Não era preciso ser fã de Daniel Bryan para desejar o seu regresso aos ringues, bastava ser fã de wrestling. Um dos lutadores mais reconhecidos e acarinhados pela audiência, Daniel Bryan fez uma carreira a partir de combates fantásticos, honestidade transparente e de provar errado as pessoas que dele duvidavam. E, mais recentemente, provou errado os médicos que, há anos, determinaram que a carreira dele precisava de terminar para bem da sua saúde. Daniel Bryan passou anos a não aceitar o não como resposta, portanto embargou na luta mais árdua e arriscada da sua vida – fazer todos os possíveis para recuperar fisicamente e provar que podia, de facto, voltar a lutar. Se há algo que a situação de Bryan voltou a provar é que a medicina não é uma ciência exacta e que tudo pode mudar – isto pode funcionar a seu favor e contra.

É por isso que, apesar de como, qualquer fã, querer vê-lo de volta aos ringues, sempre me contive em desejar um regresso. A sua reforma não foi uma decisão dele, mas foi-lhe imposta e não porque tinha problemas com a companhia – podia simplesmente ter esperado que o seu contrato acabasse e regressar ao circuito independente, algo que ele, por acaso, estava decidido a fazer se a WWE não o deixasse voltar aos ringues antes do seu contrato expirar. A sua reforma foi-lhe imposta por problemas de saúde.

A decisão continua a ser de Bryan, é um facto. Quantas vezes não vimos já lutadores idolatrados a arriscarem o corpo e a saúde? O Wrestling, por si só, é uma atividade com riscos inerentes, mas estamos fartos de conhecer e assistir a exemplos em que os lutadores vão mais longe, muitas vezes inutilmente. Falo apenas por mim, mas não tiro qualquer prazer em ver alguém correr riscos com a sua integridade física para entreter outros. Percebo a paixão envolvida, percebo a dedicação e percebo que, para alguns, a arte que praticam é mais importante, às vezes, que a própria vida. Todavia, como espetadora e fã, eu não tiro prazer desse tipo de extremos. E se para que Daniel Bryan tenha um fim de vida são e saudável, tenho de ser privada de mais uns anos da carreira dele como lutador, então parece-me que a escolha é fácil.

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Mas, mais uma vez, a decisão era dele. Todavia, não nego que sentia um conflito de emoções quando se tornou óbvio que Bryan ia voltar aos ringues, mesmo à revelia da companhia. Porém, após anos de dedicação e exames, Bryan conseguiu convencer a equipa médica da WWE que era seguro voltar aos ringues. Claro que a primeira reação foi de extrema alegria e celebração, mas também  foi seguida de alguma caução e receio – afinal, não era a primeira vez que a carreira de Daniel Bryan parava e este fazia um regresso.

Apesar do receio associado, o seu regresso no SmackDown foi o momento emocionante e enternecedor que se esperava. Não porque ele tinha ficado afastado dos ringues durante muitos anos, mas porque a história de Bryan e a sua sinceridade toca todos. A paixão que Bryan sente pelo Wrestling é óbvio, o seu talento é inegável e a sua honestidade é transparente. Bryan é alguém de quem ninguém na indústria fala mal ou duvida e este tipo de consideração não é fácil de conseguir. Tudo isto explica a sua popularidade e o facto do seu regresso ter sido dos momentos mais vistos do ano no SmackDown.

Assim que o seu regresso foi anunciado, os fãs começaram a especular e a sonhar com as mais variadas rivalidades e adversários que Bryan podia ter. Nem todos os cenários de sonho passavam necessariamente por ser campeão principal e estar no topo do companhia, mas dar Big Cass a Daniel Bryan como sua primeira rivalidade a sério foi uma certa desilusão.

Há várias formas de analisar o regresso de Daniel Bryan e o seu percurso até hoje. A WWE pode ter decidido dar rivalidades de menos destaque e relevância a Daniel Bryan porque tem ainda tem receio que este se lesione e quer precaver-se, não só ao dar-lhe muito destaque e correr o risco dele se ausentar novamente, mas também para não lhe colocar demasiada pressão em cima e diminuir os riscos que ele corre.

Tal também pode estar a acontecer porque, com a quantidade de talento que a WWE tem à sua disposição, a companhia não tem  falta de alternativas a Bryan e sente que não existe uma grande emergência em apostar nele já, prego a fundo, visto que a sua popularidade já é um dado adquirido.

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E claro, também pode ser que a WWE tenha decidido, conscientemente, ir promovendo Bryan gradualmente, de forma a que este possa atingir o pico de forma fantástica. Podemos estar apenas a assistir a uma nova ascensão sua ao topo, mas novamente de forma gradual e medida. A WWE pode simplesmente estar a temperar a fogueira que é Daniel Bryan para que se relance novamente no topo de forma ainda mais popular.

