As redes sociais são algo que faz parte da realidade mundial atual, uma realidade em que por exemplo o presidente dos Estados Unidos as usa para comunicar com o mundo. E o Wrestling, naturalmente, teve que se adaptar a essa nova realidade.

Sabemos tudo sobre os Wrestlers da atualidade, sabemos com quem namoram, sabemos muitos dos seus interesses e hobbys, sabemos onde vivem, sabemos muitas coisas acerca do seu passado, etc… Os Wrestlers, principalmente os da WWE, estão cada vez mais próximos de nós devido às redes sociais. Alguns expõem-se através de fotos, outros através de tweets e interação com os fãs e há outros, que mesmo não se expondo, eventualmente por fruto da curiosidade de fãs, acabam por ter muito daquilo que fazem exposto aos olhos de todos os fãs, por alguma coisa que disseram numa entrevista de rádio ou algo do género. Portanto, traduzindo isto para uma simples frase usada por muitos fãs, o Kayfabe morreu.

Eu podia explicar o significado de Kayfabe, mas acho que hoje em dia toda a gente sabe o que é. Uns viram-no ser extinguido ao longo dos tempos, outros, como eu, perceberam o que era, já numa fase terminal desse conceito e ainda há outros que simplesmente sabem porque lhes foi dito, pois não o puderam sequer presenciar. Esta “morte” do Kayfabe é uma das maiores críticas apontadas ao surgimento das redes sociais e ao seu papel no Wrestling. Eu percebo esta perspetiva, é difícil ver o sinistro e enigmático Undertaker, que vimos a espalhar o terror pela WWE, a esboçar sorrisos em fotos com a sua mulher e a mostrar que na verdade é só uma pessoa de 50 e poucos anos com um bom coração e uma data de cabelos grisalhos. É difícil ver que o seu irmão Kane, não é um monstro, mas sim uma ótima pessoa, que é inclusive prefeito de uma cidade americana. É difícil ver esses personagens, perderem a essência que os definia, é uma sensação equiparável a descobrir que o pai Natal não existe e isso, pelo menos para mim, não foi de todo pacífico.

More Than Words #50 – Wrestling e Redes Sociais

Eu sei, é difícil de acreditar que estes dois maníacos são na verdade dois pais de família, que não se tentaram matar um ao outro e que nem sequer são irmãos. Já agora também não digam que o da esquerda não incendiou uma casa, nem fez um tombstone num padre.

Portanto, o conceito Kayfabe desmoronou-se e com ele levou a essência de muitos personagens e gimmicks. Mas essa não é a única crítica proferida em relação à destruição do Kayfabe, há também quem diga que isso afeta também os wrestlers do presente. Estes são constantemente vistos juntos em fotos, em vídeos, em documentários e toda a gente sabe que a maior parte deles nutre uma grande amizade uns pelos outros e que por isso é difícil ficar investido em várias storylines. Mas enquanto concordo com a primeira crítica, já não concordo com esta. É preciso separar as gimmicks das pessoas.

O mesmo se aplica a um filme, por exemplo, se estiver a ver os vingadores a pensar que o Chris Hemsworth (Thor) e o Tom Hiddleston (Loki) são grandes amigos por detrás das câmeras, nunca vou ficar investido no filme, mas aí a culpa ou é minha ou é do filme que está a ser aborrecido, nunca é do facto de essa informação estar disponível. O mesmo se passa no Wrestling, se não estiver investido numa storyline, posso culpar-me ou a mim próprio por não estar a conseguir separar o homem/mulher da personagem ou então a forma como a storyline está a ser contada. Agora, não se pode culpar a não-existência do Kayfabe por isso, se a storyline estiver a ser bem executada e se a pessoa for capaz de emergir em formas de entretenimento como os filmes e o wrestling e abstrair-se da selfie que viu no Instagram há uma hora atrás, não há razão para não ficar investido.

As redes sociais têm por isso “cadastro”por matarem o Kayfabe, foi graças ao seu surgimento que o conceito deixou de existir. Mas não é apenas isso que consta no seu cadastro, algo que também lhes é apontado é o facto de terem aniquilado por completo o efeito surpresa. Hoje em dia qualquer regresso, qualquer combate, qualquer aparição, é anunciado previamente nas redes sociais e isso naturalmente irrita a maior parte dos fãs. Se o regresso milagre de John Cena no Royal Rumble de 2008 fosse previamente anunciado no Twitter, teria o mesmo efeito? Se o regresso de Brock Lesnar à WWE, em 2012 tivesse sido anunciado, seria a mesma coisa? Se o combate entre John Cena e The Rock na WrestleMania 28 tivesse sido anunciado num tweet em vez de no meio do ringue, pelos dois superstars, teria tido o mesmo impacto? Provavelmente não e nesse aspeto consigo concordar com essas críticas.

