No passado episódio da Raw Supershow foi mencionada várias vezes um termo bastante curioso. Curioso não pelo que significa, mas pelo que significa no ambiente em que foi proferido. Associado a Brock Lesnar e ao seu passado na UFC, este termo vem interferir, influenciar e cimentar a rivalidade deste com John Cena. Um termo que quando misturado com estes explosivos componentes acaba por enviar várias mensagens ao Universo WWE quem podem ser interpretadas de mil e uma maneiras diferentes. E esse termo é “Legitimidade”.

Opinião Feminina #73 - LegitimidadeO uso do termo “Legitimidade”, também sinónimo de “Autenticidade”, no contexto em que foi apresentado pela WWE pode ser benéfico, mas também pode apresentar certas dúvidas. Contudo, antes de irmos ao cerne da questão, há vários pontos que têm de ser assentes e falados, como por exemplo, a diferença entre o produto apresentado pela UFC e pela WWE. Tendo em conta que a UFC foi repetidamente mencionada no passado episódio da Raw, penso que faz sentido estabelecer esta distinção.

Muitas pessoas, entendidas ou não de ambos os produtos, costumam rotular o produto da UFC como “real” e o produto da WWE como “falso”. Pessoalmente, não sou fã dessa conotação, simplesmente porque passa imagens erradas. Não é assim tão simples, pelo menos a meu ver.

O facto da WWE reconhecer a existência da UFC ao ponto dos mencionar é outro sinal da grande diferença que existe entre o produto de ambas as companhias. Graças a essa diferença é que nunca estarão em confronto directo ou serão vistas como rivais principais. Podem partilhar vários fãs, mas ambas possuem atractivos diferentes para conquistar uma audiência.

Enquanto a UFC apresenta uma competição entre atletas que treinem MMA, a WWE concentra-se na apresentação de histórias através do uso do corpo dos atletas. Todos os combates na WWE possuem uma história, seja ela bem ou mal contada, e nessa história nem sempre o que vence no fim, é o melhor naquilo que faz.

Muitos entendem isso como sendo um produto falso e uma brincadeira. Contudo, não o é. Os atletas da WWE necessitam de tanta ou até mais preparação física e mental do que qualquer outro atleta de outra modalidade. O trabalho que eles apresentam exige uma preparação física muito grande para conseguirem aguentar não só os combates que fazem, mas também a frequência com que os fazem.  As estrelas da WWE sofrem tantas lesões como qualquer outro atleta e o risco de correm não é para ser ignorado ou gozado. É para ser levado muito a sério. Em ringue, eles possuem a vida de outras pessoas em mãos. Basta uma pessoa cometer um erro e o pior pode acontecer.

Nada do que a WWE faz é “falso”, é sim coreografado com um propósito. É uma história apresentada pelos movimentos, manobras, expressões faciais e trejeitos de todos os envolvidos. Não são muitos os fãs que reconhecem a arte que lhes é apresentada e certamente não são todos os outros exteriores a este mundo que a conseguem entender.

Talvez se mais pais se dessem ao trabalho de entender aquilo que está a ser apresentado, o pudessem explicar aos seus filhos. Se isso acontecesse, talvez não tívessemos crianças a tentarem imitar as manobras dos lutadores. Talvez se isso acontecesse, não teríamos os mesmos pais a queixarem-se  às companhias de televisão que transmitem tal produto. A ignorância é grave, mas pior que ser ignorante, é ser ignorante por opção.

Ora, a WWE sempre gostou de usar essa confusão dos fãs e confundir a ficção com a realidade. Não só é mais rentável, pois são muito mais aqueles que não entendem do que o contrário, como acaba por dar mote a histórias mais interessantes e chocantes. Desta forma, cria a dúvida até nos fãs mais experientes originando assim entretenimento puro. Todas as histórias e personagens são mais relembradas e propensas a serem um sucesso, se tiver essa característica de realidade à mistura.

Mais uma vez, a WWE está a usar a realidade para dar mote às suas histórias. Desta vez, a WWE usou o nome de uma companhia real e o passado real de um lutador: UFC e Brock Lesnar.

A meu ver, a WWE está a reforçar e a mencionar esta realidade no sentido de explorar e consolidar a personagem de Brock Lesnar como a “besta”. A WWE quer que ele passe por uma besta imparável, completamente destruidora e estão a conseguir. O facto de quase todo o roster se ter dirigido ao ringue para separar Lesnar e John Cena e o facto deste último ter sangrado devido a um murro de Lesnar também ajudou a atingir o objectivo.

