Há cerca de uma semana assistimos ao culminar de uma das melhores rivalidades (senão a melhor) que a WWE apresentou nos últimos anos. Uma rivalidade que demorou anos a construir delicadamente e cuidadosamente para culminar num dos melhores combates da história da companhia. Johnny Gargano e Tommaso Ciampa tiveram a oportunidade de uma vida no NXT TakeOver: New Orleans, uma oportunidade que poderão não voltar a ter, e não deixaram ninguém ficar mal.

As sementes para este combate começaram a ser plantadas a 3 de agosto, em 2016, quando Johnny Gargano e Tommaso Ciampa se enfrentaram na primeira ronda do Cruiserweight Classic. Já na altura, os dois tiveram um excelente combate, cheio de pequenos detalhes que viriam, mais tarde, a fazer sentido e a ser justificados à medida que a rivalidade progredia. Desde o seu início, em 2012, que o cuidado do NXT em estabelecer, claramente, quem são os heróis, quem são os vilões e como cada um se comporta, de acordo com o caráter da sua personagem,  foi um dos seus maiores trunfos para contar histórias de qualidade, rivalidades impressionantes e combates fantásticos. Sempre foi este pequeno detalhe, que no fim faz toda a diferença, e que diferenciou o NXT do que a WWE apresenta na programação principal. A rivalidade de Johnny Gargano e Tommaso Ciampa é o mais recente exemplo disso. Até quando começou, no Cruiserweight Classic, já se estavam a definir papéis.

Opinião Feminina #326 - A Classic Example

Apesar do confronto no Cruiserweight Classic, nenhum dos dois venceu o torneio e prosseguiram a sua carreira como dupla ao enfrentar os campeões de equipas do NXT, The Revival, numa série de combates fantásticos que, facilmente, se tornaram no destaque de qualquer evento do NXT em que se realizaram. O combate em que conquistaram os títulos de equipas do NXT, em particular, foi absolutamente brilhante. Mais uma vez, quando descrevemos exemplos de Wrestling de qualidade – de alta qualidade – falamos sempre de personagens bem definidas, histórias bem contadas, combates que se vão completando ao longo que a história avança, com o próximo sempre a incluir detalhes e momentos que explicam e relembram o combate anterior. Já na altura, Johnny Gargano e Tommaso Ciampa protagonizavam combates que tinham tudo o que era preciso para serem considerados os melhores do ano.

O reinado como campeões de equipas não durou muito, algo que, infelizmente, parece ser recorrente para as equipas do NXT que criam excitação e geram favoritismo. Já os American Alpha também venceram os títulos numa edição do TakeOver, apenas para os perderem na edição seguinte. Por um lado, percebo que a história mais interessante e a que vai comover e envolver mais fãs vai ser sempre aquela do popular desfavorecido a fazer tudo por tudo até chegar ao topo da montanha. Também sei que é muito mais complicado manter o interesse e a qualidade da história quando se está no topo e o que vem a seguir, mas os curtos reinados de equipas como os American Alpha ou DIY (mesmo que no caso dos American Alpha tal seja justificado pelo facto de serem promovidos à programação principal) sempre foram aspetos que me desiludiram.

Pessoalmente, não me importo de sofrer o que tiver de sofrer para ver o herói (ou heróis) vencer o título, todavia vê-los a perder logo após (ou pouco depois) da derradeira vitória irrita-me sempre. Não acho que tenham de ser campeões para sempre ou durante anos a fio, mas acho uns meses de consolidação, antes de voltarmos ao sofrimento necessário que é escalar mais uma montanha, não fazem mal a ninguém. É por isso, escusado dizer que achei que os DIY perderam os títulos demasiado cedo. Se calhar, na altura, fazia sentido que tinham de perder os títulos, mas achei que foi demasiado cedo, emocionalmente, tendo em conta tudo aquilo que os fãs tinham sofrido para os ver vencer.

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Sem os títulos de equipas, só havia uma coisa a fazer – terminar aquilo que tinham começado no Cruiserweight Classic, mas agora já com um histórico de combates de equipas de sucesso e qualidade. Já devíamos saber que não podemos confiar que o NXT acabou, só porque apareceu o logótipo final.  Não é fácil para lutadores populares conseguirem ter o ódio de audiências como Chicago, Filadélfia ou a audiência de WrestleMania, mas Ciampa conseguiu-o todas as vezes que foi preciso. Ciampa lesionou-se e afastou-se do NXT logo após o seu ataque a Johnny Gargano, o que, de certa forma, ajudou a rivalidade. Quem sabe se os combates teriam sido tão bons ou teriam tido o impacto que tiveram, se tivessem acontecido logo após o NXT TakeOver: Chicago? Quem sabe o que teria acontecido, se Ciampa não tivesse precisado de cirurgia e recuperação?