As possíveis explicações são mais que muitas e por cada possível explicação há duas ou três teorias da conspiração.

A verdade é que não é usual ver alguém que foi tão popular como Bryan foi e que foi o destaque de uma WrestleMania voltar de uma lesão que todos pensavam que tinha ditado o fim da sua carreira e começar por baixo em rivalidades como lutadores como Big Cass. Qualquer outra estrela de grande popularidade que tenha feito um regresso semelhante no passado voltou sempre com grande pompa e circunstância.

Repararão que nem sequer menciono a WrestleMania, porque como foi apenas decidido que Bryan podia voltar aos ringues quando a promoção do grande evento já ia a meio, não fazia muito sentido pedir à companhia para mudar os planos todos em cima da hora.

No fundo, acho que a culpa foi dos fãs que criaram demasiadas expetativas. Daniel Bryan voltou à WWE para ocupar exatamente a mesma posição que a companhia queria que ele ocupasse no passado. Como estamos fartos de saber, o seu rumo ao topo da WrestleMania XXX não foi planeada, mas sim imposta à companhia por fatores externos, e na ausência desses fatores, a WWE vê Daniel Bryan como um campeão Intercontinental, campeão de Estados Unidos, campeão de Equipas e, ocasionalmente, campeão principal do programa em que se encontra. Não quer dizer que nunca voltaremos a ver Daniel Bryan no combate principal de um evento, mas não é ele o herói que a WWE quer ver ao leme do navio.

É desmotivante, não nego isso. É desmotivante ver tanto potencial a ser utilizado de forma tão reduzida.

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Portanto, a reunião de Daniel Bryan com Kane faz-me sentir o mesmo que senti quando se juntaram pela primeira vez, há cinco anos. Em 2012, a formação da equipa parecia ter sido engendrada para arrefecer a onda de apoio que Bryan recebeu, após a sua derrota em 18 segundos na WrestleMania 28. Já há muitos anos que uma parceria ou rivalidade com Kane não é sinónimo de sucesso e excitação. Aconteceu exatamente o contrário. A química dos dois e os ridículos segmentos de comédia que protagonizaram tornaram a dupla extremamente popular e acarinhada. Aliás, apesar da sua curta duração, asseguraram entrada no ranking de melhor equipa cómica de sempre.

A dupla teve sucesso e funcionou porque Daniel Bryan e Kane mostraram, para além de uma enorme química e uma veia cómica muito forte, uma completa falta de vergonha e embaraço. Se todos os segmentos que eles protagonizaram tivessem sido feitos com outras pessoas, pessoas mais envergonhadas, menos naturais ou mais inibidas, teriam sido absolutamente embaraçosos de assistir. Todavia, como ambos se entregaram de corpo e alma ao que estavam a fazer, sem vergonha nem relutância, tudo o que eles faziam se transformava em ouro.

Já o disse várias vezes e repito, o momento em que Kane, numa sessão com Dr. Shelby, recita, sem qualquer emoção, todas as atrocidades que sofreu na WWE e que infligiu a outros é, sem quaisquer dúvidas, um dos momentos mais hilariantes que a WWE já produziu, senão o mais hilariante.

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É este tipo de abordagem que tornou a equipa num sucesso e vimos réstias de tal no segmento que ambos protagonizaram no SmackDown, onde Kane assegura que, mesmo de longe, sempre teve o cuidado de proteger Bryan à distância, o que leva Bryan a apontar que Kane atacou-o diversas vezes e lhe tentou raptar a esposa. O tom incrédulo com que Bryan grita “it wasn’t even a match!” mostra que nenhum dos dois terá problema em reiniciar a sua amizade e a química que ambos tiveram.

Além disso, tal como provaram em 2012, a equipa é mais engraçada quando reconhece o ridículo a que as suas personagens são sujeitas e as vidas que têm, não quando ignoram e fingem que tudo o que não conseguem explicar não aconteceu. Nota para a equipa criativa: é sempre preferível reconhecer o que não se consegue explicar, do que fingir que não aconteceu, na esperança que ninguém se lembre ou repare. Há sempre alguém que repara, há sempre alguém que se lembra.

Não nego que, apesar do divertimento que os dois irão certamente gerar, me questiono sobre qual o propósito desta reunião. O que não falta na WWE são equipas e a última coisa que a divisão precisa é de ser dominada por uma dupla que, apesar de ser muito engraçada e popular, é constituída por um Daniel Bryan que é claramente superior a este tipo de interações e por um Kane que já não tem a jovialidade de outros tempos e obviamente não voltou para ficar. Este tipo de incerteza não ajuda a divisão ou os títulos. As divisões de equipas não precisam do regresso da equipa de Bryan e Kane para ter sucesso ou serem interessantes. Os Usos e os New Day já provaram isso. Apenas precisam de investimento, dedicação e tempo da companhia.

