Boas a todos nesta grande casa que é o Wrestling PT!

Devido a exigências pessoais que me tiraram muito tempo nas últimas semanas, não consegui ver o maior evento de wrestling japonês do ano, o NJPW Wrestle Kingdom, nem nos dias em que ocorreu, nem nos dias que se lhe seguiram. Consegui ver, no entanto, no último fim-de-semana. Tinha pensado numa análise dos eventos combate a combate como costumo fazer para alguns shows, mas depois de ver aquele main-event entre o Kota Ibushi e o Jay White, decidi mudar de ideias, passando de um tema mais cumprido e longo para um mais simples e curto. Depois daquele match eu quero falar sobre o Jay White, por quem já tenho uma preferência há muito tempo.

O Jay White, desde que regressou da sua excursão em 2017 à NJPW, à promotora na qual tinha sido um promissor Young Lion, se não mesmo o mais promissor da sua classe e o mais promissor em muitos anos, nunca foi um lutador completamente consensual entre os fãs, nomeadamente quando à dimensão do push, que muitos fãs sempre consideraram ser de mais para o que ele constantemente mostra nos big matches, dizendo mesmo que este lutador não estaria ao nível das grandes estrelas da NJPW, que estaria uns furos abaixo de wrestlers como Kazuchika Okada, Hiroshi Tanahashi, Tetsuya Naito, Kota Ibushi, entre outros.

Pessoalmente, eu sempre fui um confesso fã do “Switchblade”, nunca percebi algumas críticas, sendo que, algumas delas, como referirei mais à frente, até são bastante justas, mas na medida em que não são críticas, mas parte do estilo que o Jay White gosta de incorporar nos seus combates. O meu objetivo com este artigo é, precisamente, mostrar que o Jay White, tendo um estilo diferente do das grandes caras da NJPW, se encaixa perfeitamente naquele roster, é uma mais valia ao nível de que muito poucos são neste momento. Principalmente, depois deste match com o Kota Ibushi deixaram de haver, têm de ter deixado de haver dúvidas! O Jay White é estrela da NJPW por mérito próprio, é uma das caras da NJPW porque é um lutador extremamente talentoso e é, na minha opinião, o melhor heel da atualidade.

Brain Buster #93 - O melhor vilão possível

Mas antes de ir a esses pontos, gostaria de fazer uma pequena síntese do que foi a carreira deste lutador, somente para poder enquadrar certos aspetos na minha análise ao seu estilo mais à frente. O Jay White foi um Young Lion da NJPW na mesma classe que David Finlay, SHO e YOH, conseguindo sempre se destacar destes três lutadores, e não é como se eles estivessem a um nível muito baixo. Quando se despediu da NJPW para começar a sua excursão pela RevPro e ROH, despediu-se sob um manto de elogios e ovações dos fãs. Durante o seu tempo fora da NJPW conseguiu aprender mais enfrentando lutadores muito experientes com os quais deu combates em que mostrou que era capaz de aguentar com os melhores, entre esses nomes conto o de Jay Briscoe e Christopher Daniels, por exemplo. Foi, durante este tempo, um babyface muito genérico, com um ritmo de combate muito acelerado e fazia as delícias dos fãs e um eventual regresso à NJPW era, por nós, por agurdado.

