Penso que toda a gente sabe que o wrestling é um desporto encenado, com resultados combinados ou como aqueles que querem denegrir ou fazer troça da modalidade, dizem: – É “falso”. No entanto, o wrestling não deixa de ser um desporto de luta e como tal, nos seus combates são usadas manobras que estão também incorporadas noutros desportos de luta, aquelas que qualquer pessoa, com um certo nível de treino, conseguiria utilizar em situação de perigo, como mecanismo de defesa. Quando penso nestas manobras, os primeiros exemplos que me vêm à memória são por exemplo o Kimura, o Uppercut, ou até mesmo o spear, embora não aconselho muito este último, a não ser que por acaso sejam da PJ e estejam em alguma perseguição.
O problema é que o wrestling não é bem um desporto de luta, é um primo algo afastado que combina o DNA da luta livre e do Circo, sendo que a este último vai buscar a parte da teatralidade, onde estão englobadas manobras como por exemplo os suplexes, as clotheslines ou mesmo finishers como o 619 ou o RKO, em que se percebe que tem de haver um esforço por parte da pessoa que sofre uma destas manobras e como tal deixa de ser realista. E é esta parte mais irrealista ou teatral, como queiram chamar, que parece estar mais saliente no wrestling, nos dias de hoje. Um exemplo desta parte mais teatral do wrestling e que gerou muita controvérsia não só aqui no Wrestling.PT, como noutros fórums e sites de wrestling, foi o combate do último episódio do NXT entre Keith Lee e Dominick Dijakovic.
Eu confesso que não vi o combate na sua íntegra, mas vi o suficiente para compreender o motivo que gerou a controvérsia em torno deste, que foi o facto de se ter baseado muito mais em spots, do que em psicologia no ringue. Ora isto não é uma novidade no wrestling, este estilo de combates é muito aclamado e utilizado nas indies, em companhias como a PWG e a ROH, por exemplo e já o vimos a ser utilizado algumas vezes no NXT, portanto este combate entre Lee e Dijakovic não foi de todo uma estreia.
Então o Keith Lee vai buscar uma mabobra ao moveset do Zidane, um ex-futebolista sério e criticam-no por estar a tornar o combate numa encenação?
No entanto, este combate talvez tenha utilizado excessivamente esse estilo, em comparação ao que é a norma na WWE e talvez por isso tenha sido alvo de tantas críticas como foi. E vou aproveitar este combate e a controvérsia em torno dele para falar deste debate, que já existe há algum tempo, sobre aquilo que deve ser o wrestling. Afinal o wrestling deve ser mais à base de spots, porque isso é o que o distingue das outras modalidades e cativa o público ou deve ser mais base da psicologia em ringue, do realismo, tentando na medida do possível tornar o wrestling menos encenado?
O wrestling à base de spots e acrobacias é ou não wrestling? Eu acho que continua a ser, mas deve ser utilizado com moderação e o principal problema com este tipo de combates e maioria das críticas feitas a estes, prende-se com a falta de moderção e com o facto de essa pouca moderação contribuir para a descredibilização das manobras. A partir do momento em que num combate vemos alguém a fazer um Kickout a um Canadian Destroyer do cimo das cordas, ou a por exemplo, três piledrivers, logicamente a manobra perde a sua importância. Qualquer espetador pensa que se o lutador X safou-se daquela manobra, então é porque se calhar não é assim tão forte como se pensava e nesses casos, especialmente se forem finishers, a manobra perde toda a sua importância.
Um caso recente disso, foi a saga de combates entre Adam Cole e Johnny Gargano, em que foram utilizados finishers, que em condições normais bastava 1 ou 2 minutos para arrumar o adversário, serem utilizados 5 ou 6 vezes. A partir do momento em que regularmente, os finishers são utilizados várias vezes durante o combate, de forma a proporcionar o Kickout para motivar a reação do público, o público deixa de reagir porque se torna banal. O finisher, que é suposto ser a manobra mais forte do arsenal de um wrestler, torna-se algo banal e às tantas, fazer kickout de um Piledriver torna-se equivalente a fazer kickout de um simples elbow drop e isso a meu ver não é benéfico para o wrestling.
Tudo bem, este combate foi bom, mas imaginem lá este cenário: Mal a campainha tocava, tanto o Taker, como o Michales começavam a fazer spanish flies como se não houvesse amanhã, de seguida o Taker aplicava 5 tombstones no Michaels, sendo que um deles acabava por furar o ringue e um Michaels já com a cabeça aberta fazia Kickout à contagem de 1 e lançava um SUCK IT! ao Deadman, perfeito.