Portanto, porquê empatar a divisão com a reunião de uma equipa que, embora tenha sido popular, tem, logo à partida, um prazo para acabar?

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Porquê fazer Daniel Bryan voltar ao início, onde tem de passar por tudo outra vez – equipa com Kane, debater-se com a noção que é o elo mais fraco – quando tem outras rivalidades mais interessantes para explorar, como, por exemplo, a sua rivalidade com The Miz? Só o facto de Daniel Bryan não ter ido imediatamente atrás de Miz quando regressou é difícil de explicar, mas compreensível, agora continuar a evitar o grande choque em detrimento de rivalidades com Big Cass e reuniões com Kane? Mais complicado de perceber. É possível que, mais uma vez, estejam a fazer tudo de forma gradual, de forma a que os dois se enfrentem num grande evento, com toda a pompa e circunstância, e que eu esteja apenas a ser impaciente e injusta. É possível. Porém, ninguém me pode culpar por ter pouca fé na dedicação da WWE em construir histórias a longo prazo de forma bem-sucedida.

Até lá, até Bryan estar completamente integrado no plantel e nas rivalidades principais, em vez de flutuar à volta, afastado de tudo, teremos que nos contentar com os segmentos certamente divertidos que ele e Kane nos irão proporcionar, ao mesmo tempo fazendo figas para que não resulte numa rivalidade entre os dois.

No fim do dia, o que me dá mais pena é a relutância da WWE em investir e dar tempo de antena a algo orgânico e verdadeiro, como aquilo que Bryan proporciona. Percebo que muitos estejam a revirar os olhos e a pensar “Lá vem esta com este choradinho, quando o rapaz ainda só voltou há uns meses!”. A verdade é que a WWE é um ambiente extremamente artifical e plástico. Os que estão no topo raramente aparecem ou, quando aparecem, nem sempre têm uma ligação com a audiência onde se sente a sua autenticidade. Por vezes, nem a companhia consegue manter claro quem são os heróis e os vilões do início ao fim.

E depois aparece alguém como Bryan, por quem os fãs têm genuíno afeto. Alguém que nenhum fã, dos 8 aos 80 anos, duvida que seja o bom da fita. Alguém que tem uma história de luta e dificuldades para contar, um verdadeiro herói natural, e a companhia prefere assobiar para o lado, fingir que é tudo uma coisa muito engraçada, mas que é melhor aproveitada em rivalidades completamente secundárias e o reavivar de aspetos de há cinco anos. Bryan continua a ser hoje o que foi há cinco anos – um raio de esperança e genuininidade que consegue unir todos os fãs a torcer por um só objetivo.

Porque é giro odiar Roman Reigns, achar Braun Strowman e Brock Lesnar porreiros ou torcer por Kevin Owens porque ele é engraçado de forma cáustica, mas nada, absolutamente nada, substitui um verdadeiro herói por quem todos torcem e sentem carinho. É isso que continua a fazer falta à WWE e é isso que Daniel Bryan proporciona.

Obrigada a todos e até daqui a duas semanas!

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2 Comentários

  1. “Porque é giro odiar Roman Reigns, achar Braun Strowman e Brock Lesnar porreiros ou torcer por Kevin Owens porque ele é engraçado de forma cáustica, mas nada, absolutamente nada, substitui um verdadeiro herói por quem todos torcem e sentem carinho.” LINDO, está aqui uma verdade absoluta.

    Excelente artigo. Tenho exatamente os meus receios quanto a utilização do Bryan pela WWE. Seria sensacional que a partir do momentos que o Miz fosse para o SD, o Bryan fosse atrás do seu nêmesis, mas cfreio que assim como você disse, a WWE deva mesmo estar guardando essa luta para um grande palco e tomará que seja nesse Summerslam…

    Entretanto, é muito estranho ver Main Eventers ou menos que isso retornarem de lesões e entrarem logo na rota do título princiapl e o Daniel que praticamente voltou dos mortos ter que ficar nessas rivalidades mais que secundárias. Quero muito acreditar que estão construindo sua ascenção pouco a pouco, mas acho que no fim a frase da Steph é a que vai sempre estar na cabeça da WWE quanto a Daniel Bryan: you’re a B+. É o que sinto hoje, espero que eu esteja errado e assistamos o melhor Yes Man de sempre.

  2. Excelente artigo.