Todos têm esqueletos no armário. E, na era em que estamos a viver, é perigoso quando alguns são descobertos. Pode correr muito mal, resultando em carreiras arruinadas e distância permanente, como pode resultar apenas numa palmada na mão. No mesmo ano em que Hulk Hogan voltou a assinar contrato com a WWE, depois de vários anos de castigo pelos comentários feitos em privado numa gravação que foi, mais tarde, tornada pública, agora é a vez de Randy Orton estar em perigo de um castigo.

Surgiu, recentemente, uma nova história de terror com Orton como protagonista, onde um antigo membro da equipa criativa da WWE revelou que Orton tinha comportamentos inapropriados e ofensivos que tinham como objetivo intimidar e provocar as novas contratações da equipa. Vários antigos membros da equipa já foram inquiridos sobre estas alegações e nada fizeram para as desmentir. As histórias de bullying nos bastidores são mais do que muitas e, embora o ambiente nos bastidores tenha melhorado significativamente ao longo dos últimos anos, histórias de um passado não muito distante correm sempre o risco de vir à tona.

É tudo uma questão de azar para a WWE se, um dia, uma das centenas e centenas de histórias protagonizadas por rufias como JBL ou Randy Orton se tornar popular o suficiente para causar problemas. A bússola moral da companhia pode não passar de um simples objeto decorativo, mas os dólares pagos por patrocinadores não o são. Tal como a WWE mudou de discurso quando a Snickers mostrou o seu descontentamento pela decisão da companhia em homenagear The Fabulous Moolah na WrestleMania, o mesmo pode voltar a repetir-se sempre que uma polémica surgir.

Apesar das inúmeras histórias que têm o potencial de afastar Randy Orton da WWE durante uns bons anos, se as pessoas certas falassem e a notícia ganhasse notoriedade junto do público, o risco que este corre não é significativo. Afinal, Randy Orton pode ser uma parte inegável da WWE até ao dia em que se reformar, mas não tem o legado, nem a dimensão, de Hulk Hogan.

Opinião Feminina #335 - Speaking of apologies...

A popularidade de Hogan e o facto das suas afirmações infelizes terem sido apanhadas em vídeo, que mais tarde se tornou viral, foi a mistura perfeita de fósforo e pólvora nos dias que correm.  Assim que a história começou a ganhar destaque, a WWE de imediato cortou quaisquer laços com Hogan, chegando mesmo a suspendê-lo do seu Hall of Fame, algo que nunca fez qualquer sentido. Visto que o Hall of Fame da WWE é meramente simbólico, não uma forma de homenagem física, e que a importância de Hogan na história da indústria é absolutamente inegável – ainda hoje, Hulk Hogan é sinónimo de Wrestling e vice-versa – a alegada suspensão de Hogan do Hall of Fame foi uma tentativa desesperada e sem sentido da WWE de se afastar o mais depressa possível de Hogan, de forma a não ser associada à sua péssima publicidade.

Infelizmente, talento não é sinónimo de caráter e podemos debater se pessoas sem caráter ou com graves falhas morais devem ver o seu talento e trabalho homenageado, mas a verdade é que a decisão da WWE de suspender Hogan do Hall of Fame pode ter ajudado a companhia a salvaguardar-se, mas na minha opinião teria bastado um comunicado a renunciar a atitude e comentários que Hogan fez no vídeo. Não é como se a WWE não soubesse já quem Hogan era quando o homenageou em 2005. Na altura, o que lucrou ao promover a sua homenagem no Hall of Fame e a sua participação na WrestleMania 21 foi o que bastou.

Fingirem-se de ofendidos e tirarem-lhe uma homenagem que, na prática, não existe e não passa de mais uma manobra de marketing e venda de merchandise foi uma atitude oca e vazia. Tal como foi uma estratégia oca e vazia trazê-lo de volta para pedir desculpas a todos numa reunião nos bastidores, supostamente num momento que não foi filmado e não será utilizado em breve em documentários. Se calhar não vai, mas nos dias que correm, não poria as mãos no fogo. As reações foram variadas, como se esperava, e desde então, o próprio Hogan já estrebuchou e se indignou por não ter sido recebido de braços abertos e pelo seu pedido de desculpas forçado e claramente essencial, se queria voltar a ter qualquer ligação à WWE, não ter sido universalmente aplaudido.

Idealmente, esta seria uma oportunidade de Hogan e da WWE usarem a influência que têm juntos para o bem, de forma a trabalhar para, de facto, melhorar a vida de alguém e mostrar arrependimento através de ações e não discursos baratos com os quais podem, um dia, vir a lucrar ao contar a história do coitadinho que não sabia que estava a ser filmado. Neste campo, estrelas como Titus O’Neil, que é incansável no trabalho comunitário que faz, podem facilmente aconselhá-lo e ajudá-lo a ter um impacto positivo na sociedade.

