Não é preciso acompanhar a programação da WWE ao longo de muitos anos para detetar certos padrões. A certa altura, apercebemo-nos que, com algumas exceções, a WWE apresenta uma fórmula muito repetitiva e até cíclica. 2018 não é o primeiro ano em que programas como o Raw ou SmackDown Live apresentam uma queda nas audiências ou uma acentuada descida na qualidade entre o SummerSlam e o Royal Rumble. Também não é o primeiro ano em que Vince McMahon escolhe esta altura para fazer aparições, discursos ou até influenciar combates de forma mais direta.
Eventualmente, tudo melhora, pois com o começo de um novo ano temos também o início da preparação da WrestleMania, com a primeira paragem a ser o Royal Rumble – um dos eventos mais populares junto dos fãs, devido às inúmeras possibilidades que representa. Vários fãs receberam o regresso de Vince e o reconhecimento de Seth Rollins, em televisão, que o Raw andava pelas ruas da amargura, com esperança e alívio. Talvez, pensaram muitos, a direção da WWE tinha-se apercebido de como a sua programação se tinha tornado repetitiva, desinteressante e, acima de tudo, aborrecida e estava a preparar-se para resolver alguns dos principais problemas criativos que têm atualmente.
Eu, como eterna pessimista que sou, não vi o que aconteceu exatamente dessa forma. Não é a primeira, nem a quinta vez, nos últimos anos, em que Vince faz uma aparição no Raw, supostamente para salvar o programa das péssimas audiências, com um anúncio supostamente bombástico que depois acaba por não ser nada de especial e perde o seu efeito passadas algumas semanas. Esse é um dos motivos pelo qual não levo, não levei e dificilmente voltarei a levar a sério um regresso de Vince McMahon aos holofotes, especialmente quando é feito neste contexto.
Além disso, a altura em que Vince e os restantes membros da sua família escolheram para voltar é suspeita. Com o aproximar do Royal Rumble, com o aproximar da WrestleMania, é complicado de acreditar que a família McMahon, que tanto adora as luzes da ribalta e de protagonizar os eventos mais importantes do ano, se iria manter afastada muito mais tempo. Portanto, sim, é possível que o regresso tenha sido antecipado como resposta à descida das audiências, mas um regresso era absolutamente inevitável.
Como se tudo isso não bastasse, a forma como Rollins criticou a qualidade do Raw há umas semanas também é uma estratégia bastante típica da WWE. A companhia apropria-se frequentemente das críticas dos fãs, incorporando-as nas suas histórias e, se necessário, deturpando-as de forma a contar a história que querem contar, seja essa a história que os fãs querem ouvir ou não. Ao ter Rollins a dar voz a várias críticas que os fãs têm feito e a culpar Baron Corbin, a WWE tornou-as parte da história. E sendo Corbin o grande culpado de tudo o que tem corrido mal, este foi derrotado repetidamente e supostamente destituído.
De certa forma, Corbin era mesmo um dos principais problemas do Raw. Primeiro que tudo, a ideia do chefe mau que faz de tudo para complicar a vida aos empregados é muito boa, mas já foi posta em prática tantas vezes, durante tantos anos, e por tantas pessoas diferentes que perdeu o seu efeito e propósito. Esta é uma ideia que só funcionou extremamente bem uma vez há vinte anos atrás, e agora faz simplesmente parte da rotina. Para além de ser uma ideia gasta e cansada, Corbin não tem perfil, talento ou qualidade para justificar o destaque que tinha, por ser a pessoa escolhida para o papel.
Todavia, apesar de Corbin ter sido escolhido como o culpado de tudo, a verdade é que o Raw tem mais problemas para além dele. A começar, claro, pelo campeão ausente.
Realmente, é complicado compreender a decisão de colocar o título principal num talento com aparições limitadas quando se tem um leque variado de lutadores talentosos, carismáticos e populares a aparecer todas as semanas. Lutadores como Seth Rollins, Finn Bálor, Drew McIntyre e Dean Ambrose, estão reduzidos a papéis secundários, onde lutam por feijões, sem a energia, a intensidade e o propósito que o talento deles merecem. Neste momento, não passam de hamsters a correr na sua rodinha, sempre a mexer, mas sem nunca sair do mesmo sítio.
Tornou-se cada vez mais óbvio que, para Vince McMahon, ou era Roman Reigns, ou não era ninguém e visto que o antigo campeão se teve de afastar por motivos de saúde, agora é impossível prever quanto tempo irá Brock Lesnar ficar com o título. Será que será campeão até Reigns voltar? Será que ainda iremos ver Braun Strowman, McIntyre ou Rollins a receber uma oportunidade no topo? Não sei, mas o meu pessimismo faz-me crer que provavelmente teremos de esperar até Reigns regressar.