O uso do termo “legitimidade” neste sentido dá claramente a entender que Brock Lesnar não está ali a brincar e que John Cena está em perigo. Óbvio que essa conclusão só irá ter efeito nos fãs mais ingénuos ou em fãs recentes que tenham experimentado o produto devido à transição de Brock Lesnar para a WWE. Afinal, o uso da UFC e o regresso de Brock Lesnar pode também ser visto como uma tentativa da WWE de tentar convencer alguns fãs experimentar o que apresentam. Ao menos pode despertar a curiosidade deles.

De certa forma, a WWE está a tentar e a conseguir chamar todo o tipo de fãs para assistir a isto. O público mais jovem certamente já está fixado na história, não só porque poderá acreditar na história que a WWE está a contar, como quererá ver o seu herói a sair como vencedor nesta história. Os fãs adolescentes estão desejosos de ver Lesnar a destruir Cena, especialmente depois deste ter sangrado. E os mais velhos simplesmente já conhecem o negócio bem de mais para acreditarem que Lesnar irá trazer “legitimidade” à WWE. De qualquer forma, não deixam de estar curiosos pelo regresso de Brock Lesnar. Afinal, ele ainda é uma novidade e o assunto mais falado do momento.

Contudo, ao recorrer ao uso deste termo de forma repetida, a WWE não está só a construir Lesnar. Talvez esteja também a transmitir outra mensagem. No momento em que Laurinaitis afirmou que Brock Lesnar iria trazer a legitimidade de volta à WWE, instantaneamente me questionei quando é que a WWE o tinha perdido. Afinal, porque deveremos acreditar em tudo o que a WWE fará depois de Lesnar abalar outra vez?

Não me agradou muito ver este termo empregue desta forma. Ao usar este termo e ao afirmar que esta característica está de volta no produto da WWE, implica que antes isso não existia. Ao fazer isto, a WWE está a descredibilizar o seu trabalho desde que Lesnar abalou em 2004, assim como o trabalho e esforço dos lutadores.

Se calhar estou a escrutinar demasiado a situação. Se calhar não deveria ser levado a sério, afinal foi só a construção de mais uma história. De qualquer forma, naquele momento não transmitiu a imagem que pretendiam. Eu já sei a besta que Lesnar é e muitos dos seus fãs também. Óbvio que isso não significa que eles não o devem construir de tal forma, apenas acho que devem ter cuidado com as ferramentas que usam e que não exagerem esse uso.

Pessoalmente, não acreditava que Lesnar voltasse. Tal como cheguei a dizer em comentários, era possível se Vince pagasse bem, mas contava mais com o regresso do Batista do que o regresso de Lesnar. Fiquei extremamente surpreendida com os rumores que saíram em relação à duração desta sua passagem pela WWE. Nunca esperei que ele ficasse, mesmo com dois ou três eventos por mês, até à Wrestlemania 29. Isto claro, se os rumores forem verdade.

Não estava muito interessada no seu regresso, pois não sabia até que ponto é que ele estava capaz e disposto a fazer mais uma temporada. Ele teve problemas de saúde durante a sua passagem na UFC, sobre os quais eu desconhecia a gravidade e a sua relutância em viajar com frequência é bem conhecida.

Mesmo assim, foi um grande regresso. Ele entrou com grande impacto e começou imediatamente a sua história com John Cena calando as asneiras que este tinha sido forçado a dizer. Neste sentido, a rivalidade começou em grande forma, pois após a Wrestlemania há sempre um período de tempo menos motivante e intenso para compensar a “Road to Wrestlemania”. Contudo, desta vez tal não irá acontecer. Brock voltou e com poucas palavras fez história.

Ouvi muitos fãs referirem como a rivalidade de Cena com Lesnar era o oposto da rivalidade entre Cena e Rock. Enquanto Rock e Cena passaram um ano praticamente só a falar, Lesnar e Cena começaram logo pela parte física.

Por um lado, foi inteligente porque não vale a pena fingir que estes se vão encontrar pela primeira vez. Por outro, Rock era mais conhecido pelas suas fantásticas capacidades ao microfone e muitos queriam vê-lo a humilhar Cena nesse sentido. É uma das imagens de marca de The Rock e a quantidade de “catch-phrases” que possui fala por si. Já Lesnar é visto, e sempre foi visto, como a força bruta. As pessoas não querem ver Lesnar falar e tentar impingir-lhes isso nunca iria funcionar. Aliás, se formos bem a ver no início de carreira, Lesnar precisou de Heyman ao seu lado como manager.

