A última edição da WrestleMania encerrou com Undertaker, uma das figuras mais duradouras e históricas da WWE, a deixar o seu casaco, luvas e chapéu – objetos tão associados a ele que o distinguem dos demais – no meio do ringue. Na altura, parecia uma despedida. Parecia o fim oficial da sua carreira. Todavia, como já estamos habituados, com Undertaker nunca podemos ter a certeza de quando finalmente acabou. No fim do dia (e sim, podemos ir já ao cerne da questão), é esse o meu problema com o regresso de Undertaker para mais um combate – julgo que, nesta altura do campeonato, não há dúvidas que tal irá mesmo acontecer contra John Cena – na WrestleMania.
Quantas vezes, nos últimos anos, pensamos que vimos Undertaker lutar pela última vez? Quantas vezes, nos últimos anos, é que Undertaker fez um gesto ou teve um comportamento que fosse entendido como despedida, apenas para voltar no ano seguinte? Demasiadas, na minha opinião.
E, talvez a culpa não seja de Undertaker ou até da WWE. Talvez, ambas as partes pensassem mesmo que cada um dos últimos combates que Undertaker teve na WrestleMania fosse o último da sua carreira. Aliás, tal é mesmo o mais provável. Os problemas de saúde de Undertaker são conhecidos e normalmente, só é costume termos a certeza de um combate seu na WrestleMania poucos meses antes, depois de algumas cirurgias, tratamentos e descanso. O problema é que despedidas emocionais, ano após ano, acabam por perder o seu poder e efeito.
A carreira de Undertaker não precisa de continuar. Este não precisa de continuar a lutar. Esta é a realidade há anos. Ele podia ter-se reformado em 2012, após a WrestleMania 28, onde lutou com Triple H num combate que compensou com carga emocional e história aquilo que não podia apresentar do ponto de vista técnico. Podia ter-se reformado após o combate com CM Punk, o último bom combate que teve na WrestleMania. Podia ter-se reformado após o fim da Streak, num combate miserável e difícil de ver na WrestleMania XXX. O combate com Bray Wyatt na WrestleMania 31 não era, de todo, necessário e o combate com Shane McMahon na WrestleMania 32 foi a pior anedota que a WWE contou na última década.
A questão é que, ano após ano, assistimos a combates de Undertaker na WrestleMania que, muito raramente, têm um motivo plausível para existir – na maioria das vezes, o motivo é simplesmente o facto de Undertaker precisar de um combate – e na maioria das vezes têm momentos onde se vê a fragilidade de Undertaker. E é aí que o combate deixa de ter interesse, deixa de ser divertido, porque é aí que nos apercebemos que não estamos a ver Undertaker, a lenda e um ícone vivo da indústria, a lutar. Não, estamos a ver um senhor de cinquenta anos, com um corpo dorido e lesionado, o produto de anos e anos a lutar e ser operado, a sacrificar-se mais uma vez e porquê? Por combates que não são bons? Por combates que não são necessários?
Em tempos, a Streak foi a grande desculpa para manter a carreira de Undertaker viva. A Streak era um dos marcos da WrestleMania e já não se imaginava uma edição da WrestleMania sem Undertaker a defender o seu legado. Mas, a Streak terminou em 2014, às mãos de Brock Lesnar, num combate que, por irónico que pareça, foi salvo exatamente por ter acabado da forma que menos esperávamos. Foi mais um combate onde a fragilidade de Undertaker o impediu de corresponder às nossas expetativas e nos impediu nos divertirmos, por pura preocupação. Se o combate tivesse terminado com uma vitória de Undertaker, seria uma nódoa negra no seu recorde de vitórias na WrestleMania. Não seria a única, é certo que muitos combates de Undertaker na WrestleMania não foram brilhantes, em particular os primeiros. Aliás, a qualidade garantida começou a surgir por volta da mesma altura que a WWE se apercebeu que tinha uma Streak e que não era apenas um fruto do acaso.
A vitória de Brock Lesnar e o fim da Streak permitiu que a qualidade do combate e a preocupação com Undertaker passassem para segundo plano e o combate fosse visto com outros olhos. Passou a ser um momento histórico, um exemplo da dominância e força de Brock Lesnar.