Tal, no entanto,não parece que se vá tornar uma realidade num futuro próximo, mostrando que, apesar de terem passado quinze anos desde que Triple H disse a Booker T, antes do combate de ambos na WrestleMania XIX pelo título mundial, que pessoas como ele não ganhavam títulos, a companhia não mudou assim tanto.

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Neste campo, Randy Orton tem sorte, tal como JBL já teve no passado. Tem a sorte de ser valioso o suficiente (ou adorado o suficiente) para ter um emprego garantido para o resto da vida, mas sem a parte chata da imensa popularidade associada que tornava a mais recente história que surgiu sobre si no seu pior pesadelo. John Cena, por exemplo, no lugar de Randy Orton não teria tanta sorte.

Tal como as acusações de bullying que foram feitas a JBL, após a saída temporária de Mauro Ranallo da companhia, e os imensos pedidos dos fãs para que este fosse despedido, pois acreditava-se, na altura, que Ranallo se tinha afastado após sofrer bullying às mãos de JBL, resultaram apenas num afastamento de JBL, sem a companhia sofrer verdadeiras consequências, Randy Orton deve ter a mesma sorte.

Não sabemos, ao certo, se o afastamento de Ranallo, na altura, se deveu ao comportamento de JBL. Ranallo, na altura, disse que não, e não temos provas em contrário, para além da palavra de vários jornalistas com alegadas fontes dentro da companhia. Todavia, não nego que sinto pena que as histórias de bullying feito por JBL a vários membros do plantel, não só com conhecimento dos superiores, mas em vários casos, com o seu apoio e consentimento, não tenham ganho notoriedade suficiente para obrigar a companhia a justificar-se publicamente. O próprio JBL já confessou ter tido este tipo de comportamentos no passado e deixou bem claro, em várias ocasiões, que não iria pedir desculpa por isso.

Acredito que o ambiente na companhia melhorou. É impossível não ter melhorado. Os tempos mudaram, as novas gerações de lutadores são diferentes, a influência da velha guarda e dos velhos costumes é cada vez menor, visto que já quase não há lutadores da velha guarda a lutarem regularmente e os que receberam os seus ensinamentos diretamente estão agora a chegar à idade em que começam a abrandar.  Estas mudanças já foram apontadas como algo negativo. Lutadores da velha guarda a queixarem-se que hoje em dia os gaiatos passam o tempo no quarto de hotel a jogar jogos de vídeo, em vez de andarem a saltar de bar em bar rodeados de drogas e sexo. Cada um terá a sua opinião sobre o que será preferível, mas sem dúvida não iremos ver estas gerações a morrer em grandes números antes dos cinquenta anos.

Porém, não acredito que os valores da companhia tenham mudado fundamentalmente. Acredito que tenham melhorado alguns aspetos, mas porque tinham de o fazer. Nos dias de hoje, tudo é filmado, tudo é gravado e tudo se torna viral com uma rapidez alucinante. Nos dias de hoje, um vídeo de dez segundos onde uma pessoa diz uma palavra errada ficará para sempre na memória de todos, o que vai custar patrocinadores e irá custar dinheiro. A WWE está a seguir o dinheiro, como qualquer corporação da sua dimensão.

A WWE prometeu que irá investigar o que o antigo membro da equipa criativa revelou sobre Randy Orton. No entanto, este não foi afastado de televisão, o que leva a crer que a investigação não será muito séria e a companhia está apenas à espera que a notícia caia no esquecimento. Porque, mais uma vez, não acredito por um momento que nenhum superior de Orton soubesse dos seus comportamentos. Não numa companhia onde a intimidação e o bullying foram, durante grande parte do tempo, estratégias aceitáveis para gozar e testar novos trabalhadores.

Portanto, a não ser que os futuros patrocinadores da WWE se apercebam e exijam um castigo, nada deverá mudar. Orton nem sequer deverá ser obrigado a pedir desculpas, o que até é preferível. Obrigá-lo a fazê-lo seria ainda mais ridículo e mais difícil de acreditar na sua sinceridade do que foi com Hogan.

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Ainda falando em pedidos de desculpas, recentemente Dave Meltzer não se expressou da forma mais inteligente, quando estava a avaliar a prestação de Peyton Royce no plantel principal da WWE, o que resultou num ataque em massa dos amigos e colegas de Peyton Royce. Tendo em conta a proximidade e o sentido de equipa que a maioria sente, isto não é surpreendente. No entanto, não deixa de ser irónica a necessidade de se unirem contra um alvo fácil.