O NXT conseguiu manter a rivalidade viva, enquanto Johnny Gargano – agora Johnny Wrestling – tentava seguir com a sua vida para a frente e voltar a escalar a montanha, mas desta vez sozinho. Logo no seu primeiro confronto com Andrade “Cien” Almas, no NXT TakeOver: Brooklyn III, Johnny Wrestling mostrou que não iria ter dificuldades em manter-se relevante e popular, enquanto o seu rival recuperava de lesão. Talvez pela história que tem protagonizado, talvez pela sua popularidade junto da audiência, talvez pela qualidade dos seus combates ou talvez pela sua inegável genuinidade, Johnny Wrestling tem sido frequentemente comparado a estrelas como Sami Zayn e Daniel Bryan. Talvez seja um conjunto de todos estes fatores, mas no fim do dia, acho que é a sua genuinidade. Não é fácil ser o bom da fita. Não é mesmo nada fácil ser o bom da fita quando a maioria da audiência consiste em céticos sarcásticos que não têm pachorra para apresentações forçadas e teatro fingido. Os bons heróis, aqueles que conseguem comover e mexer com as pessoas, têm de ser heróis sinceros. Têm de ser heróis que criam uma empatia natural com os fãs e têm de ter falhas, defeitos. Defeitos com que os fãs se possam identificar ou defeitos que os fãs simplesmente reconheçam como tal.

São esses heróis que protagonizam histórias que perduram no tempo. É a típica história de Rocky Balboa. O herói não pode ser perfeito, não pode ser invencível, mas tem de ser alguém cujos problemas são, no mínimo, compreendidos pela audiência. A sinceridade, nestes heróis, é a chave de tudo. A seguir, vem um bom vilão e, enquanto Ciampa estava de fora, foi Andrade “Cien” Almas que preencheu este vazio. Os primeiros tempos de Almas no NXT não foram fáceis. A sua apresentação inicial não convenceu, nem estava a ter o efeito que deveria ter, mas depois de uns ajustes de personalidade e da adição de uma acompanhante talentosa, tudo mudou. E, como que por magia, Andrade “Cien” Almas tornou-se no alvo a abater no NXT.

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E foi exatamente isso que aconteceu quando os dois se voltaram a encontrar em Filadélfia: magia. Meia hora de drama e emoção absolutamente fantástica, mas ao mesmo desgastante. Foi um dos candidatos principais a combate do ano e, definitivamente, um dos melhores combates da história do NXT, o que não é dizer pouco. Andrade “Cien” Almas e Johnny Wrestling tiveram a audiência, seja a que viu em casa ou a que estava na arena, na palma da suas mãos durante todo o combate. E, novamente, Ciampa fez das suas, quando todos pensavam que o evento tinha acabado. O choque na cara de Candice, a expressão vazia na cara de Ciampa e Johnny Wrestling no chão, depois de ter tido o que foi, até então, o combate da sua vida. É nestes momentos, e nestas histórias, que o Wrestling quase se torna poesia. Não foi nenhuma luta entre os dois, Ciampa não espancou o seu antigo amigo quase até à morte, nem o deixou cheio de sangue, como se teria visto noutras Eras. Não, Ciampa atacou de forma simples, precisa e metódica. Um ponto de exclamação, numa história que ainda não estava nem perto do fim.

Seguiu-se mais um combate entre Almas e Johnny, que terminou numa derrota de Johnny e no seu despedimento do NXT, graças às ações de Ciampa. Após o fim do combate, Johnny encontrou-se com William Regal e com o árbitro do combate para assinar os papéis da sua saída do NXT. Estamos fartos de saber, aliás já foi notado neste artigo, que o que distingue o NXT da programação principal da WWE é a qualidade das histórias,  da apresentação das suas personagens e de conseguir, quase sempre, superar as expetativas com combates brilhantes. Porém, há outra grande vantagem. Enquanto a WWE consegue, muitas vezes, apresentar um produto obviamente ensaiado e falso, que nada tem a ver com a realidade ou que pouco se identifica com a mesma, o NXT tenta sempre uma abordagem mais realista e sincera. Este segmento, por inofensivo que pareça, é um exemplo disso mesmo.

