Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Há vários aspetos num evento de wrestling que, não sendo imediatamente percecionados pelos fãs (até porque nem é essa a sua função), são incrivelmente importantes para enriquecer o evento. Saber o que acontece quando alguns lutadores começam uma rixa não sancionada pela empresa, saber o que acontece quando há um angle de hospitalização e o que é necessário para que os fãs acreditem nele, saber que nos combates existem regras e as mesmas não são para tratar a pontapé nem usar apenas quando dá jeito, saber que moves são protegidos, saber porque há lutadores que falam sozinhos e outros que falam apenas quando entrevistados por alguém, entre muitos outros aspetos, tudo isto costumava estar constantemente na mente do booker e dos respetivos lutadores encarregues do combate, brawl, promo ou angle em questão. Efetivamente, coisas como estas eram pensadas ao pormenor para tentar o máximo possível impedir a exposição do wrestling naquilo que ele verdadeiramente é (uma luta em que dois lutadores trabalham em conjunto e cooperam entre si até ao resultado pré-determinado, mas sem que tal seja percetível aos olhos de quem assiste). Por exemplo, o cumprimento das regras era levado ao extremo ou quando uma brawl se iniciava havia sempre várias pessoas, lutadores, seguranças ou árbitros que vinham imediatamente tentar separá-los, e só a partir daí, e de uma maneira inteligente, os dois se voltavam a tocar.

Hoje em dia, porém, sinto que a atenção quanto a este tipo de pormenores não é tanta. Parecem-me mesmo coisas de um wrestling passado e que atualmente já não importam tanto porque o wrestling já não pode ser mais exposto do que o que realmente já é, e mesmo as próprias pessoas que nele trabalham também se importam cada vez menos com isso. Às vezes as regras não são respeitadas, mas não vejo lutadores ou árbitros importados com isso, não há qualquer tipo de lógica em angles de hospitalização, porque muitos dos spots que poderiam justificar um já são usados em combates em que os lutadores que os sofreram faz kickout aos mesmos, quando dois lutadores começam uma rixa só vem alguém tentar separá-los quando dá jeito à storyline e não todas as vezes que tal acontece. Sei que para muitos dos meus caros leitores tais aspetos são pouco relevantes e nem se importam com coisas tão pequenas, contudo, pessoalmente, e sendo adepto de uma maneira mais tradicional (se quiserem, old-school) de fazer o wrestling, confesso que vejo com muito maus olhos algum desleixo quando a estas coisas.

Brain Buster #125 - Pormenores

Acredito que este costume se rompeu com a WWE e a WCW durante as Monday Night Wars, com práticas que perduram até aos dias de hoje. Incrivelmente, a AEW, uma empresa que tem muito provavelmente um estilo mais moderno e oferece algo novo nunca antes visto em TV, nacional apesar de cometer também muitos destes erros, trouxe pelo menos uma maneira de pensar que já fazia falta, é que não usa a “hidding cam”, isto é, não filma lutadores a terem conversas no backstage, ou no balneário, ou no parque de estacionamento, etc., em que os próprios não sabem que estão a ser gravados, quase que em formato série, mas sem as outras características de uma série, porque bastaria os lutadores verem o próprio programa onde estão para saberem que foram filmados sem o seu consentimento e deveriam fazer alguma coisa a esse respeito. Mas não, agem como se não soubessem que essas filmagens existiram e foram expostas em televisão. Aqui dou, sem dúvida, um elogio à AEW por usar um estilo de promos dos seus lutadores muito mais aderentes e adequados à realidade do wrestling. Os seus lutadores falam apenas quando são entrevistados ou então é marcado propositadamente um segmento para dentro do ringue durante uns minutos do programa. No máximo, certos lutadores enviam um vídeo aos fãs ou ao seu adversário como destinatário gravados por si mesmos. A atenção a este tipo de detalhes é algo tão simples e que faz tanto sentido, sendo que enquanto o temos nem damos fé deles, mas que quando não temos, como acontece na programação da WWE, sentimos logo falta.