O problema é que não sabemos quanto tempo isso irá demorar. Não estamos a falar de uma lesão com tempo definido de recuperação como uma operação à perna ou ao braço, que por sua vez já são perigosas o suficiente, estamos a falar de leucemia. E manter o título principal do Raw no limbo enquanto se espera que Reigns recupere de uma doença tão complicada e grave como leucemia é irresponsável e irracional.
O Raw precisa do título principal de volta. Os lutadores do Raw precisam de algo por que lutar. Não para serem campeões de transição, para o título voltar logo para as mãos de Lesnar. O título do Raw precisa de voltar de forma definitiva. Não que vá resolver todos os problemas, afinal, nem todos os problemas criativos se resolvem com títulos. Um título sem história, sem valor, sem emoção, não passa de um acessório. Todavia, também não se pode apresentar uma competição sem o prémio principal. Drew McIntyre, Seth Rollins, entre outros, merecem mais do que estar a correr sempre no mesmo sítio, sem chegar a lado nenhum, nem ganhar reconhecimento pelo seu trabalho ou talento. O título principal serve também como um selo de aprovação e garantia. É uma meta importante que não pode ser feita refém ao longo de anos.
Porém, esse foi um tópico em que Vince nem tocou. Pode ser que esteja a guardar as mudanças mais drásticas para depois das festividades, quando todos os fãs estiverem mais atentos, mas duvido que este seja um aspeto que este vá mudar.
Por outro lado, Vince fez um anúncio interessante. Em breve, seis estrelas do NXT irão ser promovidas à programação principal e estrear-se. A seleção de nomes não é má, mas as estrelas do NXT não são solução para problemas criativos. Além disso, tendo em conta todas as estrelas do NXT que Vince já desperdiçou ou prejudicou, o anúncio destas promoções nem sequer serve para deixar os fãs um pouco empolgados. É certo que Lars Sullivan pode ter a sorte de Braun Strowman, que apesar de algumas falhas aqui e ali, foi das estrelas que a WWE mais apostou nos últimos anos e tornou-se num dos favoritos da audiência. Contudo, quem garante que Nikki Cross terá mais sorte que Bayley, por exemplo? Ou que EC3 não se irá perder no midcard como Tyler Breeze, Bobby Roode, Tye Dillinger e tantos outros?
Nenhum talento, incluindo os que são promovidos do NXT, escapa aos problemas criativos que a WWE. Nenhum talento está imune a decisões ridículas e questionáveis. E a verdade é que uns estão em maior perigo do que outros, dependendo do seu caráter, apresentação e investimento de Vince.
Ter nomes novos no plantel vai ajudar a criar rivalidades novas, mas é uma solução a curto prazo. Além disso, esta é uma altura estranha do ano para estrear novos talentos. Com o plantel a transbordar de talento e com as vagas limitadas que a WrestleMania tem, irá a WWE investir nestes seis talentos ao ponto de justificar a sua inclusão em combates de destaque na WrestleMania? Ou será que quando chegar a altura do grande evento, estes seis estarão escondidos em Battle Royals ou combates de várias equipas, porque com tanto para fazer e promover, eles são os últimos a receber prioridade? E se é esse o destino deles, então era mesmo preciso estreá-los antes da WrestleMania?
Enfim, só o tempo o dirá, mas as probabilidades não são boas.
Apesar da decisão de Vince de regressar à televisão, rodeado dos restantes membros da família, para anunciar mudanças, a verdade é que o Raw não está em verdadeiro perigo. A WWE não está em verdadeiro perigo. Já se percebeu que o modelo em que a indústria se baseia neste momento mudou drasticamente nos últimos 20 anos. Descidas nas audiências ou até problemas na bilheteira já não são sinónimo de fracasso ou problemas financeiros. Na realidade, graças aos contratos televisivos que tem, a WWE nunca teve tanto lucro e nunca esteve tão segura, a nível financeiro. Não deixa de ser irónico que, numa altura em que as audiências andam pela hora da morte e o produto atingiu níveis chocantes de desinteresse e aborrecimento, a companhia esteja a atravessar a sua melhor fase a nível financeiro.
Se a descida das audiências e as constantes críticas dos fãs mudassem alguma coisa, o Raw já não seria um programa de três horas há anos. No entanto, a WWE ganha demasiado para manter aquela terceira hora para considerar tirá-la.
Exatamente por isto, a WWE não sente verdadeira pressão em mudar a forma como opera e minimizar os seus problemas criativos. E é isso que frustra os fãs. Sabemos que é complicado escrever tantas horas de televisão todas as semanas, todos os meses, todos os anos, sem pausa, nem intervalo. Sabemos que é complicado preencher tantas horas de televisão a que a companhia se propôs a transmitir como forma de rendimento. Neste momento, produzir Wrestling faz dinheiro à WWE, mesmo que o produto em questão não seja o mais empolgante. E se nos tivessem a oferecer a quantidade de dinheiro que oferecem à WWE para produzir todo este conteúdo, é complicado dizer que não tomaríamos a mesma decisão.
