Existem incontáveis obras literárias sobre wrestling. Uns são biografias, outros são sobre histórias da estrada, bastidores, carreiras, etc. Existem livros bons, existem livros maus e existem aqueles que se isolam no topo das obras literárias e que se destacam dos demais. E depois existe a auto-biografia de Darren Kenneth Matthews, mais conhecido por todos nós como William Regal. Ao longo de 283 páginas, William conta-nos a história da sua vida. Mas este livro é muito mais que uma simples que as típicas auto-biografias onde tudo é rosas, arco-íris e outras tretas. Este livro é uma verdadeira lição de vida de um homem que nos relata como alcançou o sucesso e os sacrifícios que teve de fazer para o alcançar. Além disso, Regal aborda os capítulos mais negros da sua vida, sejam eles drogas, álcool ou problemas de bastidores. Uma obra verdadeiramente completa que alguém que sabe o que diz.

Wrestling in Wonderland

(….)

As coisas foram duras no Inverno. Sem dinheiro, tive de me inscrever num centro de emprego, algo que não queria. Na Páscoa, havia wrestling, mas depois havia períodos mortos até ao Verão. Nesse período, pela primeira vez, tive de ceder e arranjar um emprego a sério. Havia uma fabrica de engenharia em Blackpool que oferecia 40 libras por semana. Até ao começo do Verão, aquilo ia servir. Fui lá e fui colocado numa máquina. Ao fim de quatro horas, não aguentava mais. Fui-me embora. O único trabalho normal que tive durou quatro horas. Depois comecei a trabalhar num bar.

Rapidamente era Verão novamente, o que significava outra temporada com o Dave Duran. No começo da temporada ele disse-me:

“Nós podemos ter este Verão fácil ou difícil. Ou me dás algum do teu salário e eu não te dou tareias ou não me dás e eu dou-te porrada”

“O tanas” foi a minha resposta. “Vais ter de me dar porrada, então”

E foi exactamente isso que ele fez. Eu achava que o ano anterior tinha sido duro, mas não foi nada comparado com o que estava a acontecer agora. Ele deu-me verdadeiras tareias, ao ponto de eu pensar que não ia aguentar mais. Ele dava-me porrada só porque sim. Eu ainda estava a crescer e pensava “Vais pagá-las todas”. Mas enquanto acontecia, eu era esmagado no ringue. Ele era naturalmente forte, pesava 114 kg e eu pesava 76.

Cheguei a um ponto em que este castigo diário estava a abater-me. O meu corpo estava a começar a protestar. Doia-me ambas as pernas. Tossia sangue. O meu pescoço estava tão duro que quase não conseguia mexer a cabeça. Estava em mau estado e pensava que não conseguia mais. Estava farto. Então quando eu estava mesmo no fundo, algo aconteceu. O Dave foi trabalhar uma semana para outra pessoa e trouxeram um substituto. Era o Ian Wilson, ainda somos amigos, que lutava como Mad Dog Wilson.

Durante a sua carreira, Ian sempre foi carteiro. Ele é um colega excelente que é bom no seu trabalho e é um vilão soberbo porque consegue irritar os fãs. Lutei com ele. Eu tinha conhecido o Ian algumas vezes e ele sempre foi simpático. Quando és mais novo habituas-te a que os wrestlers mais velhos sejam distantes, querem que tu os respeites. Mas sempre que eu andava a atirar-me dentro do ringue, o Ian aparecia com alguns conselhos.

O meu combate com ele foi uma revelação. Ele atirou-se para todo o lado dentro do ringue por mim. “É assim que deve ser”, pensei. Apliquei-lhe uns Dropkicks e ele atirou-se por cima das cordas. Deixou que eu aplicasse todas a manobras que eu quisesse. O Duran nunca me deixava fazer nada. Não aprendi grande coisa com ele. Fiquei mais duro e aprendi a ser castigado sem me queixar, mais nada.

Por isso, ter aquele tipo de combate com o Ian foi magnifico. Eu pensei “Certo, é isto. Vou continuar com isto”. Claro que o Dave Duran voltou uma semana mais tarde e voltou a dar-me tareias, mas eu já nem ligava. Eu tinha visto como bom o wrestling podia ser e era aquilo que eu queria.

Chegou Setembro e o Bobby Baron decidiu que queria que eu lutasse como um Cowboy. Eu comprei um chapéu de cowboy e pintei o cabelo de loiro. E odiei. O chapéu era 10 tamanhos acima e ficava-me mal. Eu sabia como parecer bem no ringue, ou pelo menos pensava que sabia. Eu tinha umas botas de wrestling pretas e pintei-as, com spray, uma dourada e outra prateada. Além disso, queria colocar duas madeixas prateadas no cabelo e estava pronto – ia ficar fantástico.