Todavia, acho que há apenas um pormenor que a AEW não acerta ou deixa fugir quanto a este aspeto, é que quando um lutador é entrevistado tira sempre o microfone das mãos do entrevistador em vez de falar para o microfone enquanto o entrevistador o segura. E porque implico com esta coisa aparentemente tão pequena? Porque também pequena é a decisão de a mudar! Afinal, em todos os programas de televisão, sejam eles eventos desportivos ou não desportivos, é sempre o repórter/entrevistador que segura o microfone, porque é ele que conduz a entrevista e dita o tempo de resposta e as perguntas a ser feitas. E é claro que por vezes um lutador poderá tirar o microfone porque se irritou com a pergunta ou porque está furioso com o adversário e esse é um traço físico e visual que ajuda a transmitir essa ideia. Mas essa deve ser sempre a exceção e não a regra.

No entanto, em outros aspetos, a WWE acaba por pensar melhor, nomeadamente quanto ao cumprimento das regras. As contagens, as desqualificações, as regras dos combates de tag team, etc. são muito mais respeitadas do que o acontece na AEW, onde, e desculpem, os árbitros têm apenas a única desculpa de serem cegos para não verem certas coisas. E eu sei que o Tony Khan veio dizer esse é mesmo uma das componentes do estilo a AEW, de que é melhor deixar o combate continuar e beneficiar a ação e o entretenimento do que as regras de um suposto combate do wrestling, ideia com a qual não podia estar em mais desacordo. Na AEW há lutadores que agridem os adversários com objetos externos ao ringue e o árbitro não faz nada (nem uma mínima advertência), assim como aquilo que confesso que mais irrita é que os combates de tag team raramente têm regras. Os lutadores começam realmente no canto e tentam cumpri-las no início, mas a certa altura do combate isso não importa mais e passam a trabalhar como se estivessem num combate com tornando rules.

Se nenhuma das equipas respeitar as regras, qual delas podemos apreender que é a equipa heel? Estes normalmente fazem batota fugindo ou manipulado as regras a seu favor. Se nenhuma das equipas se importa com a existência de regras, então quem pode censurar os heels por os fazerem? Isso obriga a ter apenas que os odiar pela sua personalidade, mas quanto ao seu in-ring work passa a ser totalmente indiferente que estilo de wrestling é que usam ou deixam de usar. E o incumprimento das regras tem ainda um outro problema, é que descredibiliza os árbitros e, por conseguinte, tira qualquer tipo de legitimidade ao combate. Os árbitros têm que ser uma autoridade e uma autoridade a sério, e aqui não vale o pensamento de que “isto é wrestling e é determinado, os árbitros só estão lá para quando são precisos”, não! Os árbitros são uma parte essencial do combate, para deixarem alguém fazer batota tem que haver uma razão para se distraírem e têm que meter ordem com advertências e no máximo contagens ou desqualificações para quem não cumpre as regras.

Brain Buster #125 - Pormenores

Por outro lado, como já referi, e neste caso aplica-se a ambas as promotoras, quando dois lutadores começam uma brawl que não é sancionada pela empresa, antes ou depois do combate ou num momento isolado, não costumo ver grande lógica, quer durante, quer depois do incidente. Em primeiro lugar, não vêm sempre pessoas separar os lutadores, e se vier alguém nunca há um struggle real para os manter separados. Em segundo lugar, vejo lutadores a partirem supostamente braços e pernas uns aos outros, a lesionarem-se no pescoço, a atirarem o rival de uma altura considerável e vejo pessoas a desrespeitar regras da empresa ou então a trabalharem para a empresa mais insegura do mundo. Não há suspensões, advertências, eventualmente até multas como se praticava no passado, etc. Tudo na semana a seguir ou mesmo no segmento/combate seguinte volta ao normal.

Agora mais ao nível de estilo de wrestling atual, vemos todos os meses lutadores a caírem sobre mesas, a levarem cadeiradas, a caírem de alturas brutais em cima uns dos outros ou mesmo em algum objeto que parte com o seu peso, vemos lutadores a serem atropelados e a continuarem o match, vemos até wrestlers a fazerem moves que envolvem quedas já perigosas e aparatosas no ringue, mas no chão à volta do mesmo ou até na rampa, etc. Como é que é suposto continuarmos a acreditar em angles de hospitalização ou de ataques violentíssimos se estamos dessensibilizados a este ponto? A lógica dita que um angle de hospitalização tem de ser justificado por um spot muito mais duro do que vemos durante um combate, ou então que vemos terminar um combate e um dos lutadores em questão fica sem combater algumas semanas. Mas é impossível conseguir cumprir este requisito de lógica se já nada funciona devido à evolução pela qual o wrestling enveredou nos últimos 20 anos.