Só que o Jay apareceu na NJPW com uma gimmick completamente diferente do que antevíamos, com uma personagem muito sombria. Enfrentou Hiroshi Tanahashi pelo título Intercontinental no WK onde, surpreendentemente acabou por perder num combate que ficou muito aquém das expectativas e onde pareceu algo tremido. No entanto, no mês seguinte, venceu o título dos EUA ao Kenny Omega quando ninguém esperava e juntou-se aos CHAOS, numa stable onde parecia desenquadrado. A parte boa disso? É que foi apenas o começo de uma história que foi planeada com inúmeros meses de antecedência até ao culminar da traição ao líder da stable, o Okada, ficando, também, com o seu manager Gedo, que lhe imprimiu um enorme boost de confiança e credibilidade na personagem. Afinal, o Gedo havia deixado todo o dinheiro possível que fazia com Okada para apostar agora o Jay White. Isto atraiu uma enorme atenção para ele. E não é como se durante os meses em que esteve nos CHAOS o White fosse apenas mais um. Não, ele foi constantemente um dos lutadores mais em brasa na stable, contando-se inúmeros desentendimentos com colegas de equipa e formas de ganhar tão pouco lícitas nos seus combates, mesmo quando o seu adversário era um colega de fação. Mas foi a partir do momento em que se juntou aos Bullet Club que o Jay White iniciou um caminho rumo à transformação no melhor heel possível da atualidade: vendeu Okada no WK e tirou o IWGP Heavyweight title ao Tanahashi explorando as suas fraquezas. É verdade que perdeu o título muito cedo para o Okada, mas os bons indicadores estavam lá.

A sua feud com Tetsuya Naito depois do G1 (onde o Jay foi finalista vencido) mostrou bem o quão o Jay White aprendeu a capitalizar heat na NJPW como poucos conseguiram, adquirindo um estilo muito próprio e que torna os fãs japoneses tão fulos ao ver os seus combates. Sempre que vencia o Naito era apupado, e no combate de vingança do Naito, durante todo o combate, os fãs sempre tiveram imenso receio que o seu preferido voltasse a perder, e tudo porque o trabalho do White tornou-se cada vez mais credível. Recentemente, sacou do Ibushi uma vitória da maneira mais heel possível que me lembro, acabando por perder no main-event do maior show do ano naquele que foi, para mim, o melhor combate da NJPW desde Omega vs. Okada. Sim! Não tenho medo das palavras neste aspeto, este match esteve a esse nível.

Brain Buster #93 - O melhor vilão possível

Mas estar-se-ão a perguntar, neste momento, qual é esse estilo que faz do White tão bom heel? Bem, antes de mais, recordo que no Japão nunca houveram verdadeiramente heels. Afinal, o wrestling americano e o puroresu têm filosofias diferentes. Os fãs japoneses nunca apupam um lutador por fazer batota ou ser cobarde, os fãs japoneses têm muito respeito pela modalidade e seus praticantes e querem, acima de tudo, ver personalidades fortes e diferentes colidirem na hora dos big matches. Então, se os lutadores não têm heat, não são verdadeiramente heels, certo? Houveram, no entanto, vários lutadores na NJPW que conseguiram esse tipo de reações: o Jay White foi o primeiro, mas o KENTA e, mais recentemente, o EVIL também conseguiram. Isto mostra uma espécie de começo de uma “americanização” do estilo da NJPW, no sentido em que procura coisas que não é costume vermos nos shows japoneses. O que costuma funcionar, e muito bem, é um duelo entre um japonês e um gaijin, em que este será sempre, inevitavelmente, o menos preferido do público, tanto mais se usar táticas ilícitas. O Jay White encaixa-se nesse perfil, o que acabou por ser também um ponto a seu favor.

O Jay White tem um estilo diferente dos Okadas, Naitos, Ibushis e Tanahashis, porque nada do que ele faz é verdadeiramente espetacular. Isto é a definição mais velha de como ser heel, mas hoje em dia tal perde-se cada vez mais. O Jay White aproveita o início do combate para sair do ringue as vezes que forem precisas para irritar o público, nunca faz nada que não utilizar strikes algo fracos, suplexs e o seu finisher quando ganha. O objetivo do heel não deve ser dar um combate espetacular, essa é a função do babyface. Este é que tem que ter a função de vender o domínio do heel a um ponto que os fãs torçam por ele, e que torne o seu comeback aguardado e interessado pelo público, cabendo ao heel fazer de tudo para parar isso. Ora, o Jay White é ótimo nesse aspeto, ele faz tudo, mas de tudo para ganhar, e para ganhar o mais cedo possível. Ainda neste último combate com o Kota Ibushi, numa parte que o White já não quer estar no combate e quer que acabe o mais rapidamente possível, porque esse é o pensamento de um heel, ele prende o Ibushi numa submissão e quase que suplica para ele desistir, com uma expressão facial de quase choro, que mostra, simultaneamente, receio, frustração e dor. Mesmo a forma como ele utiliza o seu finisher é da forma mais cobarde possível. Não sei se já reparam, mas ele utiliza o Blade Runner não em momentos em que está a ganhar ímpeto no combate, mas em que está em desvantagem. Aquele move surge como manobra desesperada, muitas vezes após distração do Gedo.