Então pedi a uma amiga do Steve, que era cabeleireira. Ela chamava-se Chris e recusou qualquer pagamento em troca. Eu disse que lhe agradecia ao levá-la ao Tangerine Club. Eu tinha 17 anos e ela 18. Saimos naquela noite e ainda estamos juntos hoje. Chris tornou-se na minha esposa.

regal

Quando eu não estava a lutar, trabalhava no Tangerine Club. No ano seguinte, 1986, eu e a Chris mudamo-nos para um apartamento. Ficamos noivos e casamos no dia 8 de Novembro, 14 meses depois de sairmos pela primeira vez.

Antes disso, porém, conheci um dos homens mais importantes do wrestling britânico, Max Cabtree. O Tony Francis levou-me a um show do Dale Martin, que era da companhia do Max. Foi também nessa noite que conheci o Marty Jones.

Max queria que eu trabalhasse para ele e disse-me: “Não faz sentido andares com trabalhos em pequenos shows se vieres trabalhar para nós. O Marty tem um ginásio perto de Rochdale e tu tens de lá ir aos Domingos de manhã”

O Marty era um tipo fixe. Ele é um dos melhores wrestlers que podemos ver, aquilo a que chamamos um great worker. Ele lutou em alguns dos melhores combates que eu já vi. Aquele combate com o Rocco foi incrivel. Outro combate que ele teve em 1985, contra o Owen Hart foi electrificante. O melhor combate que eu o vi ter foi em África. Quando chegou á hora do combate dele, chovia intensamente. Era um estádio aberto. O Marty lutou contra um tipo chamado Gama Singh do Canadá. Lutaram durante 1 hora á chuva, num combate de 5 rondas, sem vitória para qualquer um. Foi uma demonstração incrivel do que o wrestling é. Eu sentei-me durante 1 hora á chuva, sem tirar os olhos do ringue.

Então agora eu lutava durante toda a semana e trabalhava no bar aos fins de semana. Eu ainda não conduzia. Era a Chris que me levava aos shows no ginásio ou ia de autocarro. Mas tudo valia a pena para trabalhar para o Marty. Ele ajudou-me imenso. Quando comecei com ele, eu conseguia dar algumas quedas e ser engraçado. Mas o Marty ensinou-me a lutar. Num dos Domingos o Max estava lá a ver-nos. Ele tinha um bloco de notas e fingia estar a tirar notas, na realidade ele só queria parecer bem. Ele disse-me que me dava mais trabalho, mas eu tinha de parar de vez de lutar para o Bobby Baron. Isso era algo que eu não estava preparado para fazer. Foi ele que me deu a primeira oportunidade e sempre cuidou de mim. Até ao dia em que vim para os Estados Unidos, eu trabalhei para o Bobby, sempre que podia. Mesmo quando viaja pelo mundo, se voltasse e ele tivesse um show, eu ia lá.

Como resolvi a situação com o Max? Não resolvi. Blackpool era aquele pequeno espaço e ninguém ia fazer queixinhas ao Max se eu fizesse um show para o Bobby aqui e ali. Se eu fizesse shows para o Bobby em silêncio, ninguém ia dizer nada. O Bobby não ligava nada porque gostava de mim, por isso era ele a resolver qualquer problema que houvesse entre mim e o Max.

Mas no pensamento do Max, ele era o único na indústria que tinha boas ideias e que eu não precisava de trabalhar para mais ninguém a não ser para ele.

Aceitei a proposta de trabalho do Max, que raio podia eu fazer? Não demorou muito até eu aparecer na televisão e o nome Bertie Bassett de Littlehampton ia desaparecer de vez. Eu estava prestes a tornar-me Steve Regal.

See you next week, here on WPT

6 Comentários

  1. Mais uma vez obrigado pela leitura obrigatória das terças-feiras.

    Aguardo ansiosamente pelo próximo capítulo.

  2. Danilo'-'10 anos

    Muito bom mesmo, continua 😉

  3. John_3:1610 anos

    Bom artigo, boa continuação.

  4. Excelente, curto, nada cansativo, e, sobretudo, a deixar água na boca para a semana seguinte. Continua Ricardo!

  5. Dan10 anos

    Excelente. A cada texto que se passa, mais vontade chega. Fico feliz em ter um autográfo do Regal neste momento.