ideia e comecei a gostar ainda mais. É complicado explicar porque é que o facto de aquilo ser tudo combinado ter-me deixado mais agarrado ao business do que quando pensava que era verdade, mas foi assim que aconteceu comigo. Já tive algumas paragens, de meses e até anos sem ver o produto por várias razões foram do meu alcançe, mas voltei sempre. Desde 2010 que não falho um Raw ou Smackdown (talvez salvo uma exceção ou outra) e apesar do produto nem ser sempre o melhor, tornou-se num hábito enorme e não consigo parar de ver (não que queira parar though). Adoro pro-wrestling. O meu pai também é fã de pro-wrestling há bastante tempo e foi ele que me introduziu à WWE (neste momento só vê os grandes eventos de longe a longe) e foi ele que me levou ao meu primeiro evento (Wrestlemania 24 em Orlando, Florida). É uma experiência brutal e aconselho a 100% se algum dia um de vós tiver a oportunidade de fazer o mesmo. Pro-wrestling é uma paixão que para mim começou há quase 16 anos e duvido que alguma vez vá deixar de acompanhar.
Já agora, ótima leitura, Vasco. Gosto sempre dos teus artigos.
Muito obrigado pelo comentário, Pedro. Ainda bem que já tiveste o privilégio de assistir a uma WrestleMania ao vivo, deve ser uma experiência inesquecível e completamente diferente de acompanhar o evento através de um ecrã, era algo que eu dia também gostaria de fazer. E acho incrível acompanhares regularmente a WWE desde 2010 sem nenhuma pausa, uma vez que o produto da WWE já esteve mesmo muito mau.
Esse artigo foi uma maravilha, até me emocionei
Gosto de Wrestling porque eu quando ia para casa do meu tio, ele tinha Sport TV, so ia para lá ver o Raw. O Smackdown dava na TVI não sei se alguém se recorda. Uma vez fiz grande filme no shopping para a minha mãe dar me o Undisputed Championship (A que o Lesnar venceu o The Rockl, um boneco do TripleH e um DVD road to WrestleMania tudo incluído por 30 euros. Até chorei 😂😂 isto com 6, 7 anos. Depois na entrada daqui do bairro disputava o cinturão! Ou seja, bastava eu não ir ver para casa do meu tio, se calhar nunca iria gostar de pro wrestling
Eu não sei explicar, eu só amo