No plantel principal, quando um lutador perde um combate pelo seu contrato, há sempre algum drama, possivelmente lágrimas e choque, ele desaparece durante uns tempos (ou então continua a aparecer nos eventos como fã) e, pouco tempo depois, voltou tudo ao normal. E, se calhar, tal não é muito diferente do que aconteceu com Johnny Wrestling, mas o truque está nos detalhes. Não se sentiu que este segmento fosse uma peça de teatro cómica, com pessoas aos gritos e reações exageradas. Não, foi um momento solene, onde todos os envolvidos estavam destroçados com o resultado, mas comportaram-se profissionalmente, apesar de tudo. A simples menção de Regal a que o contrato de Johnny com o NXT tinha acabado, mas que ele ainda tinha aparições obrigatórias a fazer é do mais realista que pode existir.

São detalhes como estes que, apesar de mínimos, fazem a diferença. É este tipo de execução, realista, simples e eficaz, que acaba por ajudar o Wrestling a transcender as suas próprias barreiras.

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Esta rivalidade culminou num combate épico. Johnny Wrestling e Tommaso Ciampa, antigos amigos, antigos colegas de equipa, antigos campeões de equipas, enfrentaram-se numa batalha histórica, há cerca de uma semana, na noite anterior da WrestleMania, eclipsando a jóia principal da coroa da WWE. Anos de história a culminarem num combate de quase quarenta minutos de puro drama, cheio de simbolismo e significado. Um exemplo perfeito de como boas histórias não precisam de ser complexas e de como um combate não precisa de spots arriscados para ser fantástico. Este combate foi um verdadeiro espetáculo de assistir, uma obra de arte. Um exemplo de como uma formidável execução justifica as velhas fórmulas.

O Wrestling sempre foi visto como tio racista, espalhafatoso e sem maneiras do Teatro. Não é refinado, os atores nem sempre são bons, as histórias são exageradas, mal contadas, frequentemente racistas, xenófobas ou sexistas. Enfim, quando não é visto como uma má influência, é visto como algo infantil que não deve ser levado a sério. Estes são os parâmetros do Wrestling, são as suas barreiras. Foram auto-impostos, na maioria dos casos, ou uma consequência do seu produto. Mas há sempre momentos, há sempre histórias que, em todas as áreas, transcendem as suas barreiras. Tal como o Dark Knight nunca vai ser visto como um simples filme de super-heróis, há certos combates e histórias que nunca serão vistos como apenas Wrestling.

Creio que o maior elogio que posso fazer à história que Tommaso Ciampa e Johnny Wrestling contaram ao longo destes anos e que culminou no combate que tiveram há uma semana, é que produziram algo que se juntou a um grupo elite de exemplos que transcendem o Wrestling. Uma história simples, facilmente compreendida por qualquer pessoa, com uma execução fantástica. O que assistimos não é diferente de um bom livro, de um bom filme ou de uma boa peça de teatro. É, indiscutivelmente, arte. Por vezes, os fãs perguntam entre si que combate ou história mostrariam a alguém que não é fã de Wrestling para lhes dar a entender o que o Wrestling consegue criar, quando é bem feito. Há muitos exemplos, e este combate tornou-se um deles. Não há melhor elogio que esse a fazer. Obrigada pela atenção e até daqui a duas semanas!

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5 Comentários

  1. Mais um grande artigo, parabéns! De facto, foi um combate e uma rivalidade fenomenais cheias de ação e drama que nos trasportavam, como que diretamente para o próprio combate e rivalidade que eles estavam a ter. A fórmula do NXT de contar histórias é simples fantástica, e como fã de Wrestling fico contente por ainda haver algo dentro da WWE que me faça ver o seu conteúdo e que me dê ainda algumas alegrias. É triste quando vemos estes talentos do NXT chegarem ao main roster e os guionistas da WWE não saberem o que fazer com eles…

  2. 13 cm6 anos

    Esse artigo merece 5 estrelas.

  3. Lana day6 anos

    Seus artigos são inspiradores demais.

  4. Esse artigo disse mesmo tudo o que essa rivalidade representa. Lindo.

  5. Júnior 0076 anos

    As vezes eu acho que oficias da WWE (main roster) tem inveja do sucesso do nxt , temos grandes nomes que no nxt eram nxt Champions ou tinha grandes rivalidades , seja na divisão feminina ou masculina e quando vão ou main roster e outro panorama alguns viraram jobbers temos como exemplo the ascencion é bo Dallas na divisão feminina temos o exemplo da Beckey Lynch que atualmente está perdida aparentemente vai virar Jobber no SmackDown , Sasha Banks e Bayley que não foram a lugar nenhum tiveram reinados irrelevantes , rusev que era um dos melhores campeões americanos dessa nova era e hoje virou um palhação , Sami Zayn não teve nenhum título até hoje na WWE os exemplos são muitos , felizmente parece que a coisa vai mudar vamos ver.