Opinião Feminina #73 - LegitimidadeNão tive problemas com Lesnar ter chegado e aplicado o F5 em John Cena. Lesnar precisava de um regresso com grande impacto e foi exactamente isso que teve. O problema que muitos fãs apontam no facto de John Cena estar a ficar algumas vezes por baixo não está no ataque de Lesnar. Todos os regressos devem ser feitos daquela forma. O problema está na derrota na Wrestlemania, mas isso já foi discutido a semana passada.

Em relação à última Raw, foi-nos apresentado dos inícios mais cativantes de sempre da Raw. Há contudo um aspecto que está a começar a confundir os fãs presentes nas arenas.

John Laurinaitis e David Otunga são heels e ambos estão a receber uma boa quantidade de apupos por parte da audiência. Já Lesnar é um dos lutadores que os fãs mais gostam e mais queriam ver de volta. Colocá-los juntos e ter Lesnar a agradecer Laurinaitis pelo seu regresso, confunde a multidão. Por um lado, querem vaiar Laurinaitis, mas por outro querem apoiar Lesnar.

Não sei se conseguirão tornar Lesnar heel só por atacar John Cena e juntá-lo a Laurinaitis. Afinal, grande parte da multidão acaba por querer vê-lo a agredir Cena. Isto se for a intenção da WWE torná-lo um heel completo. Se for, precisam de desenvolver a situação muito melhor, mas também ainda só passaram duas semanas.

A atitude de Cena continua no tom em que estava com The Rock, o que acaba por ser uma lufada de ar fresco vê-lo mais atrevido, trocista e provocador. Assistir ao mesmo discurso, entoado sempre da mesma forma, contra as mesmas pessoas aborrece e sinceramente, era aquilo que eu menos queria ver após a Wrestlemania.

Cena precisa de mais rivalidades como estas. Ter John Cena a ganhar mais títulos principais não acrescenta muito à sua carreira. Depois de tantos que ele já ganhou, mais um ou outro já não tem significado. Mesmo quando esta história com Lesnar terminar, a WWE precisa de se concentrar em histórias interessantes que envolvam John Cena, mas que não envolvam sempre o título.

Quer gostemos ou não, John Cena ascendeu a outro patamar. Usem isso a proveito da companhia, para criar novas estrelas e novas rivalidades. Não enjoem os fãs outra vez ao dar-lhe reinados intermináveis e histórias com as mesmas pessoas.

De qualquer forma, esta rivalidade com Brock Lesnar está bastante interessante e começou em grande. Gostava de os ver a arrastar isto, se bem justificado, claro. Temos é que aproveitar enquanto Cena não volta à monotonia que estava antes e enquanto Lesnar cá está. Divirtam-se a ver Wrestling e até para a semana!

Opinião Feminina #73 - Legitimidade

4 Comentários

  1. João Macedo12 anos

    Mais um excelente artigo, esperar outra coisa seria pecado.

    Concordo contigo, a WWE “usou” a UFC para cimentar a brutalidade de Lesnar, se bem que este já é conhecido por essa brutalidade e por vezes a WWE tem que olhar um pouco a meios para atingir certos fins.

    Quanto à diferença entre WWE e UFC, confesso que não sou muito fã de UFC, o próprio tipo de combate da UFC não me cativa muito. Por sua vez, a WWE cria histórias e rivalidades, e isso é muito bom, é como se estivéssemos a ver uma série, ou seja existe uma história, mas na WWE o fim não é bem definido, por esta forma digamos. Depois, claramente, existe quem desvalorize o wrestling por ser “fake”, nas palavras dessas pessoas, cada um tem a sua opinião sobre determinada modalidade, há que respeitar, se bem que existem opiniões sem réstia de sentido.

    Nos regressos, também sou daqueles que adoravam o regresso de Batista, mais até do que Lesnar. Contudo, foi Lesnar quem voltou e estou a gostar muito da sua rivalidade actual, penso que começou de uma excelente forma, com muita violência e brutalidade. Na segunda Raw depois da WrestleMania, em Washington DC, acreditei no regresso aí de Batista, visto ser a sua cidade natal, mas pelos vistos não vamos ter o regresso deste senhor tão cedo.

    Talvez seja confuso juntar Laurinaitis, Otunga e Lesnar, às vezes também penso nisso, mas talvez seja uma forma de a WWE “cimentar ainda mais” esta ainda mais bruta personagem de Lesnar. Vamos ver no que isto dá, e fico à espera da próxima edição do melhor artigo do PTWrestling.

