Sempre que é questionado sobre as motivações por detrás da transição de talentos do NXT para o roster principal, Triple H dá sempre a mesma resposta razoável e inteligente. Este defende que não quer estrear ninguém do NXT sem ter um plano a longo prazo e que a transição precisa de surgir de uma necessidade do roster principal.
São justificações que fazem todo o sentido, mas também não se aplicam à realidade. Embora algumas estreias de talentos do NXT tenham respondido a uma necessidade do roster principal, tal não se tem aplicado à maioria dos casos de talentos individuais. A verdade é que com a mudança de objetivo do NXT, os critérios para escolher os próximos talentos do NXT a fazerem a transição para o roster principal também mudaram.
Num mundo em que o NXT cumpre o seu objetivo original e treina talentos de raiz, Dana Brooke e Baron Corbin ainda fariam parte do roster e, muito provavelmente, seriam campeões ou candidatos ao titulo. Nessa realidade, Finn Bálor, Bayley, Samoa Joe, Jason Jordan e Chad Gable estariam no roster principal há meses.
Mas, como já foi discutido anteriormente, a situação mudou e o NXT evoluiu de escola de novos talentos para uma promoção dedicada a agradar a fanáticos. E tal como qualquer outra promoção, o NXT precisa das suas estrelas principais para assegurar venda de merchandise e bilhetes, explicando as situações dos talentos referidos acima. Bálor e Bayley, em particular, já atingiram tudo o que tinham para atingir no NXT, mas como são as caras da promoção, ainda não receberam a oportunidade de subir ao roster principal.
Ao longo do último ano, foi possível notar um padrão nas escolhas da WWE para o roster principal – nenhuma delas teve um plano a longo prazo e poucas foram uma resposta a uma necessidade do roster principal.
Aliás, quando falamos de talentos do sexo masculino que não fazem parte de uma equipa, nenhum deles veio preencher um vazio do roster principal. Podemos argumentar que Braun Strowman tem a sua utilidade na Wyatt Family e que o grupo ganha por ter um talento de tais dimensões, mas não era algo que, antes da estreia, se acreditava que o grupo precisava.
Kevin Owens, Neville e Tyler Breeze não vieram preencher nenhum vazio e certamente não tiveram planos a longo prazo. Aliás, de todas as estreias de talentos vindos do NXT, creio que Kevin Owens é, de longe, o que teve a melhor estreia e quem a WWE tem tratado melhor, mas continua a ser um facto que a WWE não tinha planeado o que fazer com ele depois das primeiras semanas, onde este enfrentou e venceu John Cena.
Equipas como Lucha Dragons e, este ano, os Vaudevillains e Enzo e Cass vieram refrescar a divisão de equipas, da mesma forma que Sasha Banks, Charlotte e Becky Lynch refrescaram a divisão feminina no ano passado, e nesses casos podemos argumentar que as subidas vieram responder a uma necessidade. Mas, a existência de planos a longo prazo é bastante questionável.
No que toca a talentos individuais do sexo masculino, a WWE teve, ao longo do último ano, inúmeras oportunidades de estrear novos talentos para tentar colmatar as ausências das várias estrelas de topo que se lesionaram. Na altura, Triple H explicou que não queria usar talentos do NXT para preencher um vazio deixado por lesões, porque eventualmente todos os talentos lesionados iriam regressar. Mais uma vez, uma explicação pública aparentemente aceitável, mas completamente ridícula.
Sim, eventualmente os talentos lesionados irão fazer o seu regresso, mas durante os meses em que estiveram ausentes, os novos talentos tiveram oportunidade de se apresentar, estabelecer uma ligação com os fãs e começar a criar currículo. Quando os lesionados fizessem o seu regresso, eles não iriam substituir os talentos do NXT que, meses antes, os substituíram. Simplesmente vão voltar e coexistir todos no mesmo roster e agora terão novas estrelas preparadas para enfrentar.
Acredito que existe, de facto, uma necessidade de manter uma variedade de talentos e personagens. Também acredito que alguns lutadores podem ser demasiado semelhantes, em termos de apresentação, e que não convém tê-los no mesmo roster ao mesmo tempo sem fazer alterações a um deles.