Já vi inúmeros fãs dizer que ele é um WWE guy, e que não se encaixa no estilo da NJPW, e talvez seja verdade. É alguém que sabe carregar-se enquanto estrela, excelente nas promos, em vender o seu trabalho, mas que, por sinal, não é tão bom no ringue. Na minha opinião, isso é errado, até pelos inúmeros combates que foi tendo ao longos dos anos e, se ainda dúvidas houvessem nesse aspeto, este combate com o Ibushi meteu-as na gaveta, mas, imaginemos que isso era certo, e que, afinal, ele seria mais fraco do que as outras das estrelas da NJPW, a minha opinião iria ser exatamente a mesma. Pessoalmente, se eu pudesse criar uma promotora minha, eu queria um lutador para começar, e exigia um único lutador apenas, e esse seria o Jay White. Porquê? Porque eu posso criar cinco promotoras à volta de um lutador como o Jay White. É um heel que põe over todos os lutadores que enfrenta, que torna instantâneo o apoio do público ao babyface que enfrenta. Claro que durante algum tempo os seus combates terão de ser simples, cheios de interferências e táticas ilícitas, que acabem por pecar pela falta de qualidade, ou melhor, de espetacularidade, afinal, como se quer construir um heel que dá clássico atrás de clássico? O que importa é que nos momentos em que ele perca a reação do público seja a mais barulhenta possível, sendo que o lutador que tenha a honra de o vencer ficará legitimado aos olhos dos fãs como babyface como poucos conseguirão no mundo do wrestling atual.

Brain Buster #93 - O melhor vilão possível

Mas tal ideia está completamente errada. O Jay White não é limitado, ele limita-se a ele próprio. Quando ele era Young Lion e estava em excursão conseguia fazer inúmeros combates mais rápidos, ter momentos mais espetaculares e moves que agradassem ao público. Só que agora esse não é o seu objetivo, e nem tem de ser! Ele oferece algo de diferente que poucos lutadores já conseguem oferecer no roster da NJPW e em todo o mundo. É alguém capaz de criar apoio a qualquer lutador que o enfrente, que torna as histórias e combates mais interessantes em termos de storytelling e menos de competição e espetacularidade, para isso já estão lá outros, a diversidade é importante. Ele nunca será a cara da NJPW, o seu Ace, mas será sempre uma das principais estrelas e um lutador em quem a NJPW pode sempre contar.

Ainda neste último combate, mesmo sem falar, dava para sentir o público com receio que o White conseguisse ganhar ao seu adorado herói que tinha alcançado o topo ainda há um dia atrás. É verdade que o White beneficia de um booking extremamente inteligente e que é bastante protegido, mas há que dar o mérito a quem o tem, e o White tornou-se no melhor heel da atualidade e, quem sabe se não estará no caminho para se tornar num dos melhores heels de sempre. Quando a ele, eu estou bastante otimista. Neste combate com Ibushi, teve a capacidade de mostrar vulnerabilidade, que é própria de quem domina grande parte dos seus combates, mas é surpreendido quando tal não acontece. Aí, o lutador tem de mostrar surpresa e receio, tem de mostrar dúvidas sobre si mesmo. No caso do Jay White, ao longo deste combate, e na promo que lhe seguiu, eu vi uma pessoa cuja alma parecia estar cada vez mais longe. Os risos e palavras irritantes deram lugar a frustração e desconfiança. Se esta não é a melhor forma de um heel reagir a uma derrota destas, então não sei qual é.

