Juarez apresenta-se ao serviço para mais um dos seus Signature Moves, directamente para os estimados leitores do PTW! Depois de boa (mas pequena) aceitação em relação à crónica mais lírica sobre Dean Ambrose, trago uma analogia relativa a um dos períodos dourados da nossa indústria, também sob o mesmo estilo.
“Ícaro”
A ambição é algo extremamente positivo numa pessoa, num país, numa empresa. Contudo, como qualquer inibidor de confiança, tem de ser manobrado com o máximo cuidado pois tal como uma bebedeira social passa a coma alcoólico, os níveis de ambição podem tornar-se em ganância, e isso já não é algo extremamente positivo.
Tem de se conseguir olhar para o plano a longo prazo daquilo que se pretende seguir e tê-lo já definido de início, fugindo pouco ao que se traçou sem se alterar qualquer tipo de objetivos mesmo que as coisas possam parecer mais prometedoras a dada altura do caminho.
Não apanhar um atalho que se pode tornar mais perigoso e acabar numa… falésia!
O atleta pode dar o máximo do seu esforço, pensar que consegue dar mais e o corpo obriga-lo a parar num desmaio que pode ter mais implicações futuras; O viciado em cocaína esperar que aquele seja o último risco… quando na verdade nunca é; a padaria da esquina ter sucesso com a venda dos pasteis de nata, especializar-se e focar-se tanto nesse produto… que se esquece do seu próprio conceito e o pão, bem essencial de toda a clientela que por lá passa, passa a ser intragável.
O último exemplo é perfeito para chegar onde quero chegar. Mudemos padarias para discotecas para termos algo mais… showbiz. Imaginemos que há uma que é o ponto central da cidade em todas as noites de quinta, sexta e sábado de cada semana. Há outros clubes noturnos mais pobres, que tentam apelar a um público diferente mas não conseguem obter mais do que o tradicional “break-even” no fim de cada noite de farra. Concorrência à discoteca principal (chamemos-lhe “W”) é algo que não se consegue fazer pela qualidade da música, o aspeto de quem lá dança… um espaço que serve na perfeição os interesses de todos os notívagos.
Quando parece não haver paragens relativamente à ascensão e “monopolização” da W, eis que um dos clubes noturnos da cidade, que já leva muitos anos à sombra da mesma, consegue “roubar” os DJ’s após um acordo com um dos “renegados” da noite que, por acaso, tinha muito dinheiro. Os clientes do W começam a notar diferenças no som, e são chamadas à atenção pela publicidade feita em relação às “figuras de cartaz” de antes, mas desta vez anunciando-os para um espaço diferente. Os clientes da W deixam de ir lá tantas vezes, e optam pelo C.
As semanas sucedem-se, e agora são os bailarinos e bailarinas a trocar de “camisola”. Aquela loura de seios fartos e a menina do “bumbum” saído para fora estão no C depois de discussões em relação aos ordenados. Mais gente a ir para o C… até que há uma ultrapassagem no nº de clientes, e acontece um improvável! O C destrona o W, e torna-se na atração principal noturna da cidade. As filas para entrar aumentam, o preço de admissão também… e nem isso faz promover o W, que, apesar de tudo, continua com o tal nº fixo de emergência de clientes em caso de uma catástrofe deste género!
O C consegue ver o que é que fez as pessoas entrar no seu estabelecimento. A administração vê que o dinheiro é todo devido às bailarinas. E assim, aposta nesse trunfo para tentar o monopólio e a consolidação da liderança! Toma medidas loucas – promete strip-tease das meninas que tanta gente, aparentemente, chamou e até do DJ (para as meninas e não só terem algo com que se impressionar)! A loucura toma conta daquela que era antes apenas mais uma discoteca…
… mas a ganância faz com que as coisas se tornem demasiado repetitivas e que a cada noite as músicas sejam as mesmas, e os “apelativos” também. O C começa gradualmente a perder clientela, apesar de ainda ter vantagem sobre o W. No entanto, as coisas não melhoram nem quando se tenta desesperadamente vender um produto demasiado gasto e vulgar aos olhos dos seus clientes. Assim, o W volta a estar nas preferências dos notívagos e volta, claro, a ser o lugar de culto.
O C foi consumido por si próprio.
O que tem a haver com wrestling? Tudo! Bem, acrescentem dois W entre o C da discoteca mais underground e um W e um F à frente da discoteca prinipcal, alargem o contexto “cidade” para “país” e encurtem as quintas, sextas, sábados e domingos para segunda… ah, e não há cá louras com seios fartos a despir-se… mas sim um louro com cabeça farta de ter cabelo (Hulk Hogan)… e voilá! Monday Night Wars e a influência dos egos, da sobre-exploração de um produto que aparentemente trazia receitas, ratings, fama – nWo. Chegou-se a um ponto que se fazia PPV’s só com membros desta facção, onde até os árbitros faziam parte dela! Mais, havia algo como Latino World Order, começou a haver divisão entre a nWo, e passaram a exisitir duas facções com o mesmo nome! Enfim, dominou a companhia mais do que devia.
Assim se explica o complexo de Ícaro (que de tanto voar em direcção ao sol, queimou as suas asas) dos responsáveis da WCW, que quiseram tornar a nWo tão grande e tão influente que acabou por ser vulgarizada e … consumir a própria companhia.
Teríamos outro mundo concorrencial (para melhor) no wrestling dos dias de hoje se a WCW soubesse esperar, dosear a entrada de membros, de personagens na nWo, assim como fazer esperar todos os grandes impactos que tinha preparado para cada semana…
… leva-me a perguntar se estaríamos a ser muito melhor servidos a esta altura e se o próprio wrestling não teria outra qualidade e outra aceitação nos media.
5 Comentários
Excelente artigo e tema!
De facto na altura os NwO foram fantásticos com fizeram o impacto inicial, mas depois criou-se tantas versões e divisões com um número muito grande de membros em cada uma das versões que o prepósito inicial acabou por dispersar-se noutra coisa muito mais banal.
Se o Wrestling seria diferente e mais aceite? Não sei nem nunca iremos saber Juarez, é o mesmo se tivesse ganho um wrestler um push e não outro. Podia ser diferenten podia mas também não ser. Depois essa fase do Wrestling até foi aquela onde ele teve maior aceitação mediática.
Ao ler o início, ainda tinha dúvidas se o assunto seria WWE X WCW ou WWE X TNA, mas o texto me levou sutilmente ao tema do artigo.
Ótima leitura matinal!
Artigo fabuloso… A tua forma de escrever é genial!
A WCW teve mais olhos que barriga… Eu nunca acompanhei a empresa em “tempo real”, mas dá para ver perfeitamente que abusaram na história da NWO. Depois, ficaram de pés e mãos atadas, não souberam criar alternativas e o resto já se sabe…
É pena, porque se calhar ainda hoje teríamos as Monday Night Wars… Enfim, também é provável que não tivéssemos a TNA… Há muitos “ses” e nunca vamos ter certezas sobre nada disto.
Só eu sei porque venho escolho o PTW às sextas-feiras 😉
Só elogios ao Juarez, e bem merecidos… mas 4 fucking comentarios?! este gajos merece muito mais!