No ano passado, a Streak passou a ser um adereço, uma ferramenta, para promover e ajudar Roman Reigns, tal irá tornar-se oficial este ano quando Roman Reigns derrotar o outro único homem que venceu Undertaker na WrestleMania. Em teoria, não é mau. Aliás, sempre se falou e especulou que se a Streak tivesse de acabar, então que fosse para valorizar e ajudar a promover uma estrela do presente. Na prática, preferia que a estrela em questão não tivesse sido tão sabotada pela WWE, ao ponto da companhia recorrer a uma tática tão desesperada quanto esta, e preferia que depois de tantos anos de investimento e planeamento, a estrela em questão não passasse de uma segunda versão de John Cena, no que toca às reações polarizantes que recebe do público.
Portanto, não há saúde, não há Streak e o que não falta são momentos emocionantes onde Undertaker se despediu (ou podia ter despedido), ao longo dos últimos anos. Então, porque é que Undertaker vai voltar a lutar este ano? Porque é John Cena?
Admito que John Cena é um adversário para Undertaker na WrestleMania muito mais interessante que Shane McMahon, mas receio que seja um bocadinho tarde demais para este combate. John Cena vs Undertaker na WrestleMania era o combate mais interessante que a WWE podia fazer… Há uns anos atrás. Quando John Cena ainda era a cara da companhia, quando John Cena era visto como um bocadinho mais invencível e imparável do que agora. E, claro, quando a Streak estava intacta. Porque, nessa altura, era um combate verdadeiramente intrigante! Quem iria ganhar? John Cena, o homem que nunca perde e que foi a aposta mais sólida da WWE durante a última década, ou Undertaker, o homem que nunca perde na WrestleMania e que faz parte da companhia desde os tempos de Hulk Hogan?
Nessa altura, o combate era imperdível. John Cena foi, em tempos, a única estrela que podia mesmo fazer os fãs acreditar que, se calhar, a Streak ia mesmo terminar. Isso é algo que muito poucos alguma vez conseguiram fazer. A última grande oportunidade que a WWE teve para realizar este combate foi em 2013, mas na altura, a desforra entre The Rock e John Cena era muito mais importante. Admito que ver Undertaker e Triple H lutar depois do emocionante e criativo combate (e despedida a fingir) que tiveram na WrestleMania 28 foi frustrante, porque apercebi-me que foi uma hora – toda a apresentação, desde as entradas até à saída dos lutadores, incluindo o abraço, durou uma hora – em que estive emocionalmente investida que não teve consequências. Foi bonito, mas foi inconsequente. Foi uma hora onde três estrelas dos anos 90 brilharam e contaram uma belíssima história, mas não teve peso. Não teve consequências. Ninguém se reformou, que não tivesse já reformado, no caso de Shawn Michaels, não se criou nenhuma estrela nova… Apenas se criou um momento de WrestleMania vazio e sem significado.
Com tudo isso dito, a única ocasião mais próxima do ideal que a WWE teve para fazer o combate entre John Cena e Undertaker foi a WrestleMania 29. CM Punk podia, então, ter enfrentado The Rock pelo título, com o seu reinado histórico em jogo. Teriam sido dois combates muito intrigantes, porque os resultados não eram óbvios.
Agora, com a Streak a servir de ferramenta para consolidar Roman Reigns e com o estatuto de John Cena como o número 1 relegado para, também, Roman Reigns, não há qualquer intriga no que vai acontecer. E também não há interesse, pelo menos, não da minha parte. Há muitos anos que perdi interesse em ver um Undertaker dorido a arrastar-se, ano após ano, só para fazer mais um combate. Todos os anos “é só mais um.” Essa é uma consequência desagradável da incerteza do futuro de Undertaker. Como todos os anos “é só mais um”, chega a um ponto em que, se calhar assistimos ao último, não sentimos que foi o último e não sentimos nem metade da emoção que deveríamos assistir perante a reforma de uma lenda deste calibre. Digo isto porque, no ano passado acreditei que tinha sido o último e fiquei extremamente desapontada com tudo aquilo que não senti. Vou sempre sentir respeito, mas acaba por ser mais um exemplo da clássica história de Pedro e o Lobo.