Olhamos para Daniel Bryan e Sami Zayn, ambos em 2014, e são demasiado parecidos. Não fisicamente, mas no teor das suas personagens e apresentação. Embora o problema não tenha surgido em 2014, para coexistirem no mesmo roster um dos dois precisaria de mudar.
Por exemplo, se durante a lesão de Daniel Bryan, a WWE tivesse estreado Sami Zayn para o substituir, então o que Triple H defendeu faz todo o sentido. Caso Daniel Bryan voltasse, a WWE teria um problema em mãos com duas personalidades demasiado semelhantes. Mas, repito, este problema existe quando a apresentação e o teor de diferentes personagens é demasiado semelhante ou igual. Não tem nada a ver quando se estreia um Finn Bálor para preencher um vazio deixado por John Cena, ou um Samoa Joe para “substituir” um Randy Orton.
Com várias estrelas de topo ausentes, novos talentos do NXT teriam oportunidades redobradas para se estabelecerem e criarem o seu próprio lugar no roster. Quando as estrelas lesionadas fizessem o seu regresso, iriam ter novos talentos para interagir e os fãs teriam novos conflitos para apreciar. Além disso, não é para situações deste género que convém ter um roster suplente? Se não é usar e abusar quando um raio atinge múltiplas vezes e deixa o roster principal da WWE sem muitas das suas estrelas de topo, então para que é?
Como é óbvio, a resposta é manter a existência do NXT como promoção alternativa, mas essa é a resposta que Triple H não pode dar. Embora seja a mais sincera.
Por isso, as únicas estrelas que, ultimamente, têm tido a oportunidade de subir ao roster principal são as que são dispensáveis para o NXT. Tyler Breeze, Baron Corbin, Dana Brooke, Neville, Sami Zayn e Apollo Crews são dispensáveis, porque não são os pilares da promoção – ou no caso de Zayn, já não são – e não são necessários para os conflitos principais. No entanto, isto não significa que a WWE tenha planos a longo prazo para qualquer um ou sequer se sinta particularmente inspirada em relação a um. Foram chamados porque eram dispensáveis, nada mais.
Ora, como já se tornou tradição, na altura da WrestleMania a na semana que se seguiu, a WWE estreou vários novos talentos – Enzo Amore & Big Cass, Baron Corbin, Apollo Crews e The Vaudevillains.
Enquanto no ambiente de WrestleMania, estes talentos eram relativamente conhecidos – se bem que não particularmente adorados, no caso de alguns – a situação muda de figura significativamente nas semanas que se seguem. O NXT tornou-se numa entidade conhecida e é bastante popular junto de fãs fanáticos e embora os fãs mais fanáticos tenham mais tendência para aparecer em gravações televisivas e pay-per-views do que, por exemplo, famílias e grupos de fãs casuais, a verdade é que não se pode assumir que toda a gente sabe perfeitamente quem são estes talentos do NXT.
A WWE precisa de apresentar estes talentos, precisa de explicar quem eles são e o que os motiva. Seja através de vídeos com destaques dos melhores momentos de determinado talento no NXT, seja através de uma entrevista gravada nos bastidores e editada pela fantástica equipa de produção da WWE, seja através de uma promo em ringue. Não interessa como, o importante é que os talentos sejam apresentados de imediato para que sejam distinguíveis e fáceis de lembrar para os fãs que ainda não os conhecem. E, como é óbvio, estas apresentações precisam de explorar os pontos fortes dos talentos em questão.
Dois exemplos de estreias absolutamente perfeitas são Kevin Owens e Enzo Amore & Big Cass. Os talentos em questão apresentaram-se através de uma promo – Kevin Owens confrontou John Cena, enquanto Amore & Big Cass confrontaram os Dudley Boyz – e em ambos os casos, os talentos distinguiram-se dos demais, exibiram os seus pontos fortes e apresentaram-se a uma nova audiência.