Se repararem, trata-se, afinal, de seguir uma fórmula muito simples, pois o wrestling mais simples é o melhor wrestling. Um heel, antes de mais, tem que se capaz de capitalizar heat, irritando o público com vitórias roubadas contra todas as expectativas da forma mais cobarde possível, ao mesmo tempo que esse lutador faz tudo para que os fãs o desprezem. Na sua vitória sobre o Ibushi no Power Struggle em que consegue um pin rápido pois tem os pés na terceira corda, há uma foto que mostra que o White se está a rir nesse momento. Alguém que se ria na cara de tristeza dos fãs, que consiga que alguns fãs vão embora imediatamente depois da sua vitória no main-event, como aconteceu quando venceu Naito no Destruction do ano passado, é alguém que domina os pormenores que fazem a arte de ser um vilão do pro-wrestling uma das mais deliciosas e contagiantes.

Brain Buster #93 - O melhor vilão possível

A seguir a esse momento, tudo se trata de escolher um lutador credível, adorado pelos fãs, que estes queiram ver triunfar e que seja capaz de vender o domínio do vilão para, mais tarde, ser capaz de o superar na sua rota de colisão. O heat capitalizado durante meses dará lugar a uma sensação de alívio e satisfação dos fãs, a momentos verdadeiramente mágicos como tivemos este ano no Tokyo Dome. O White faz metade do combate só em ser o excelente heel que é, tudo o que ele faz é wrestling, e wrestling do bom e do melhor. E isto para alguém que tem mesmo pouca experiência (cerca de 7 anos), que é capaz de se mover no sítio certo, se colocar nesta ou naquela posição e de desencadear as piores reações do público e, quando perde ou tem aquilo que merece durante o combate, as melhores reações do público. Acho que pouco mais se lhe podemos pedir. Que lutador incrível!

Hoje ficamos por aqui.

Até para a semana e obrigado pela leitura.

12 Comentários

  1. Fica na NJPW ou vai para AEW Jay White é um Diamante e ele que ser pulindo bem

  2. 13 cm3 anos

    Muitos fans de wrestling gostam de desmerecer alguem que eles não gostam, dizendo que ele não é bom em algum aspecto, e por isso não merece ter destaque e sucesso.

    A graça do Wrestling é que você não precisa ser perfeito em tudo, a inúmeras possibilidades a serem exploradas. E o Jay White é um excelente exemplo disso, ele é um peça única que a NJPW usou de uma forma excelente.

  3. Gustavo Noronha3 anos

    Ótimo texto, parabéns. Apesar de concordar com quase tudo que você citou, ainda acho que heel por heel o melhor da atualidade ainda é o MJF. O que falta pra ele é só um título importante, o que já não falta para o White.

  4. josé do japão3 anos

    White é um excelente wrestle, impressionante como ele consegue contar histórias simples e bem feitas, a interação dele com Gedo é muito divertida, e penso que ele ao lado do Roman são os Heels que mais me divertido assistindo. Tomara que ele continue na NJPW, ele ainda precisa ter uma verdadeira Run como IWGP Heavyweight Title. Excelente artigo.

  5. Sandrojr3 anos

    Jay white cresceu muito com a parceria com o Cedo, um dos melhores heels da atualidade, o combate dele contra o ibushi foi espetacular, se continuar na NJPW com certeza ganhará o Iwgp Champion. Ótimo artigo.

  6. RRG Star3 anos

    Quem olha para este artigo e é fã da WWE, consegue entender melhor o que se passou com a espetacularidade do Sami Zayn depois de ter virado heel. De facto, vemos no White a um nível muito mais espetacular, mas também no Sami, esta fuga a qualquer coisa que possa fazer o público os apreciar. Vemos uma fuga intencional a tudo o que seja agradável aos olhos e a busca pelo atalho mais curto possível para a vitória, recorrendo aos métodos mais desesperados possíveis.

    Muito obrigado pela exatidão do teu artigo que nos ajudou a todos a compreender mais e melhor da inteligência do wrestling.

    • Obrigado pelo comentário! Também elogiei aqui o Sami enquanto heel. O único problema é que ele na WWE não tem a mesma proteção que o White tem na NJPW, e isso faz toda a diferença.