O combate pode ser bom. John Cena não é nenhum incapaz e Undertaker pode surpreender. Podemos assistir a mais momentos de WrestleMania. São tudo factos, a questão é que duvido, e tenho muitas razões para duvidar, que vamos a assistir a algo que seja consequente e que, acima de tudo, valha mesmo a pena ver.
Talvez esteja a ser muito dura. A promoção do combate em si também não está a ser propriamente cativante. Que John Cena já não é o foco e o centro do mundo WWE, toda a gente já percebeu, mas chegarmos ao ponto da WWE passar semanas a tentar convencer os fãs que John Cena não vai ter um combate na WrestleMania é completamente disparatado. É uma premissa que nunca ninguém vai acreditar. A WrestleMania é um evento de sete ou oito horas onde aparece praticamente toda a gente, portanto é simplesmente ridículo estar a dizer aos fãs que se calhar não há tempo para um combatezinho de quinze minutos para uma das maiores estrelas da companhia que, atualmente, está a ganhar cada vez mais destaque em Hollywood.
Quando mostram John Cena desesperado e aborrecido por ter perdido, em particular agora no Fastlane, sinto que tentaram, em parte, replicar o que Shawn Michaels fez em 2010, quando queria o combate com Undertaker. Mas, em 2010 foi diferente. Shawn Michaels queria o Undertaker, não queria a WrestleMania. Michaels queria vencer o Royal Rumble, porque Undertaker era campeão e era a única forma do forçar a enfrentá-lo, visto que Undertaker se recusava. A ideia nunca foi que Shawn Michaels não tinha nada para fazer na WrestleMania, a questão era que Michaels estava obcecado com Undertaker. De tal forma obcecado que meteu a sua carreira em jogo e fez com que Undertaker perdesse o título para o convencer a dar-lhe outra oportunidade.
A obsessão de Michaels por Undertaker na altura era muito mais compreensível e plausível do que o desespero de John Cena que não ia ter nada para fazer na WrestleMania. Mais uma vez, é uma premissa tão absurda que nem deviam ter perdido tempo nela.
Como se uma premissa ridícula e os já existentes problemas criativos do SmackDown não bastassem à festa, John Cena ainda desperdiçou umas semanas a fingir que não iria enfrentar Undertaker e a derrotar o campeão do SmackDown, AJ Styles, limpo poucas semanas antes do grande evento. Não deixa de ser irónico que a pessoa que estava em vias de ficar de fora do maior evento do ano não tem quaisquer problemas em lutar com um dos campeões principais e em derrotá-lo de forma limpa. Esqueçam Undertaker e Nakamura, John Cena devia era enfrentar AJ Styles pelo título! É o que faz sentido, se bem que há pouco que faz sentido no mundo WWE.
Undertaker ainda não respondeu ao desafio de John Cena. Circulam teorias que, como deixou o seu fato no ringue, à saída da WrestleMania, e como anda a aparecer cada vez mais, em vez de passar a vida escondido, Undertaker poderá lutar com John Cena na WrestleMania como Undertaker, o motoqueiro de 2000-2004. Não querendo, mais uma vez, ser demasiado má, mas tal ainda mais tira mais interesse ao combate. Percebo que, para Undertaker, a sua fase de motoqueiro foi uma boa forma de se expressar e mostrar mais habilidades, visto que na sua versão mais sobrenatural este está mais limitado relativamente ao que pode e deve fazer, particularmente ao microfone. Percebo isso, mas em 28 (!!!!) anos de carreira na WWE, a sua versão de motoqueiro durou apenas 4. Não foi a minha fase preferida de Undertaker, apenas divertida e interessante em momentos pontuais, e se é para acabar desta vez, não acho que seja um reflexo justo daquilo que foi a sua carreira.
Porém, mais uma vez, isto são muitas possibilidades. Tanto quanto sabemos, Undertaker ainda pode chegar aos trinta anos de carreira!
