É comum os grandes sucessos ensinarem as lições erradas. É comum em todo o lado, na indústria cinematográfica, literária, entre outras, e não só na WWE. Quando algo corre bem e é um sucesso, de imediato tenta replicar-se esse sucesso, muitas vezes, sem sucesso. Porquê? Porque foram tiradas as conclusões erradas do primeiro sucesso. Quando a avaliar sucessos, as pessoas têm uma grande tendência a reduzir aos aspetos mais práticos.
Sempre que há um grande sucesso no cinema ou na literatura, de imediato começam a surgir trabalhos semelhantes ou, até em certos casos, copiados quase na sua íntegra de forma a replicar o sucesso do primeiro. Não é por acaso que as livrarias foram invadidas por inúmeras “obras” de pornografia em forma de livro após o sucesso de vendas de “As cinquenta sombras de Grey”, ou que distopias com adolescentes como protagonistas após o sucesso de “Os jogos da fome” tenham surgido em massa.
Atualmente, no cinema assistimos ao mesmo filme formulaico de super-heróis duas a três vezes por ano, com raras (muito raras) exceções. A WWE, como qualquer outra indústria, não foge à regra. Aliás, esta tentativa de recriar um sucesso anterior é a única e exclusiva razão para a obsessão da WWE em tornar Roman Reigns na estrela desta geração. Mas, este artigo não é sobre Roman Reigns.
Em 1999, no pico da Attitude Era, The Rock e Mick Foley protagonizaram um segmento cómico, o famoso “This is your life”, que foi um estrondoso sucesso. No fim de 1999, a WWE já tinha dado à volta à guerra de audiências contra a WCW e o risco de voltar a ser destronada era mínimo, todavia tal não tira o mérito de milhões e milhões de pessoas terem visto em direto o segmento. O sucesso deste segmento validou o tipo de comédia que a WWE tinha tendência a fazer e garantiu que iriam existir repetições ao longo dos anos.
Comédia é das poucas coisas que a WWE, definitivamente, não consegue fazer. Sempre que tenta, acabamos com segmentos desconfortáveis, embaraçosos e potencialmente ofensivos. O conceito de “This is your life” já regressou várias vezes, em nenhuma delas teve sequer uma fração do sucesso do primeiro. E isto, porque a WWE nunca percebeu que o sucesso do primeiro se deveu, em primeiro lugar, à popularidade dos dois envolvidos. Quando se tem duas pessoas estupidamente populares a interagir uma com a outra no respetivo auge das suas carreiras, meio caminho para o sucesso está feito. A outra metade foi facilmente concluída com o carisma e talento que os dois têm de, por vezes, transformar mau material em excelentes segmentos.
Infelizmente, em vez de ver esses aspetos – carisma e popularidade de The Rock e Mick Foley – como as grandes razões para o sucesso do segmento, a praga dos atores contratados, dos travestis, das piadas desconfortáveis e muito, muito mais, foram os aspetos básicos a que a WWE reduziu o segmento. Desde então, mais nenhuma versão deste segmento funcionou. Foley e The Rock tentaram repetir o feito anos mais tarde, mas não conseguiram. Em 2011, Mick Foley tentou algo semelhante com John Cena e o resultado foi desastroso e embaraçoso. No ano passado, assistimos a uma versão com Alexa Bliss e Bayley que, para surpresa de ninguém, também falhou redondamente. Não só não foi engraçado, como não ajudou nenhuma das envolvidas.
Os sucessos e fracassos dos segmentos “This is your life” explicam exatamente porque é que comédia é das poucas coisas que a WWE deveria tentar não fazer. Primeiro que tudo, porque o tipo de comédia que, tipicamente, é aprovado e criado pela WWE para ser apresentado nunca é engraçado. Estamos a falar de homens vestidos de mulheres em segmentos embaraçosos, ou de atores pagos para se vestirem de figuras controversas para lutarem em ringue, ou de comentadores a serem humilhados e a fazerem figuras tristes em que ringue… Enfim, estamos a falar de segmentos desconfortáveis a que toda a gente assiste sem saber muito bem como reagir.