Portanto, não culpo a WWE por isso. Porém, a companhia também não pode culpar ou recriminar os fãs por quererem conteúdo de qualidade. Por quererem gostar do que pagam para ver.
Portanto, se a WWE não está verdadeiramente em perigo, que mudanças drásticas pode Vince fazer? Teoricamente, Vince pode fazer muitas, mas na prática acredito que iremos ver muito poucas. Quando uma das soluções é acrescentar mais McMahons e torná-los novamente em figuras permanentes da programação semanal, então sabemos que não podemos subir muito as expetativas. Os McMahon, em particular Stephanie e Shane, são um dos principais problemas criativos que a WWE tem. Ambos ocupam tempo de antena e roubam destaque e protagonismo a verdadeiros talentos, apenas porque sim, e não para beneficiar terceiros.
Não se lembram porque é que Stephanie era um problema? Basta ver a forma como ela tratou as participantes do combate de Gauntlet. No fim do dia, não há maior estrela na WWE do que um McMahon o que, por coincidência, não torna o produto mais interessante ou empolgante. Embora cada um tenha as suas qualidades, nenhum é utilizado de forma a beneficiar alguém que não sejam eles. E visto que nos estamos a aproximar da época de WrestleMania, é apenas típico que ambos voltem – Stephanie para rebaixar tudo e todos e mais uma vez monopolizar as atenções e Shane para ser tratado como o lutador que não é e ocupar um lugar de destaque e proeminência no card da WrestleMania, que poderia muito bem ir para um lutador verdadeiramente talentoso e capaz.
Stephanie, Shane, Vince e até Triple H a aparecer diariamente, a ocupar histórias e rivalidades, não é uma solução. É um problema. Mas, infelizmente, a companhia é deles e não há absolutamente risco nenhum de a companhia ser prejudicada pelas más decisões criativas que toma.
Todos estes problemas irão desaparecer ou ser minimizados dentro de semanas. Estrelas irão voltar, regressos e surpresas irão fazer parte da norma e a excitação da preparação para a WrestleMania irá mascarar muita coisa. E assim nos iremos manter até à WrestleMania e depois o ciclo recomeça até ao Summerslam. E depois do Summerslam, sensivelmente daqui a dez meses, iremos voltar à estaca zero, onde não temos regressos, não temos título principal no Raw e não temos motivação. Não irão existir soluções rápidas que mascarem o tédio repetitivo em que a programação principal da WWE se transformou, as audiências irão continuar a descer e, com um bocadinho de sorte, Vince irá regressar para animar tudo outra vez. Porque, no fim do dia, não são apenas os lutadores que estão presos na rodinha dos hamsters. Obrigada pela atenção, desejo que todos tenham excelentes entradas em 2019 e até daqui a duas semanas!
7 Comentários
Acredito que as coisas devem melhorar.
quanto péssimo Salgado! as vezes um pouco de otimismo também é bom, e ninguém nunca falou que Vince está esperando o retorno de Roman. para tirar o título de Lesnar, leucemia é uma doença que nem mesmo os médicos, pode prever o tempo que a pessoa vai levar para se curar…
quanto pessimismo, eu quis dizer
A baixa qualidade pode ser um fator na queda da audiência, mas eu não considero que esse seja o principal fator. O número de pessoas que assistem televisão vem caindo bastante a cada ano, principalmente nos EUA. Ainda tem que se levar em conta a acessão dos serviços de streaming, desde o ano passado o Raw e smackdown vem sendo transmitido pelo Hulu, já vir varios comentários em sites estrangeiros de pessoas que dizem prefirir assistir pelo Hulu do que ao vivo na Tv.
a familia mcmahon de fato procura ter certos destaques que não precisa de todo e que se tornam repetitivos e desnecessarios depois de serem utilizados tantas e tantas vezes. no entanto discordo com o fato de serem eles as principais estrelas tendo em conta que nao conquistam titulos e que acabam por sair por baixo na maioria das rivalidades que tem com determinado wrestler do roster.
Excelente artigo. É exatamente isso que sinto também. Na hora que vi os 4 no ringue se auto proclamando como “a solução”, percebi que não tinhamos atingido o fundo do poço.
Ah e parabéns Vince, ou é Roman ou não é ninguém mesmo. But doesn’t matter anymore. Save us menino Rollins.
as vezes, parece que as pessoas não tem noção da gravidade da doença de Roman, infelizmente existe a possibilidade dele não poder voltar ha lutar nunca mais, mesmo se curando, Vince não vai deixar sua empresa afundar. esperando o retorno de Roman…