O objetivo de uma apresentação a sério não é apenas dizer o nome – embora isso também seja importante – é mostrar quem são e do que são feitos. Quando Kevin Owens confrontou John Cena, este era apenas mais um. Quando Kevin Owens se chegou à frente e se recusou a ser visto como apenas mais um “inexperiente,” apenas porque tinha demorado mais tempo a chegar à WWE, este mostrou logo que era arrogante, tinha lata, confiança nas suas habilidades e garra para olhar o lutador mais bem sucedido da última geração nos olhos sem recuar. Esse momento disse mais sobre a personalidade de Kevin Owens e sobre o que os fãs devem esperar dele do que qualquer combate que este pudesse ter tido poderia dizer.
Ora, não estou a dizer que um combate é uma má ideia para primeira impressão. Nada disso. Há várias formas de causar uma boa primeira impressão e o que é certo para lutador A pode não ser certo para lutador B. Não há uma regra que se adapta a todos. É importante perceber primeiro quais são os pontos fortes de cada apresentação e explorá-los de imediato na primeira oportunidade que se tiver.
No caso de Kevin Owens e Enzo e Cass, os seus pontos fortes são as promos. No caso de Sami Zayn, embora este também seja capaz de fazer promos humanas e motivantes, talvez a melhor resposta era mesmo um combate aguerrido com John Cena, como se supõe que era o plano no ano passado.
No caso de Baron Corbin, este irá brilhar mais numa promo gravada nos bastidores e cuidadosamente editada pelos mestres da equipa de produção da WWE, enquanto Apollo Crews poderá causar uma maior primeira impressão com um combate onde mostra as suas habilidades. Cada talento é diferente e cada talento precisa de causar uma boa primeira impressão à sua maneira.
Enzo Amore & Big Cass protagonizaram uma das melhores estreias de novos talentos dos últimos anos. Apesar do desdém, hesitação e pouco à vontade da equipa de comentadores a descrevê-los, a dupla brilhou como ninguém e transbordou carisma. Os dois parecem estar completamente renovados no roster principal, embora – para quem os acompanha desde o início no NXT – já façam a mesma apresentação há anos.
A rotina de início é perfeita para eles e, como seria de esperar, Enzo é um mestre ao microfone que consegue vender até as piadas mais fracas. A verdade é que, na maioria dos casos, não é aquilo que Enzo está a dizer que importa, mas a forma disparatada e peculiar com que este o diz. Os dois comportam-se como estrelas, complementam-se extremamente bem e são uma luz brilhante numa divisão que acusa falta de talentos à altura dos campeões ao microfone.
Não há quaisquer dúvidas que Enzo Amore & Big Cass vs New Day é o combate mais antecipado da divisão de equipas dos últimos anos e não é pelo que eles vão fazer em ringue. Ao longo dos últimos meses, os New Day transcenderam a divisão de equipas e ninguém lhes consegue chegar aos calcanhares, porque ninguém tem carisma e à vontade suficiente para lhes fazer frente.
Os New Day são campeões de equipas, mas a sua essência reside na apresentação e na comédia. Não é por acaso que durante os seus combates, a audiência perde significativamente o interesse, até os New Day voltarem a fazer algo – como o trombone – para os obrigar a investir. Não é apenas pela falta de adversários credíveis ou pelas dinâmicas heróis/vilões questionáveis, é porque o que torna os New Day especiais existe fora do ringue. É um facto que são capazes de excelentes combates de equipas, mas tal não tem sido o foco do seu reinado, nem será aquilo pelo qual serão conhecidos. Enzo Amore & Big Cass são, finalmente, uma dupla que consegue fazer frente aos New Day nesse campo.
Infelizmente, teremos de esperar ainda mais tempo do que esperávamos para assistir ao tão desejado choque de personalidades, porque Enzo Amore sofreu um traumatismo no WWE Payback. Embora qualquer lesão, especialmente lesões de natureza cerebral, seja infeliz, a verdade é que mal posso esperar para ver a ovação que Enzo que irá receber aquando o seu regresso. Enzo será recebido como um herói e espero que, até lá, a WWE não arruíne Big Cass.
É um facto que a personalidade excêntrica, elétrica e contagiante de Enzo Amore ofusca um pouco as habilidades de Big Cass. A dupla complementa-se bem, Enzo protege bem o parceiro e Cass consegue defender bem as suas habilidades, mas quando se vê a apresentação, o que salta mais à atenção é Enzo Amore. Seja pelo seu vestuário, pelos seus movimentos frenéticos ou pelas suas piadas, Enzo é a estrelinha brilhante da equipa.