Com isto não quero dizer que a WWE não tenha tido segmentos verdadeiramente engraçados em toda a sua história. Muito pelo contrário, a WWE já teve (e ainda tem) ao seu serviço pessoas carismáticas e engraçadas que conseguem, em várias ocasiões, fazer os fãs rir. E a fórmula para fazer comédia acaba por ser confiar em pessoas genuínas e carismáticas que fazem comédia de acordo com a sua personalidade. Ou seja, são verdadeiros, são honestos.
A WWE vence, no jogo da comédia, quando tenta explorar o melhor que há em cada uma das personagens e enaltecê-lo, não quando tenta impor o seu peculiar sentido de humor partilhado por muito poucos. A WWE também vence quando não se leva demasiado a sério e goza consigo mesma. Não é por acaso que um dos segmentos mais engraçados dos últimos anos foi o monólogo de Kane, nas sessões de terapia que teve com Daniel Bryan, onde este, em tom monótono, contou a história da sua vida.
A rivalidade que Seth Rollins e Dean Ambrose tiveram logo após a separação do grupo “The Shield” esteve minada de pequenos momentos que dão para horas de gargalhadas. A lista de Chris Jericho é outro exemplo. Na sua extensa carreira na WWE, Santino Marella mostrou que sabia perfeitamente como fazer as pessoas rir. É possível a WWE ser engraçada, sem ser inapropriada e desconfortável. Isto é possível quando se faz jus às personagens e quando se deixa pessoas verdadeiramente engraçadas brilhar ou escrever.
Eu não sei o que foi aquilo a que todos assistimos no último Raw. Não sei se foi tentativa de comédia – tento em conta o peculiar humor que costuma caraterizar a companhia, é bastante possível. Não foi mais uma edição do “This is your life”, eu sei, mas é um descendente distante. É uma consequência do “This is your life”.
Tudo começou quando, há umas semanas, Bobby Lashley – que regressou à WWE após a WrestleMania, depois de muitos anos ausente, e desde então não tem feito nada – foi entrevistado por Renee Young e falou sobre a sua família, em particular sobre as suas irmãs. Foi uma entrevista, julgo que genuína, mas desconfortável por causa do seu contexto. Pareceu-me uma entrevista perfeitamente aceitável, mas que pertencia num programa na WWE Network, não como ferramenta para promover Lashley, avançar rivalidades ou, pior, dar mote a rivalidades. Uma semana depois, Sami Zayn apareceu e garantiu que a relação de Lashley com as irmãs não era a que Lashley tinha descrito e que, em breve, as irmãs iriam aparecer no Raw e revelar a verdade sobre Lashley.
E, se os sinais de alarme não dispararam quando a entrevista foi transmitida pela primeira vez, então o anúncio da vinda das três irmãs pela parte de Sami Zayn ativou-os de imediato. Não sabia se seriam travestis ou atrizes convidadas, ou até mesmo as verdadeiras irmãs de Lashley, mas adivinhava-se um segmento desconfortável, desagradável e que em nada iria beneficiar os intervenientes. Foi exatamente isso que aconteceu. Três homens vestidos de mulher fizeram-se passar pelas irmãs de Lashley, para regozijo de Sami Zayn, e acusaram Lashley de ser abusivo e delinquente. Como seria de esperar, Lashley apareceu – para celebração de ninguém – e castigou todos os envolvidos.
Agora pergunto, qual foi o objetivo? O que se poderia ganhar ao escrever e transmitir um segmento assim? Este foi um exemplo de um segmento que prejudicou todos os envolvidos. Desde que regressou que Bobby Lashley não fez nada de nota, participando apenas em combates de equipa, e a primeira rivalidade mais “intensa” em que se envolve começa com um desastre destes arruinando toda e qualquer hipótese que a WWE tinha de criar gerar interesse e burburinho em torno de Lashley como herói. Já não vai acontecer, ele está agora reduzido a uma mera piada sem graça e a mais um a fazer espaço no plantel. Qualquer ímpeto que o seu regresso possa ter gerado, desapareceu quase de imediato quando este ficou reduzido a combates de equipas, e o segmento que a WWE transmitiu no passado Raw foi a gota que transbordou o copo.