Sim, Meltzer esteve errado. Infelizmente, não é a primeira, nem será a última “gaffe” ou comentário insensível que este faz. E, tal como o próprio o disse, não há defesa possível para o que ele disse e fez bem em simplesmente pedir desculpas e aceitar que, por uns tempos, vai tudo cair-lhe em cima.

No entanto, Meltzer continua a ser um alvo fácil. Um alvo fácil que disse disparates. É fácil juntarem-se todos a criticar e castigar alguém que cometeu um erro, mesmo depois deste ter pedido desculpas, do que avaliarem o comportamento moral da companhia para quem trabalham. A mesma companhia que, este mesmo ano, assinou um contrato de milhões para realizar eventos na Arábia Saudita, onde as lutadoras nem poderão participar.

O que é que tem mais impacto a longo termo e a um maior número de pessoas? Os comentários de um jornalista de pouco destaque que frequentemente é apanhado a dizer disparates, ou a escolha de uma companhia da dimensão da WWE que defende igualdade de género e está constantemente a congratular-se pelos passos tomados em direção a um mundo mais justo, mas depois troca os seus princípios por vários milhões de dólares?

Lá está, Meltzer é um alvo fácil. Um alvo que, repito, merece ser criticado e castigado pelo que disse. Mas, um alvo fácil cujos comentários não têm nem um quinto do impacto que países como a Arábia Saudita têm na qualidade de vida das mulheres. Um alvo fácil que tem pouca influência nos sacrifícios que as lutadoras fazem para conseguirem melhores oportunidades.

Também é possível que uma mudança, por muito pequena que seja, esteja a caminho e a WWE queira simplesmente estar na vanguarda para receber toda a associação positiva possível. Mesmo assim, uma companhia motivada por boa publicidade continua a não ser muito diferente de uma companhia motivada por dinheiro.

Mais uma vez, toda a gente tem esqueletos no armário e toda a gente diz disparates. Nos tempos de hoje, não podemos iludir-nos só porque toda a gente é mais politicamente correto e tem mais cuidado na forma como se expressa. Não será desta que a companhia será forçada a responder pelo comportamento que em tempos encorajou nos bastidores, pela sua cegueira seletiva no que toca a ignorar os comentários sexistas e racistas das pessoas que quer usar para lucrar ou pelas suas hipocrisias morais. No entanto, a qualquer altura, uma história pode ganhar destaque suficiente e causar verdadeiras dores de cabeça à companhia. E depois, é como abrir a caixa de pandora. Assim que a porta abrir, todos os esqueletos irão sair do armário em massa. Basta ver como aconteceu em Hollywood. Obrigada e divirtam-se com o SummerSlam!

6 Comentários

  1. Dos melhores textos – caraças, o melhor – que li nos últimos tempos ! Sinceros parabéns, está excelente e totalmente” on the point”.

  2. Randy Orton no dark match no último smackdown basicamente desmentiu todas essas acusações. Nenhumas dessas acusações feitas para estragar a reputação dele foram confirmadas como verdadeiras e nenhuma vai porque são falsas.

    • Tem uma grande chance dessa história ser verdadeira, pois até agora nenhum ex escritor da WWE apareceu para desmentir essas acusações.

    • Basta o Randy Orton o fazer e ele já o fez

  3. Coisa6 anos

    Discordo quando dizes o Orton não tem a fama suficiente para ser notícia global como o Hogan, acho que tirando o Cena ele até é o segundo nome mais reconhecido (não fosse ele o rival do primeiro).

    No mundo atual, nomes como Orton, Cena, The Rock, Hogan, Batista, HHH, Undertaker e Rey Mysterio são facilmente reconhecíveis “fora” do wrestling, são nomes que podes mencionar a qualquer pessoa no mundo e essa pessoa muito provavelmente vai reconhecê-los apesar de não acompanhar o produto, óbvio que depois estes são ofuscados um pouco pelo Cena, porém têm uma fama global bem estabelecida que lhes pode permitir uma carreira fora do indústria como o Batista e o Rock. Um gajo como o Orton está bem acima do estatuto do JBL, por exemplo. E atualmente até poderá ser mais reconhecido do que o Hogan, até porque apanhou uma geração onde o Wrestling tornou-se mais mediático nas tecnologias, casos como o “rko” ter-se tornado um meme, ou o facto de ele ser o único wrestler atual a poder chegar aos calcanhares do Cena no que toca a importância ajudam para que isso aconteça.

  4. Artigo excelente. Sendo bem sincero, muitas vezes tenho nojo dessa companhia e de suas atitudes forçadas. Ao invés de serem a mudanças, eles simplesmente se mover quando a maré já está virando, por que afinal o que vale caráter quando se tem milhões de dólares fácil sendo um hipócrita?