E é que a pouca atenção a este tipo de detalhes também é percetível durante os combates. A título de exemplo, lembro-me perfeitamente do combate entre Roman Reigns e Kevin Owens este ano no Royal Rumble, que foi um Last Man Standing match. Neste combate, o Kevin Owens tem três quedas absolutamente ridículas, pela altura e pelo que partiu quando o seu corpo bateu em algum objeto físico. Uma delas é ele próprio que provoca para tentar ganhar o combate e as outras duas são o Roman que o faz tomar. Diria a lógica que uma delas acabasse o combate, mas em vez disso o mesmo acaba com uma submissão. Ou seja, os momentos mais espetaculares do match passam e os lutadores continuam, e com isso dessensibilizam a queda, mas depois o que termina o combate é uma submissão. Não consigo ver o sentido do que aqui foi feito.

E também há que falar do poder enorme que os lutadores e managers conseguiram ao longo dos anos. Que poder? O poder de fazerem e planearem matches por eles mesmos sem o aval de uma figura de autoridade. E não, não estou a dizer um programa de wrestling tenha de ter necessariamente uma figura de autoridade como um GM ou um Comissário, que seja uma personalidade televisiva, porque ela pode ser omitida. Do confronto no ringue ou durante uma entrevista entre dois lutadores, claro que os dois podem lançar desafios e lançar datas, mas o que torna o combate oficial é quando o mesmo é avançado formalmente pela companhia. Por ser uns momentos por uma figura de autoridade, assim como pode ser pelos comentares a anunciarem o que lhes foi mandado anunciar por parte de quem está a cargo dessa responsabilidade.

Brain Buster #125 - Pormenores

Por fim, chamar a atenção para outro problema a nível de booking. Vejamos, um babyface, para conseguir estar over para além da sua personalidade, tem também de ser protegido quando ao resultado dos seus combates, e até quanto à maneira como ganha ou perde. Que sentido faz o Big E, construído como babyface durante um ano, fazer o cash-in do Money in the Bank no campeão heel depois de este vencer o seu combate e estar visivelmente cansado? Um babyface é alguém que se aproveita das fragilidades dos outros sem razão aparente e vai por atalhos e maneiras mais fáceis até chegar à sua vitória? Penso que a resposta é óbvia. Mas não só nos combates este tipo de detalhes se encontram completamente desleixados, porque até nos segmentos isto acontece. Quando a Bianca Belair volta à terra natal enquanto babyface, se alguém a atacar tem de o fazer de uma forma que não a faça parecer mal. Se é ela mesma que começa a rixa, mas depois a heel Becky leva a melhor sem qualquer tipo de jogada suja, com que cara a Bianca pode aparecer daí para a frente? Por fim, se o Brian Pillman Jr. vê o MJF a insultar a sua família, tem de ter uma razão para não o atacar de imediato, como árbitros e segurá-lo ou amigos a tentar chamá-lo à razão, até que eventualmente se farta e parte para cima do vilão. Se ele aparece e mostra paciência, acaba também por mostrar pouca paixão e força de luta que se procura sempre num babyface.

Tem de haver alguma lógica num programa semanal, e esta não existe apenas ao nível do booking, com os respeitos combates e respetivos resultados, ela tem de existir também nestes níveis mais escondidos que quando estão presentes nem damos por eles, porque fazem sentido eles existirem, mas que quando não os temos, eu, pessoalmente sinto falta deles, de pequenos detalhes que acrescentem ao programa alguma credibilidade.

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

6 Comentários

  1. SandroJr3 anos

    As empresas esquecem das próprias regras ao qual elas criam, isso ocorre até com frequência, ótimo artigo.

  2. MC catra3 anos

    Ótimo artigo.

    Eu faço parte dos que não se importa com a maioria desses pormenores.

  3. Vasco Morais3 anos

    É um ótimo artigo
    Mas como já disseram sou daqueles que não me importo minamamente com os promenores