No fim do dia, este combate não vai acontecer nas circunstâncias em que era verdadeiramente interessante de ver. Já aconteceu demasiadas coisas, o mundo WWE já mudou demasiado. Só continua uma constante: Undertaker continua a lutar e, pessoalmente, não percebo bem porquê. Lealdade à companhia? A Vince McMahon? Sem dúvida. Amor aos fãs e ao que faz? Também acredito. Mas, também sempre acreditei que Undertaker era aquele que sabia quando dizer “está na hora” e todos os anos vejo que sempre estive enganada em relação a isso. Não gosto de ver lutadores a arrastarem-se para durarem “só mais um combate”. Não gosto de combates onde, a meio, fico subitamente preocupada com a saúde de quem está a lutar. Já não me estou a divertir e isso tem acontecido muitas vezes ao longo dos últimos anos.
A audiência presente na WrestleMania do ano passado só não reagiu pior à vitória de Roman Reigns, porque, tal como eu, estavam preocupados. Porque vitórias e derrotas no mundo do faz-de-conta são completamente secundárias à saúde e bem-estar dos lutadores. Mas, talvez o combate seja bom. Talvez esta história inconsequente e combate desnecessário seja bom.
Eu não preciso que seja bom. Só preciso de não me preocupar e já dou o dia como ganho. Obrigada e até daqui a duas semanas!
8 Comentários
“John Cena vs Undertaker na WrestleMania era o combate mais interessante que a WWE podia fazer… Há uns anos atrás. Quando John Cena ainda era a cara da companhia, quando John Cena era visto como um bocadinho mais invencível e imparável do que agora. E, claro, quando a Streak estava intacta”
Tudo dito. Excelente artigo!!
“no ano passado acreditei que tinha sido o último e fiquei extremamente desapontada com tudo aquilo que não senti.”
Isto. O Undertaker é provavelmente a figura mais respeitada e emblemática desta indústria e foi também uma parte muito importante da minha infância e custa-me o facto de neste momento ele me ser praticamente indiferente…
Enfim, excelente artigo.
American bad ass é demais. Podia dar outra cara para o desenvolvimento e para o combate em si
Excelente artigo, concordo com tudo.
Mim deixa bastante triste e bravo ao mesmo tempo saber que mais um ano teremos o Undertaker na Wrestlemania roubando um precioso tempo que poderia ser usado por Aj vs Nakamura, Sasha vs Bayley, Asuka vs Charlotte, Seth Rollins vs Balor vs Miz, etc..
Concordo plenamente que o combate cena x taker esta fora de timming e que ja nao faz sentido undertaker continuar a lutar e menos ainda depois da despedida do ano passado. Mas como fã de wrestling para mim faz ainda menos sentido o lixo do roman reigns ser o ultimo a defronta-lo e a vence-lo. Por isso que ainda quero ver este combate, este sim o derradeiro entre cena e taker da para inventar algo muito bom daqui. Porque nao pensar em virar cena heel depois do que acontecer no combate? Oportunidade perfeita para isso ate porque ele ja nao é mais a cara da companhia. E Undertaker pode despedir-se em grande com uma vitoria (se fosse por submissao seria ainda mais surpreendente!)
Em relação ao Undertaker, eu ainda torço e sofro por ele sempre q entra no ringue. Temo pela sua saúde mas isso até me faz ficar mais investido nos combates dele. Também concordo que o combate com Cena era o certo, mas na WM 29, e não 5 anos depois. De resto excelente artigo Salgado. Devias fazer destes todas as semanas!
Que artigo perfeito… Vários comentários que resumem toda essa situação.
Sobre o Undertaker, me dói ver um ídolo numa situação dessas, a se arrastar pelo ringue, dói mesmo.
Que boa leitura nos proporcionas, obrigado pelo esforço e dedicação!
Só quero aqui dizer que caso John Cena x Undertaker fosse à uns anitos atrás teria sido a altura ideal para tornar Cena heel (talvez o façam agora) deixando o spot de top babyface para alguem novo (Roman)