  2. danielLP2112 anos

    Não te cansas de escrever tão bem?! Já nem sei o que dizer…

    Quando ouvi o Laurinaitis a falar de um regresso de legitimidade pensei exactamente o mesmo que tu,aliás,pensei até como é que era possível a WWE estar a admitir uma coisa dessas,então o trabalho desenvolvido por todos aqueles que chegaram depois de Lesnar(independentemente de terem estado lá 8 meses ou 8 anos) não trouxe legitimidade?Mesmo que não fosse essa a mensagem que queriam transmitir foi o que fizeram e não Salgado,não estás a escrutinar demasiado a situação :p
    Eu nunca olhei para a UFC como “rival” da WWE simplesmente porque não faz muito sentido,e a prova disso é que a WWE falou no nome da UFC sem qualquer problema.Se o Lesnar tivesse vindo da TNA ou da Ring Of Honor de certeza que não tinham referido o nome dessas empresas(aliás,acho que só o CM Punk falou numa empresa rival e foi naquela promo em Julho,quando se referiu à ROH).
    Tal como tu não acreditava no regresso do Brock Lesnar,aliás sempre disse que só acreditava quando o visse a descer a rampa em direcção ao ringue.Eu sinceramente não gosto muito da ideia de o Lesnar só estar na WWE durante um ano porque a passagem anterior dele pela empresa tinha sido apenas de 2 anos e desta forma ele estará na empresa apenas 3 anos num total de 11(entre a sua estreia e a próxima WrestleMania).No entanto,gostei do regresso dele e da forma como foi consumado,criou um enorme impacto e logo numa altura em que normalmente não acontece nada de especial,depois da WrestleMania,tal como tu disseste.
    É óbvio que o Lesnar não veio para falar e claro que esta história não pode ser semelhante à do The Rock,esta tem que ser muito mais agressiva e física.O Brock Lesnar não é conhecido pelas suas palavras mas sim pelas suas acções,o que não acontece com o The Rock.
    Eu percebo o que queres dizer em relação ao facto de os fãs quererem que o Lesnar destrua o Cena e por isso ser difícil ele ser Heel,mas eu acho que basta continuar a dar graxa ao Laurinaitis e fazer uma ou duas promos a atacar os fãs e isso muda,mas lá está,só passaram duas semanas.
    Também estou a gostar de ver este John Cena mais agressivo e a atirar-se de cabeça para a boca do lobo.Espero que ele continue assim durante muito tempo e que não volte à rota do Título da WWE tão cedo.E também quero,tal como tu,que esta rivalidade dure algum tempo,desde que faça sentido.

    Excelente artigo 🙂

  3. 619 D-generation X12 anos

    grande artigo
    nunca me esquecerei da boca de cena ensanguentada

  4. Ótimo artigo Salgado, muito bom ler seus artigos que ficam sempre bem feitos e bem explicativos.

    Eu não gosto que as pessoas falem: “WWE é coisa para homossexual, pois os lutadores lutam de sunga e ficam se atracando no rinuge.” ou “UFC é coisa de homem, é de verdade.” Isto não é verdade, mesmo que o UFC seja de verdade, eles não dão nem um salto mortal como os astros da WWE e ficam muito na luta de chão dando “agarramentos”. Eu não sou fã do produto da UFC por causa disso, o gosto pelas lutas de chão.
    Nem é preciso comparar as duas companhias, elas nunca vão brigar por audiência, pois não são do mesmo assunto. (é luta, mas não do mesmo estilo) O UFC tem seu estilo livre e a WWE também, mas a preparação dos atletas da WWE é muito mais pesado. Saltos incríveis, manobras fora do ringue e lesões graves por causa disso.
    Eu por exemplo, já disse mil vezes aqui no PTW que assisto wrestling com emoção e não dizendo: “Dá pra ver que nem acertou.” Assistir wrestling sem emoção não tem sentido ficar 2 horas na frente da TV (ou do PC).
    As pessoas são extremamente ignorantes, acham a WWE muito violenta e não deixam os filhos assistirem, o SBT parou de apresentar a WWE pelo horário e pelas muitas reclamações dizendo que era violento e as criaças estavam agredindo umas as outras.
    Na Raw, o Brock Lesnar atingiu o rosto de Cena de verdade e isto foi muito bom, mas digo que isso não é típico da PG, mas as vezes é preciso ver um pouco mais de ação e não naquela a vida toda.
    A verdade é que o Cena em todas as suas feuds ele fica por baixo. Um exemplo é o de The Rock que ele estava por baixo desde o início mas conseguiu dar a volta por cima, mas voltou a ficar por baixo e perdeu na WrestleMania, na feud com o Kane, ele começou sendo atacado no Slammy Awards mas acabou por vencer na Elimination Chamber. Agora novamente, o Cena está em feud, mas com Lesnar, e desde o começo ele está por baixo.
    A feud está boa desde o início, e espero que fique ainda melhor.

    Novamente digo, ótimo artigo e continue assim Salgado.