More Than Words #50 – Wrestling e Redes Sociais

Até ficava engraçado…

O problema nesta crítica, é que se está a culpar o que não pode ser culpado. Está-se a culpar o surgimento das redes sociais por acabar com o efeito surpresa, quando é a companhia, neste caso, a WWE que escolhe acabar com esse efeito. As redes sociais não foram criadas para isso, a WWE podia perfeitamente optar por não anunciar nelas combates de grande importância ou regressos inesperados, como companhias de menor dimensão fazem. Portanto se há algo para culpar aqui, esse algo é a WWE, não as redes sociais, caso contrário, é como estar a culpar a invenção do automóvel, pela elevada taxa de mortalidade nos países desenvolvidos ou a invenção do computador, pelo surgimento de novas doenças relacionados com a tecnologia. Se querem atribuir culpas, atribuam-nas aos jogadores, não ao jogo.

Como já devem ter percebido, apesar de concordar com algumas críticas feitas, não concordo com a afirmação de que as redes sociais estão a estragar o Wrestling. Como adolescente que desde sempre viveu com internet e cujo fenómeno das redes sociais surgiu numa altura em que ainda estava no começo da adolescência, tenho a consciência de que a minha opinião é capaz de ser completamente diferente de uma pessoa nos seus 30 anos, no entanto acho que há demasiado negativismo atribuído às redes sociais aquando da sua influência no Wrestling.

É certo que há vários contras que de facto pesam, mas é preciso olhar também para os prós. Foram as redes sociais que permitiram que o Yes Movement de Daniel Bryan tomasse as proporções que tomou, foram as redes sociais que permitiram a Becky Lynch ganhar a alcunha de “The Man” e manter a sua reputação de Badass fora dos ringues, são as redes sociais que permitem aos wrestlers construir um personagem que por vezes não conseguem em televisão e mais importante ainda, são as redes sociais que dão uma voz aos fãs.

More Than Words #50 – Wrestling e Redes Sociais

Queria ver isto acontecer na época em que apenas existia o Windows XP, mandava-se emails para Stamford para se fazer ouvir? Fazia-se manifestações com coletes amarelos?

E aqui é que a balança pende para os dois lados, assim como dá uma voz a fãs que de facto adoram wrestling e que querem manifestar essa sua paixão pelo produto da melhor maneira, interagindo com outros fãs de forma pacífica, também dá voz aos totós da net, como o Luís Salvador gosta de lhes chamar. Aqueles fãs que vão comentar algo inapropriado em selfies da Sasha Banks e da Alexa Bliss, aqueles que acham que aquilo que tweetam são verdades universais e aqueles que apenas insultam tudo e todos por atenção. E acho que infelizmente, este conjunto de “fãs” tóxicos pesa mais na balança do que o outro e isso acaba por denegrir e muito a imagem das redes sociais.

Em suma, acho que se atribui uma excessiva negatividade ao impacto que as redes sociais exercem no wrestling, que não é totalmente injusta, pois de facto existem os seus aspetos negativos que validam muitos de pontos vista contra, como é o caso dos “fãs” que eu acabei de referir, mas que passa a ser exagerada a partir do momento em que se visa a destruição do kayfabe como algo negativo para o produto, quando na verdade é algo negativo para nós que o vemos.

Nós, fãs que assistimos, é que temos saudades de quando tudo não era revelado, de quando ainda havia surpresas, de quando conhecíamos apenas as gimmicks e desconhecíamos quem estava por detrás delas e por isso resolvemos culpabilizar aquilo que “estragou” tudo isso, que são as redes sociais, o que é totalmente compreensível, mas que a meu ver não é fundamento suficiente para dizer que estas estragaram o wrestling. Sim, uma data de coisas como o efeito surpresa e o kayfabe deixaram de existir, mas a meu ver acho que isso se deve a uma nova realidade que depende da informação disponibilizada em todo o lado e que usa as redes sociais como ferramenta. E essas redes sociais são utilizadas por quase todos nós, por isso, seremos nós os culpados por “estragarmos” o produto a que assistimos?

Obrigado a todos os que leram este artigo e a quem me acompanhou ao longo destas 50 edições, espero que tenham gostado deste espaço até agora, desejo-vos a todos um feliz natal e vemo-nos no próximo domingo, no último More Than Words do ano, no qual irei falar sobre o ano de 2018 na WWE.

2 Comentários

  1. Anônimo6 anos

    só lembrando, que muito antes da Becky Lynch, o Seth Rollins já usava este slogan “The Man” ela copiou o slogan dele.

  2. Jão6 anos

    Não dá pra culpar as redes sociais. Alguns wrestlers nem têm Twitter (que é o queridinho da WWE) para não expor as suas vidas pessoais para esse fãs malucos que acham que tudo é real. Não via wrestling na época, mas sempre me falaram de quando Rusev e Lana mostraram que estavam casados e a empresa ficou irritada demais com os dois devido à storyline em que estavam. De qualquer forma, hoje em dia quebram a kayfabe até mesmo em ringue (vide “my real name is Joe”, só para citar o caso mais recente), então de maneira alguma a culpa é do Instagram ou do Twitter, mas sim dos marks que pensam que o mundo é uma arena gigante de luta livre.