Em contrapartida, também acho que ninguém quer ver um combate inteiro com rest holds, manobras de submissão e de vez em quando um ou outro suplex. Sim, tudo bem, eu estou de alguma forma a hiperbolizar, mas a verdade é que a psicologia em ringue sendo indubitavelmente importante, não é o essencial no wrestling e por vezes alguns combates que se focam maioritariamente neste aspeto, tornam-se algo aborrecidos. Um exemplo claro disto são alguns dos combates de Cody Rhodes. O Cody é um grande wrestler, não me intrepretem mal, mas por vezes há alguns combates deste que se focam tão detalhadamente no storytelling, que se esquecem que o público também gosta de uma ação mais rápida, de uma pirueta para aqui, um salto para acolá, etc…
Então e uma boa história contada em ringue não entretém perguntam vocês? Não digo que não, mas há muitos filmes e séries que fazem exatamente a mesma coisa, o wrestling precisa de se diferenciar, precisa de algo que faça com que a plateia fique de boca aberta. E é para esse mesmo propósito que servem os hurricaranas, os 450º splashes e todas essas acrobacias. Não é só para o wrestler X ou Y mostrar que sabe fazer aquilo, é principalmente para cativar os fãs, para fazer com que as pessoas vão para casa e pensem: Nunca tinha visto nada asssim. E partir do momento em que milhares de pessoas pensem assim, isso significa que milhares de pessoas viram algo único e algo único é algo que fica na memória e acho que isso é um dos objetivos de qualquer desporto e de qualquer atleta, criar momentos que fiquem na memória das pessoas.
Portando, como podem ter percebido por tudo aquilo que escrevi até agora, eu não estou a tomar nenhuma posição e acho sinceramente que precisam de existir as duas coisas num bom combate de wrestling: Precisa de existir uma boa história contada em ringue, caso contrário tanto posso estar a assistir a um combate de wrestling, como ao último show do Cirq Du Soleil e precisa de existir meia dúzia de spots criativos, senão mais vale ligar a televisão e meter no canal Hollywood. A meu ver, um combate de wrestling, para ser classificado como bom, tem de reunir estes dois aspetos. Caso um deles entre em esquecimento, como foi o caso no combate desta semana no NXT, é certo que não irá agradar a todos e o debate irá continuar.
Imaginem que o combate é a base disto. Acordo de manhã, ainda meio com um olho fechado e deparo-me-com 5 minutos disto, como é que eu sei que não é um filme do Jason Statham no méxico?
Obrigado a todos os que leram este artigo, espero que tenham gostado e volto para a semana com mais um More Than Words.
11 Comentários
Sinceramente não percebi toda a polémica em torno do combate do NXT, acho que já todos ouvimos falar do estilo lucha libre, acho que já vimos o Ricochet ou o Ali a lutar, e aqueles saltos do Shane Mcmahon…
Nem todos os lutadores conseguem ser como o Cesaro ou o Bryan, uns tipos daquele tamanho a fazer o que fizeram não é algo que se veja todos os dias e só o facto de muito se ter escrito sobre o combate já deu visibilidade aos envolvidos e isso já é uma vitória para eles.
Concordo plenamente, eu gostei do combate, apenas quis analisar os dois lados da situação e tentar compreender o motivo das críticas feitas. Quanto ao facto de dar visibilidade, também tens razão, de facto, apesar de todas as críticas, este combate deu que falar e só o dar que falar já é uma pequena vitória para ambos.
Concordo plenamente com a tua opinião, Vasco! Há que colocar um pouco de tanto storytelling como high spots para se criar um combate interessante para quem está a assistir.
Muito obrigado pelo comentário 🙂
Um tanto Sensacionalista. Garanto que se fossem dois figurões iriam aplaudir
Não sei se terá alguma coisa a ver com isso, mas eu não acredito muito que tenha. Acho que as críticas feitas tiveram mais por base o facto de o combate inteiro ter sido praticamente à base de spots, o que não é do agrado de todos.
Epa, dizer que ROH é à base de spots é de quem nunca viu um combate do Gresham, por exemplo.
Eu não disse que a ROH era a base de spots, disse que se focava mais nesse aspeto do que a WWE.
Eu tenho preferencia por lutas com mais velocidade, mais spots e etc… mas sei tambem que se não tiver uma pscologia envolvida, uma intensidade(que são frutos de uma boa storyline), realmente da uma sensação de que esta faltando algo. E vc usou muito bem o Rhodes como exemplo, ele realmente exagera(obs: ainda assim gosto muito dele). E a… essas legendas nas imagens são simplesmente GENIAIS.
Obrigado, eu também gosto do Rhodes, mas alguns combates ficam um bocado aquém do que se esperava, por causa desse forte pendor em psicologia no ringue, que acaba por fazer com que se “esqueça” que o ritmo do combate também é bastante importante.
O unico que eu salvo como uma exceção foi o contra o seu irmao no Double or Nothing, la deu pra sentir a pscologia no ringue de uma maneira satisfatoria, principalmente com aquele final que fechou com chave de ouro.