Nem Sami Zayn, que supostamente deveria ser terrivelmente odiado por ter orquestrado tal segmento, foi devidamente odiado e apupado pelos fãs presentes. Aliás, ambos foram recebidos com pena, apreensão e desconforto. Podemos ir mais longe e avaliar a moralidade do segmento e o seu possível teor ofensivo para minorias e transexuais, mas penso que tal seria dar demasiado peso e crédito ao humor juvenil e extremamente antiquado das pessoas responsáveis. No entanto, existe a possibilidade de alguém ter ficado verdadeiramente ofendido e, nos dias que correm, a WWE pode estar a correr riscos desnecessários por histórias e segmentos que, na realidade, nem os seus próprios fãs mais aguerridos são capazes de defender. Afinal, a WWE não tem um passado tão limpo que se possa dar ao luxo de esticar mais a corda, pois simples pesquisas revelam dezenas e dezenas de segmentos semelhantes que podem danificar a imagem que a companhia quer vender. Será que o segmento foi tão importante, tão engraçado e tão essencial para avançar a rivalidade de Zayn e Lashley, que justificou o risco? Acho que não.
Nem Zayn, nem Lashley beneficiaram com o que foi transmitido. Zayn é fantástico e tem se revelado como um vilão extremamente interessante, mas nem todos os seus esforços foram suficientes para salvar um segmento que estava condenado à partida. Acredito que Bobby Lashley não tenha quaisquer esperanças como herói. Ele não tem carisma suficiente para o fazer e a sua apresentação acaba sempre por ser um pouco insonsa. Já se experimentou apresentar Lashley como o herói sorridente, no passado, e não funcionou. Este início bastante atribulado ainda o está a prejudicar mais, portanto creio que, em breve, ele não terá outra escolha senão tornar-se num vilão. E acho que será o melhor para ele.
Acredito que assistimos ao pior momento da WWE em 2018. E espero estar certa, porque caso contrário, com sete meses ainda pela frente, temo o que ainda está para vir! Obrigada a todos, até daqui a duas semanas!
5 Comentários
Sem duvida, segmentos sem sentido e ridículos que a WWE se lembra de repetir vezes sem conta e que nem tem haver com uma modalidade violenta, embora simulada, lá dentro existe rivalidades, etc, não deveria de existir piada mas sim tensão , raiva, coisas desse gênero… Ou se ė para segmentos de graça escolham bem os momentos e as pessoas, new day ou miz são exemplos disso, tem o tal carisma cômico referido no artigo… Quanto atuam rivalidade sem duvida que não leva a lado nenhum nem o laslhey, nem o sami e isso estraga o interesse no combate, já Lara não falar que a WWE teve hipótese de trazer de volta um grande star power, um ex campeão mundial, poderia estar bem over perante o publico e ser mais uma razão de interesse do publico e ser.mais uma razão de vendas de bilhetes ou subscrições no network, a WWE fez um regresso sem pedra de sal a um main eventer, deixou o estar na sombra do strowman, nada contra o monstro que gosto bem dele e tem feito um enorme trabalho, mas que diabo, o homem merecia muito mais enisto pode ser uma cruz no enterro dele de certa forma, espero que a WWE de a volta e o faça dele o que já fez no passado, como disse e reforço ė alguem que pode dar dinheiro a empresa, deveriam pensar melhor.
Foi muito ridículo
Esse é aquele tipo de segmento que te tira do show, depois dele tudo nesse RAW pareceu ruim, mesmo que não tivesse sido tão ruim, a solução é Lashley ser heel em breve e o Zayn e o Owens serem faces na tag division para depois quem sabem voltarem para o Main Event, o Zayn é um face natural e acho que uma rivalidade com o Ziegler e o Drew podia ser benefica
Parabéns pelo artigo, sem duvida o pior momento do ano na WWE.
Calma que o ano ainda nem a meio vai, e pior foi o backlash…
Muito bom artigo.