Cass tem talento, imenso carisma e as suas próprias habilidades e a lesão de Enzo pode ser uma oportunidade para este evoluir e/ou provar aos fãs que não fica atrás de Enzo. Não é a primeira vez, desde que a dupla se formou, que Cass fica sozinho enquanto Enzo recupera de lesão. Só que enquanto o NXT é um ambiente controlado e cuidado, onde Cass conseguiu evoluir sozinho, o roster principal é uma selva.
Uma selva, onde apenas alguns indivíduos são protegidos e a proteção nem sempre é inteligente ou cuidada. A WWE não é capaz de se manter investida em diferentes lutadores ou grupos ao mesmo tempo de semana para semana. Eventualmente fraquejam, esquecem-se do que estavam a fazer e convencem-se que os fãs não querem saber ou percebem tudo na mesma.
Este é um ambiente mais complicado para Big Cass evoluir e destacar-se e receio que os oficiais da WWE se enamorem por Cass, devido às suas dimensões – como se vê que já está a acontecer pelas atitudes dos comentadores – e se esqueça do proteger e investir nos seus pontos fortes. Receio que a WWE arruíne a apresentação de Cass ao ponto de prejudicar o potencial da equipa quando Enzo voltar. Também receio que este período em que têm Cass sozinho convença os oficiais a separar a dupla cedo demais. E, ultimamente, receio que estraguem tanto a apresentação de Cass que os fãs se virem contra ele, tal como viraram contra Roman Reigns, e tomem o partido do claramente mais carismático, Enzo Amore.
Este período sem Enzo Amore pode ser extremamente valioso para Cass e pode ajudá-lo bastante aos olhos dos fãs. Mas também tem os seus perigos e, no roster principal, os perigos são bastante mais consideráveis que no NXT.
A equipa tem um enorme potencial, não só para o primeiro confronto com os New Day, como a longo termo e os fãs já os estão a adorar. Espero que a WWE não os separe prematuramente. Não seria a primeira vez. Afinal, embora os Shield já tivessem um ano e meio no currículo na altura da separação, em retrospetiva, pode-se mesmo dizer que aquela foi a melhor altura para os separar?
É impossível não ver que, à semelhança dos New Day, Enzo e Cass são uma mina de ouro. É verdade que agora tiveram um obstáculo e que este obstáculo pode dar azo a novas e repentinas ideias, mas convém não esquecer o objetivo. Convém não esquecer a mina de ouro que a dupla é.
Enfim, é caso para esperar para ver e torcer pelo melhor. Desejo uma excelente semana a todos e até à próxima edição!
9 Comentários
Excelente artigo Salgado, concordo com tudo.
Ótimo artigo. Ainda acho que os Vaudevillains e o Apollo subiram desmasiados rápidos ao roster principal, quando Samoa Joe e Bálor deveria subir
O Joe acabou de ganhar o título .-.
Ótimo artigo, só que me criou uma dúvida. A lesão do Enzo foi grave de algum jeito? Pra mim tinha sido apenas a pancada da hora, e ele ficaria em observação e depois retornaria
Concussão não costuma ser grave não, é só perguntar para o Daniel Bryan, Sasha Banks e outros sobre lapsos de memória, tremores e coisas assim… Por favor crianças estúpidas PENSEM ou se informem melhor antes de falar bobagem!
Eu já estou com a impressão que a WWE está a querer fazer com ele o que fizeram com o Roman Reigns durante a sua fase no Shield.
A mentalidade da WWE numa frase que foi dita pelo Cassidy no Highlight Reel:
“You may be the best in the world in what you do, but I’m 7 feet tall!”
Excelente artigo e boa semana!
Excelente artigo, concordo com tudo. Principalmente quando tocou no assunto de que cada um tem de ser apresentado a sua maneira.
Grande artigo Salgado.
Uma curiosidade: No Payback, apenas 4 Wrestlers (AJ Styles, Kofi Kingston, Natalya e The Miz) não vieram do NXT
oq prova que o NXT tem servido de fato para encher buracos, ainda mais nessa situação onde lesões aconteceram muito rápido em pouco tempo